quinta-feira, 21 de março de 2013

o inenarrável da existência

O INENARRÁVEL DA EXISTÊNCIA Helenice Maria Reis Rocha ENIGMA DE PAZ Um enigma de paz indecifrado passeia o silêncio das coisas. Entre a voragem e o estio baila a nudez das horas vaticinando imagens de palavras caladas na gestação Quem gera o verbo embala o mundo manso do silêncio pois que as palavras são mudas em seu estado de limbo Renda fina ataviando o verso o verbo cala nas trincheiras dos objetos. Palavra e mundo comungam a mesma solidão estática. EXCELÊNCIA DO SONO A excelência do sono me desvela anelo de um descanço sem pré adiado em noites brancas de uma vigília obstinada Inalterada face muda do tempo revela-me o avesso do cansaço deve ser o riso calado dos mansos numa tarde inalterada de sol LIRISMO SEM COR Um Lirismo sem cor me cinge os sentidos Vejo, sem muita clareza, a matemática dos dons Uns são médicos, outros professores, e esse lirismo lavando meu entendimento sem destino Lirismo sem profissão ou rumo, como as pedras nas ladeiras. AS UVAS As uvas que batizam o vinho ferem o ventre dos desesperados Os que não têm consolo não descansam nem no vinho De toda a maldade o que sobra é uma grande mágoa A mágoa de não ter atrapalhado aquele grande amor ou de não ter impedido aquele desejo no nascedouro. Esse o consolo dos maus. Mas a vida explode como canção estilhaçando esses cérberos Exercitando a potência dura da justiça A vida escorre entre os dedos duros dos carrascos LIÇÕES A poesia às vezes da Lições de bonomia Tiro do boné um verso e cobro uma prenda e a tarde permanece intacta sem a minha raiva sem o meu desejo de refazer o passado e esse verso sentido molhando liso as quinas do tempo. AVISO DA MEMÓRIA O aviso da memória é a triste defloração das veias que molham o tempo tempo tempo tempo esse amigo mudo que abriga todas as pretensões Viver vinte anos em um minuto exige calma, e uma pontinha de desgosto Afinal vinte anos não são uma procissão de acertos mas passam, como um minuto. MINHA PROFISSÃO Exercito a minha profissão de fé no verbo profanando o dito. Duvide das afirmações Elas carregam a sua própria falência Quem vem de lá com palavras prontas estilhaça o trapézio que a suspeita engendra suspeito das palavras com uma meticulosa engenharia de dúvidas e elas prosseguem num desfile insólito de non sense EU VIA Eu via quando tudo da calma enfim se perdia que o teu não era a síntese tardia do meu cansaço E o teu colo que sempre me foi negado me parecia agora embarcação distante levando os ecos da sua distração Não venha me dizer amado amigo, que eu sou o equívoco Somos apenas o que sobrou de uma miragem ASPIRO A UMA CERTA DIAFANEIDADE Aspiro a uma certa diafaneidade Invejo a transparência do ar que não se vê e que dá vida a aula da natureza macula A fina linguagem da delicadeza mas prossigo hipótese inverossímel da uma leveza sem nome SOLIDEZ DESNUDA Era a vida de toda a solidez desnuda devastando a quimérica paciência da espera Era o improvável grito de presença emergindo do túnel de passagem Nasceu a criança, frágil como a improbabilidade presente como uma sentença INSÔNIA Reverencio a insônia entrando na noite indefesa As aspas do sonho balbuciam os revezes dessa vigília Nem sempre o desejo é algo mais do que uma insônia bem vivida. LATÊNCIA DE UM MINUTO A latência de um minuto assim despido fere o meu grito calado na hora do açoite Sufoquei o meu sexo em um esgar de mansidão para ouvir o meu amado me chamar de anjo Minha pele clama o afago Anjo liquefeito em mágoa MORTE A morte visita meu desejo em vestes de nudez lirial tão clara, tão mansa proclama o império do silêncio de depois vestindo a ausência Não quero a morte dos pássaros porque significa o fim de um vôo Vou como quem finge partida despetalando permanências em viés de nada. FIBRAS DO VERBO As fibras do verbo tatuam altissonantes ritos de sombra e luz O verbo proclama os exponsais, os batismos, as exéquias corre desnudo nas praças e batiza os senões da memória O claro e o escuro ritualizado em vida e morte dançam nas vértebras do tempo BATO O PÉ Bato o pé no portal das estradas amasso o pergaminho velho das minhas respostas inúteis. Não quero nada além de um alarido de vozes na sala ou de algum recato trespassado de calma A vala dos aflitos permanece nua sentenciando o