sexta-feira, 22 de março de 2013

Cantos de Um Amor Tanto Esperado

CANTOS DE UM AMOR TANTO ESPERADO Helenice Maria Reis Rocha CANTO I De onde vararam mil facas brotaram flores fazendo meu amor fiel como um quebranto e desse pranto que ora gemo descem lágrimas para adoçar o sal dos meus carrascos Maria, mil vezes Maria fui às ruas, nua como criança em dia de comunhão no fervor das lutas gritei palavras de ordem. Hoje, do meu coração nascem cravos. Sou só como Antônio Nobre Queria ser bela fazer brotar o carmim dos lábios Mas a vida me quis séria Vejo o brilho da poeira ao sol e amo, lancinada de dor. CANTO II Meu corpo floresce do estrume das horas e esse amor plantado de raízes escorre entre a brutalidade das mãos duras do amante grosseiro triste guerreiro de horas amargas, Hei de sobreviver atávica, como sentença no sentido das minhas palavras. CANTO III Aonde o amor tanto esperado que me vêm tão áspero e sem preparo tão desengano e desarraigado Entre bestas-feras, me arrasto Sangraram-me as asas Negaram-me repasto Onde o amor tão alvissarado que leva as minhas carnes nos dentes e me esmaga. CANTO IV Raios de água hão de florir este sentimento sem nome, tão doce sem voz, tão fundo tão árvore raios de faca hão de ferir este alento tão sério, até manso como as palavras de Lobo Antunes como censura de mãe como maldade de tia. CANTO V Queria o bailado do tempo e recolho a aspereza das vésperas meu amado não me quer meu amigo me escuta calado O vento devassa as entranhas desse outro lado do mundo onde o príncipe se bandeou em carniça. Esse outro lado tão fundo que nem a coragem atravessa por prudência ou por degredo Lugar tão contrabandeado que todos os avessos rejeitam. CANTO VI As linhas do papel cruzam rios de um cismar de todo antigo que vem vindo um pouco sem juízo no dorso de algum corcel louco É quando se prefere o avesso ao já sabido quando a carne pede devoração e o pensamento perde concerto Nestas trincheiras os amantes se perdem e os proscritos se amam como antes ao relento, ao sol, nos porões. CANTO VII Fabulo os seus dedos mansos no meu ventre inerme Calculo os seus flancos leves sobre a minha pele Quem é você, rosto no ar que virá pra desolar a minha paz tão plácida atravessar os meus desertos tantos que nem sei quem és? CANTO VIII Atravesso a paisagem do teu corpo como quem vara fios de cristal Cada músculo se ergue abstrato nesse enérgico retezar de mil arcos. Quem é você que não te toco e que me tocas na solitária oscilação das horas? A solidão do meu corpo busca esse outro que de tão outro se desfaz. Perfilo as margens do teu dorso e não me vejo. Não sou músculos ou se quer Desejo. Nem sou bela. CANTO IX As vísceras desse amor estão na avenida fecundando o asfalto florindo o cimento cru De tanto que se deu virou ferida Devoração Sangue jorrando em constelações de lágrimas Húmus, terra, adubo chão. CANTO X Os passos do silêncio tatuam essa paisagem de afeto mudo murmuram segredos de antigas passagens Vida vivida a sós enfim divido com minha irmã minhas miragens Dia tão sonhado Chegou sou feliz. CANTO XI A diáspora do desejo se faz presente Espero o longe, o que não veio nem vem Meu olhar voa sobre a linha do horizonte Um poema vale uma vida muitos, então nem se fala Sou a cozinheira da palavra. CANTO XII Amor regalado de ensejos esse que anuncia o amante que virá A raiz do mar é o desejo conteúdo e continente sentinela do prazer regalado arrebatamento de espelhos onde os muito carentes se miram. CANTO XIII Meu amor geme como cadáver insepulto porque foi morto antes da hora por palavras impiedosas por vilipêndio e devoração Meu amor nasce do seio das pedras banhado de estrelas renascido como os cantos que ninguém silenciou E vem intimorato cheio de veias de aparatos mais forte do que mil velas acesas. mais forte do que mil despachos. CANTO XIV Riscos de cetim tatuam meu corpo com requintes de delicadeza A beleza do vestido não esconde a face do tempo as carnes flácidas a flacidez do rosto Ainda sonho um amor acanhado capricho da delicadeza em doses de cassis Assim calada espero esse amor tão adiado. CANTO XV Um rosto mapeado de memórias contempla o olor do mundo barulho sem som no trapézio de um tempo, calado um rosto cheio de rios sorrindo triste para o mofo das horas curvado sobre a cruz dos ombros como quem sorri ou chora, fala, abrindo em túnel o vento de uma boca que desvenda a secreta fabulação dos dias Esse amor tão esperado virá como sentença um dia. CANTO XVI Meu corpo só, como um rochedo aguarda um redemoinho para devastá-lo, e jogá-lo ao chão deixando recôncavos de carícias Ilhas e baías de prazer Quem virá como devastação para explorar o que resta de recato? Bailo as mãos sobre esse corpo, como quem busca surpresas Encontro tão somente a equação solene de uma dimensão selvagem. CANTO XVII Gigante de crepom no coração de um sentimento terno aquele homem de além mar misturou minhas incógnitas alinhavou os fios de uma emoção clandestina e me quis fria, como a tragédia De cavaleiro errante em besta fera magoou toda a minha alegria de mim Quem virá pra me achar bela? Quem me fará continente do amor? Será um trapezista? Um homem sério? Alguém virá, talvez de um outro