naufrágio da nau dos sensatos. VIBRAÇÃO DE VERBO Uma vibração de verbo trespassa o limbo de palavras mutantes Em cada quarto um substantivo descansa em calma solene de realeza. Não sei dos verbos e das falas Grito esculpindo no silêncio um esboço de incertezas. Como cataventos as palavras voam, significantes e belas. MÓ QUE MOE O TEMPO A mó que moe o tempo não dá avisos de chegada e cada minuto é nada em suas mãos. Vivi vinte anos como quem cruza esquinas, entre o cheiro da carne crua e a nua viração das horas Mais perto do fim, preanuncio um novo enredo O que poderia ter sido e não fui. O enlevo da minha própria ausência. SUPERFÍCIE DO MEU CANTO A superfície lisa do meu canto se derrama sobre o meu fim Por quem os sinos dobram? Pelo pranto que ninguém ouviu Por quem os hinos choram? por nada Um segundo vale um hino e nada é segredo nos abajures dos quartos Precária intuição do fim inaugura minhas preces desnudas agradeço meu canto meu catre minhas roupas e minha alma nua SAPATO BREGA Um sapato brega me esfola os pés uma roupa nova me aumenta a fé sonho com quem sonha um sonho bem sonhado junto, junto abraço o mundo Os justos hão de sambar um samba de reunião em noite clara de luar Os puros hão de sambar um samba de união em dia limpo de sol. ENIGMÁTICA PRECAUÇÃO Enigmática precaução anuncia o desenredo dos fins Afinal o samba de roda invadiu os corações e faço tudo por um pouco de café e pastel Enfática premonição avisa o fim. AS HORAS As horas desfilam em procissão desaguando em mar de desenredo Meu olhar atira uma linha reta sobre a vastidão da espera Não são os olhos agudos da urgência que balizam a tecitura do grito mas a dolência fria do canto mudo do silêncio VÁRZEAS Não vejo várzeas na solicitude clara dos risos nem abismos no teorema da amargura A cada coisa o seu cuidado, a cada coisa o seu juízo modulando cismas. IRONIA DE ATREVIMENTO Faceira ironia de atrevimento fatal Hoje, desmancho as pétalas do meu riso vendo rendas em gritos despetalando alvíssaras em sombras EXERCÍCIO DO GRITO O exercício do grito tem gradações o grito seco sempre pára como estaca Um grito rouco emudece as manhãs fechando o riso louco das esperas Com as vísceras abertas os obstinados celebram o devir MEU PAI, MEU AGUILHÃO Meu pai, meu aguilhão Não vá por aí, não vá! A linha reta das esquinas desafiando minha coragem Arrisco as procelas na barca da incerteza e vejo. Nem o grito do meu pai me tirou o Juízo vocação indelével para a mansidão Mas grito, o grito manso dos abandonados. PSALMO DAS ESPÉCIES Psalmo das espécies a respiração de ânimo psalmânica regurgita nas avenidas, grita nas esquinas e se acalma nos campos, onde o silêncio arfa tertúlias de gramínias roucas de orvalho AMO A VIDA Amo a vida como quem murmura o balbucio de um beijo. Espero o amado o amigo o confidente, nas entrelinhas da manhã nas fímbrias da noite sempre no avesso das travessias. Calma ardente de viagem com volta. AS MARGENS DO GRITO As margens do grito mapeando rios de avisos avisos de riscos passados, presentes e de riscos porvindouros Sou presságio e profecia em dias de esperança dimensão trágica em cotidiano morno espasmo em águas de calmaria. CANTO REPENTINO O canto repentino do bem-te-vi acende as manhãs acredito no bem-te-vi com quem crê a alegria em doses homeopáticas para cada amargura uma alegria batizando a neutralidade das coisas e paz vencendo muralhas de incerteza. e a cor do dia nem tem a baliza de um matiz. VOCAÇÃO DE ESQUECIMENTO Uma vocação de esquecimento deságua em filigramas de fala Aonde, minha amiga, o crime de tomar calmantes? Na anestesia dos sentidos que deve ser vivida, Penso em Cecília e na sua paz, desaqueço essa tristeza aguda que me consome e me entrego a um pacto fatal com a vida. E as tulipas, as damas da noite na praça? Abissais quimeras de prazer. RISO DA MANSIDÃO É simples o riso da mansidão As vezes custa o vômito engolido mas traduz a paz da consciência Traduzo o meu escárnio nesse riso Aos muito brutos o meu ofertório de silêncio PAZ DA AUSÊNCIA Adormeço a paz da ausência aliciando incógnitas os jardins do entendimento perfumam tardes silenciosas em bocejos nus A ausência é um longo sono sem nome Sereno como papagaios ao vento. INVENTO VÁRZEAS Invento várzeas no instante do grito Um passeio solitário pelas veias do absurdo me renova Quem vê quimeras em grãos de ervilhas merece o reino dos céus. Eterna monja da incógnita que sempre serei RUMOR DOS ACONTECIMENTOS Não vivo o rumor dos acontecimentos e nem pastorinhas me comovem Sacrifico meu sorriso no altar dos deuses se eles me disserem prá quê existo senão prá louvar qualquer grito e prefigurar a indefinição dos rumos Rios ásperos de uma indefinida consumação banham o coração selvagem dos meus dias Rios plácidos de uma consumação sem batismo consomem o olhar feroz dos meus ritos AMANHECE O CLAMOR Amanhece o clamor do meu grito num dia de calma sutil circunstância de tensão e drama, ação e prolongada viagem sobre a voragem do amor Mas não é do meu grito que se faz matérica concreção dos rumos da alma e nem do meu drama o messiânico olor das calmas águas dos rios e assim, não grito, canto, os passos geométricos dos passantes nas ruas, dançando vidas em paralelepípedos nus. PAZ FLUTUA A paz flutua entre ninhos de pássaros sem plumagem abençoando a fragilidade O canhão e a flor se equivalem num momento de silêncio Penso a paz como quem constrói ninhos e sei, esse enigma será decifrado. A paz adormece em um menino nu, nas ruas, pedindo esmola. A humildade do gesto clama a mansidão do pedido Gemido terno de eterna fuga pedindo passagem. TOM DE UM VERSO Não é só o tom de um verso o que me acalenta Também o som das manhãs me beijam os cernes leves marcas de iluminada presença chegando céleres no grito dos pássaros, nos passos dos meninos. Não é só o gemido manso da noite o que me adormece, mas também as velhas litanias das avós, refazendo memórias em falas brandas AMANHÃ Amanhã cumprirei o desígnio de cortejar exéquias Hoje não Hoje quero a manhã intacta sem fuligens industriais ou o beijo sujo da fumaça dos ônibus Hoje, quero o dia inteiro, sem o gemido dos mendigos ou o grito dos camelôs Hoje, quero a inocência da alegria uma litania nordestina um fado Amanhã, somente amanhã, cumprirei o destino de me lembrar que tenho fim Hoje, só o sol me cumprimenta. DEVER DA GENTILEZA Descumprirei o dever da gentileza em nome do meu grito grito o clamor da fome o desmaio de mendigo a nudez dos meninos nas praças toda a graça reside no legítimo gemido dos velhos, no choro da criança nas ruas Descumprirei o dever da paz em nome das vísceras expostas, em nome do que não tem nome, do corpo nu na estrada. De quantas cruzes sairão a minha voz não sei, mas hoje, não, não cumprirei o protocolo, nem as exigências da minha mansidão. CONSTRUÍ UMA FALA Construí uma fala enfeitada de siso e em cada tijolo bordei avisos de manhã brindei meus inimigos com o sopro de um beijo FALO BAIXO Eu falo baixo porque meu grito é longo e não tem voz Não me basta um som no ar quero crestar a trama dos ímpios e banhar a mudez dos aflitos Meu grito vem de longe onde as vísceras têm cicatriz e o dia corre horrorizado nas avenidas nuas Meu grito fugiu à mordaça dos sábios sempre empunhada em punhal emudecendo os inocentes VAZIO DE VÉSPERAS Um vazio de vésperas me inunda Ontem, nem o mendigo de sempre me visitou A manhã enalteceu a inalterada face muda do silêncio Ontem, nem o pio do bem-te-vi batizou minha pele Ontem, o endereço do passado banhou minha medula Beijou minha face nua DOCES RUAS NUAS Doces ruas nuas da minha infância, o louco das esquinas o bêbado o homem do algodão doce o beiju. Que pode o ódio contra as ruas da infância? Pouco ou nada que o tempo tem nome e o passado brinca no limbo da memória BEIJO DO LIMBO O beijo do limbo extravia a face limpa do tempo Tempo de entre-lugar entre-tempo onde nenhuma designação das horas anuncia a manhã O sol, desornada face da luz não banha o limbo das manhãs inacreditáveis manhãs silenciosas do domingo ESCRITA NUA Escolhi a minha escrita nua porque me desvesti de uma nudez limpa, banhada de silêncio Escondi a minha fala crua para não escandalizar na assembléia dos sábios. Hoje, estrangeira entre iguais, atesto meu grito de mansidão na corte dos bobos, declarada face de uma desculpa sem nome. Não vi o bonde mas canto a passagem RISCANDO O AR Riscando o ar da água a chuva desafina a vocação de sol Boa, dadivosa como uma pausa cristal de água filtrando a luz Tomara fosse de todas as chuvas a passagem para o spleen da paz Cai, deflorando o ofertório de secura que o calor inaugura cai, oferecendo flor e semente no olor da tarde. SEDA GELATINOSA Seda gelatinosa tua permanência no meu verso Não desmascara tua presença auguriando o fim de um amor vão vou, por aí em doces e ásperos caminhos sem ti sem mim sem nenhuma intuição de alguém na minha orgia de nada. AUGÚRIO DOS COMEÇOS Batizo o augúrio dos começos alisando as arestas do fim pré-anunciado Percorro o silêncio das salas como quem proclama sentenças Nada me demove da minha vocação para o fim Nem beijo Nem cheiro do mato só o matiz do tempo desenfibrando o meu sim. BATISMO DAS VÍSCERAS Proclamo o batismo das vísceras desentranhando o grito nu das crianças nas ruas O avesso da bem aventurança declama o anúncio dos fins nesse grito O avesso desencova os mortos nas avenidas. Um dedo sangra em cima do balcão dos tecidos bem nascidos, os que vão morrer vos saúdam. ARQUITETURA DE AVISOS Fiz dos meus dias uma arquitetura de avisos Bailei sobre os meus presságios ágeis mensagens sobre o olor dos acontecimentos Momentos de alegria e de dor batizaram meus risos Sou o eco de uma espera. VERBO SECO Um verbo seco desentranha minha fala Vi a bela mensagem dos avessos maculando a limpidez das salas fecundo grito de esquecidas valas O resto do esquecimento me visitou a memória Sonho, canto e acaricio o delírio que não entrou na história. ERRÂNCIA SEM COR Uma errância sem cor encanece meus dias Lia os jornais como quem devora ruas de um sono letárgico Batizava luas de lugares sem nome Hoje, ignoro os gritos do passado Bailo crua sobre o branco dos cabelos eu, nua AMANHEÇO ABSORTA Amanheço absorta pura definição e meio morta Clareza e indecisão soltam fagulhas em minha matéria inerte Inerme, beijo minha solidão Os carros passam na rua, crianças gritam E eu, clareza e indecisão na minha alma sem porta ENTRE UM POEMA E O SILÊNCIO O instante entre um poema e o silêncio é a nudez das feras Um tigre baila solto entre os meus versos e sangra a beleza toda neste instante de dor O verso e o escárnio se equivalem quando a dor fere os seus cernes Como pluma, o tigre como sangue, a palavra. ECOS DE MIM Quero enganar os ecos de mim Ir aonde eu não vou separar-me do que sou Quero ir prá longe de mim aonde não alcançam os vôos da minha insensatez Adejar a memória do que fui e dizer adeus Quero ir prá longe do que eu amei beijando a sombra do que fui. INENARRÁVEL AUSÊNCIA A inenarrável ausência do fim consome meus dias Não tenho presença nos términos da existência nem voz nas salas Estou, sem fim, balbuciando beijos à minha passagem e ninguém vê Babujo a vida com a minha espera sem nome. INCÓGNITAS Sempre enganei as incógnitas aspergindo pó na incerteza Vejo o ângulo torto dos espelhos onde ninguém vê nada Cada palavra um batismo Cada vírgula uma sentença ferindo exatamente essa minha sede abissal de nada LEDOS DIAS Ledos dias enganando feras Mansos dias exercitando o vão ofício de ludibriar meus carrascos todos, em fila diante do meu horror escondidos nas quinas do vento, na viragem das esquinas Faço com eles um trato: entrego-lhes o meu fim e realizo minhas delícias CORRE DESNUDO O dia corre desnudo como quem batiza travessias alisando o silêncio A tarde, tecendo os sons da rua, parece uma trama de ruídos nus. Vejo a tarde como quem vê as rendas de um enxoval, com seus pregões seus mendigos suas crianças enxoval de homens adernando minha indecisão. O DIA NU O dia nu escorre cru sobre o lençol da tarde A noite nua baila, escoa sob o céu liso A tarde dança sob o sol TEMPO O tempo visceja em dias de prodigalidade A cidade, mortal combatente de dias infindos, de noites viscerais, soluça um gemido de leoa ferida. Não vejo o fim, vejo o grito, o clamor do pregão soterrando homens, e danço, faceira sob o olor das tardes O fim não vale o meu preço. O VIÉS DO NADA O viés do nada e a fluência das horas balança os cernes da incerteza Tudo flui nas entrelinhas do tempo Entre o tempo e o nada a civilização dança seus gritos. soluço de lasciva demonstração de um clamor difuso Prossigo, indefinido teorema de silêncio. O AR O ar soluça o balanço das chuvas gritos, tumbas vivas de homens e crianças, os poderes públicos imberbes intempérie e água Os poderes públicos feéricos, anunciam os salários dos deputados e a cidade morre. AS PORTAS CLAMAM As portas clamam o destino de permanecerem fechadas, pétrea simulação de um mundo-mudo. Busco o portal do silêncio encontro gritos atrás dos muros. A cidadela intocada e os gritos em volta. A inércia tece musgos dentro dela. E os homens morrem, nas portas dos hospitais, fechadas. FACE MUDA Enredei o dia em minha face muda, trancei os pingos da chuva e percorri incógnita as estradas. Hoje, me delicio nas esquinas onde se descortinam todos os ângulos, espero, simulo, teço a tessitura do meu grito e me banho de sol. TANGO ARGENTINO Não posso dançar um tango argentino Não tenho pés dançantes Meu corpo pisa o chão como quem sabe do solo as asperezas Desvirgino a delicadeza com rudes maquinações beijo a face do pó como quem desmascara quimeras Sou barro e olor de terra em tempo de viragem Quem ri o suor das horas tem as garras do tempo na mão. BAILADO DA PAIXÃO O bailado da paixão me penetra poros adentro Penso as horas como quem tira suor das vértebras Estranho o verbo a insólita inexatidão da palavra A paixão não cabe nela consumação da impossível sutiliza do ser RUAS NÃO VALEM O PÓ As ruas não valem o pó que me transpira a face banais carnais balançam o vidro dos minutos em tempo acelerado As esquinas passam num segundo, a cada ponto um novo ângulo de vista Batizo as ruas com meu sorriso estrangeiro e bailo, um bailado mudo de vivente nua. VIVÊNCIA CRUA A vivência crua do silêncio me batiza os cernes. Sou carne temporã em festas antigas Do batismo tiro as regalias do nome, o que me sobrou por morada Não vejo luz no sol sempre que abro a janela antes, pressauguro o grito da noite e danço um samba rascante SUOR DA FACE Vejamos, quem sabe do suor a face não morre pagão, O batismo do suor lava, declara passagens de peso e gravidade, o suor do corpo lavando as mãos. Convenhamos, quem já suou sobre o pão tem a alma alada dos anjos mas sem a aragem dos pássaros, não. DESCONFORTO De todo desconforto quero tirar uma ode Fazer do odre seco da amargura um hino e dançar uma polca nua no viaduto do chá De todo o desgosto da vida quero tirar uma fatia Fazer tripas do meu coração cansado e seguir com um blue etílico nas veias. GLÂNDULAS DO SILÊNCIO As glândulas do silêncio defloram os caminhos da voz Em tudo há a quietude de uma mansidão sem nome Meu coração assinalado pela loucura acaricia as vagas dos insensatos com um sorriso calmo Estou aqui, como antes pronta e sem ninguém NOSSA SENHORA Minha Nossa Senhora, senhora de todos nós precisamos do aconchego das horas e dos filhos ao redor precisamos do homem amado do amado amante que em um momento mudo nos coloca ao colo eis tudo DEUS Deus, eu não sou nada e sou tudo massa em mão de moleiro anônimo não sou Juízo ou ausência em balanço de começo e de fins. Sou improviso do acaso jogada ao chão Meu silêncio chora mansamente a síntese do barro Do nó górdico a quimérica face entrego minha carne à feérica trituração dos deuses elegendo o grito estertórico de Prometeu. Não renuncio ao meu lugar de carne, carcaça, ventre em descanso à espera de vida e batizo de peito nu a minha ausência no dia do meu fim. SAUDADE DE MINHA IRMÃ Saudade de minha irmã, de mim, de tudo que ela é e que eu não sou eu que mergulhei no vento e me absorvi no pó da terra, que andei embriagada com ela nas praças e fui tão árvore quanto qualquer árvore nos parques e estou só. FALAR DE AMOR Hoje e sempre eu quero falar de amor amor timbrado de margens maculado pela dor do silêncio amor carne amor espírito amor sentença Hoje eu quero falar do amor marcado pela sombra de um grito eviscerado de ternura e prazer amor condescendência amor indecente amor de irmão amor de filha e neste momento, humildemente, digo a você que me lê que te amo, como amo meu pai, minha mãe e meus irmãos, como amo o sol a incógnita de tudo o que se chama amor o impossível de amar como amo os homens e as mulheres Meu coração, uma barca abissal de amor. AMAR Amar em largos ou mínimos gestos de paciência o desvelo da (im) possível convivência, eis a ponte entre tudo que ama, gemendo ou sorrindo a face mesma de sentir. Amar em passos mínimos ou largos o caminho do amor, sentindo na carne a força de uma escolha sem retorno. Amar o que odeia, o que geme, o que ri, o que sangra Sangue do amor que se faz carne e espírito Difícil equivalência entre trapézio e sentimento Amar mesmo quando não se tem o que amar A difícil arte apreendida em semente. Í N D I C E ENIGMA DE PAZ .................................................................................................. 1 EXCELÊNCIA DO SONO ..................................................................................... 2 LIRISMO SEM COR ............................................................................................. 3 AS UVAS ............................................................................................................. 4 LIÇÕES ................................................................................................................ 5 AVISO DA MEMÓRIA .......................................................................................... 6 MINHA PROFISSÃO ............................................................................................ 7 EU VIA ................................................................................................................. 8 ASPIRO A UMA CERTA DIAFANEIDADE .......................................................... 9 SOLIDEZ DESNUDA ........................................................................................... 10 INSÔNIA .............................................................................................................. 11 LATÊNCIA DE UM MINUTO ................................................................................ 12 MORTE ................................................................................................................ 13 FIBRAS DO VERBO ............................................................................................ 14 BATO O PÉ ......................................................................................................... 15 VIBRAÇÃO DE VERBO ...................................................................................... 16 MÓ QUE MOE O TEMPO ................................................................................... 17 SUPERFÍCIE DO MEU CANTO ......................................................................... 18 SAPATO BREGA ................................................................................................ 19 ENIGMÁTICA PRECAUÇÃO .............................................................................. 20 AS HORAS .......................................................................................................... 21 VÁRZEAS ........................................................................................................... 22 IRONIA DE ATREVIMENTO .............................................................................. 23 EXERCÍCIO DO GRITO ..................................................................................... 24 MEU PAI, MEU AGUILHÃO ............................................................................... 25 PSALMO DAS ESPÉCIES ................................................................................. 26 AMO A VIDA ...................................................................................................... 27 AS MARGENS DO GRITO ................................................................................ 28 CANTO REPENTINO ........................................................................................ 29 VOCAÇÃO DE ESQUECIMENTO .................................................................... 30 RISO DA MANSIDÃO ....................................................................................... 31 PAZ DA AUSÊNCIA ......................................................................................... 32 INVENTO VÁRZEAS ......................................................................................... 33 RUMOR DOS ACONTECIMENTOS ................................................................. 34 AMANHECE O CLAMOR .................................................................................. 35 PAZ FLUTUA ..................................................................................................... 36 TOM DE UM VERSO ......................................................................................... 37 AMANHÃ ............................................................................................................ 38 DEVER DA GENTILEZA .................................................................................... 39 CONSTRUÍ UMA FALA ...................................................................................... 40 FALO BAIXO ...................................................................................................... 41 VAZIO DE VÉSPERAS ...................................................................................... 42 DOCES RUAS NUAS ......................................................................................... 43 BEIJO DO LIMBO ............................................................................................... 44 ESCRITA NUA .................................................................................................... 45 RISCANDO O AR ............................................................................................... 46 SEDA GELATINOSA .......................................................................................... 47 AUGÚRIO DOS COMEÇOS ............................................................................... 48 BATISMO DAS VÍSCERAS ................................................................................ 49 ARQUITETURA DE AVISOS ............................................................................. 50 VERBO SECO ................................................................................................... 51 ERRÂNCIA SEM COR ...................................................................................... 52 AMANHEÇO ABSORTA .................................................................................... 53 ENTRE UM POEMA E O SILÊNCIO ................................................................. 54 ECOS DE MIM ................................................................................................... 55 INENARRÁVEL AUSÊNCIA .............................................................................. 56 INCÓGNITAS .................................................................................................... 57 LEDOS DIAS ..................................................................................................... 58 CORRE DESNUDO ........................................................................................... 59 O DIA NU ........................................................................................................... 60 TEMPO .............................................................................................................. 61 O VIÉS DO NADA ............................................................................................. 62 O AR ................................................................................................................. 63 AS PORTAS CLAMAM ..................................................................................... 64 FACE MUDA .................................................................................................... 65 TANGO ARGENTINO ....................................................................................... 66 BAILADO DA PAIXÃO ...................................................................................... 67 RUAS NÃO VALEM O PÓ ................................................................................ 68 VIVÊNCIA CRUA .............................................................................................. 69 SUOR DA FACE ............................................................................................... 70 DESCONFORTO .............................................................................................. 71 GLÂNDULAS DO SILÊNCIO ............................................................................ 72 NOSSA SENHORA ........................................................................................... 73 DEUS ................................................................................................................ 74 SAUDADE DE MINHA IRMÃ ............................................................................ 75 FALAR DE AMOR ............................................................................................. 76 AMAR ................................................................................................................ 77

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