mar, talvez mais belo num outro tempo menos fero. CANTO XVIII As claves de sol caem sobre minhas esperas Uma ciranda de sons dança chovendo leve sobre matiz de velas Tão difícil esse alento sonhado que vem em forma de palavras. cheias da paciência das feras Essa música que vem de longe na voz do homem de além mar me paralisa como olhar de cobra e me doma Ele fala em clave de sol o sentido da minha sorte como quem seduz as mulheres amantes e as mulheres sábias como quem seduz tudo o que é anima tudo o que fala. CANTO XIX Com a face crestada por desertos caminho entre sentenças e lábios despedaçando meu ofertório num mar de cismas Quero o homem d’além mar ele me assusta Faço florir as feridas desse meu espírito solerte Eu, mulher, transformo ofensas, em pétalas Meu coração, um lençol de acrobacias Meu amor, a sua porta. CANTO XX Uma linha pode ser um rio como um rio é uma rua molhada Uma rua pode ser um fio dependendo de onde se olha A dança dos rios e das ruas batizam o silêncio das cidades Esse amor tanto esperado atravessa anônimo as avenidas sem nome sem nenhum recado alvissarando risos e falas Como um rio atravessa a cidade Como uma rua se faz vala. CANTO XXI Os gritos das crianças respingam nos quintais e um sentido ausente se faz valer Amor de tia também tem preço quando é consumido pelas horas Aonde o convidado tão importante que nem veio à festa? Ou o antigo namorado que não escreveu? Nas curvas da lembrança em algum desvão de estiada esse amor tanto esperado valeu dias de desenredo Hoje se faz presente se faz tia. CANTO XXII Amo você como quem bebe chocolate quente em tarde fria as minhas ânsias vadias todas atualizadas esse amor bailando o rumor das águas no torvelinho das vagas sobrevive, proscrito amo você como quem sevicia um menino cheio de caprichos, cheio de vícios Espero que você acorde um dia em meus braços indefeso, vazio e me olhe assustado e grite comigo. CANTO XXIII Lua clara navegando em mar de céu um amor preclaro anuncia o seu valor assustando a violência das vagas desolando a violência das marés. Esse amor, declaro subiu de abismos absurdos. viajou túneis de solidão. Hoje sobrevive mudo às inclemências dos turbilhões. CANTO XXIV Engendro enigmas como quem tece uma página de arabescos bailando as rendas tecendo os pontos desse amor vadio Onde os passos do amado longe ponte de cruezas e amavios? O sal das cinzas batiza esse amor que no entanto ainda cresce como limbo como erva me enredando em sua teia nua. CANTO XXV Essa ausência no meu corpo esculpe vãos minhas na carne ferindo as trilhas da minha pele só. Filha das esperas fabulo o afago solene do amor que virá Que seja doce ou fero virá devassar os meus degredos e arrasar em dedos a minha geografia Virá como ladrão ou cordeiro para ferir os meus flancos virá me roubar os anos. enganando a minha astúcia a minha lógica vã. CANTO XXVI Como unhas de vinagre um sentido amargo fecunda o coração dos sentidos Alaridos longe atravessam antigos recados Do amor quem sabe a face? É todo mãos ou todo facas? A dor de sentir avassala e às vezes resgata fecundando abismos atualizando falas. CANTO XXVII A carne aberta em flores espero o antes se faz hoje na litania das pedras duras mulheres, nada sabem do amor me torturam nas vozes das santas e das feras Com a carne alerta espero amores que um dia virão meu corpo, um abismo de esperas. CANTO XXVIII Panelas de duendes cozinham sentimentos leves feitiço de virgens suspiros de fadas Passos breves fecundam o forte olor da terra flores de anil abrandando feras. CANTO XXIX Peixes de vidro serpenteando as águas do desejo mostram o engano desse desenredo e se quebram no mar Tão delicado que se quebra o tal amor tão decantado filtrado pela peneira do dia se acaba como peixes que se quebram no mar. CANTO XXX O canto do tempo perpassa rituais retumba e volta indefeso sem garras ao lugar da origem O tempo do amor se faz desenredo retorno de travessias trama de verbo transverso medo Ai! Que saudade desse homem arrevesado que morde pelos contrários anjo entortado no laço por alguém mais forte de que eu selvagem menino cruel e belo. CANTO XXXI Os olhos do fogo devassam minha carne florescendo sentidos Uma litania de gemidos me consome São pedidos, são convites Loba em desvario arranco fagulhas da pele e arremesso tocando a espinha dorsal da medula Toda a ternura se esconde no olhar daquele menino médico o homem do além mar Quer ser duro e é terno Não conhece a minha fúria mas se esconde do meu desejo. CANTO XXXII Como anéis perpassando facas um amor enérgico se atavia atalhando carícias duras retalhando mágoas. Como fiéis lacaios do desejo os homens distribuem seus beijos entre as mulheres da cidade Como feras atravessando valas um amor assético se insinua demonstrando a rapidez da bala denunciando a virgindade crua. CANTO XXXIII O aço das minhas asas se perdeu em um labirinto de amores Tensão de abismos testando o vôo minha carne se dissolveu em seivas parindo enredos nutrindo carícias Minhas veias se tornaram rios ferindo veios salvando pássaros Os meus passos se tornaram lentos mapeando o chão desenhando riscos. Um carnaval de estrelas adoçou meus risos O anjo em mim se desfaz. CANTO XXXIV As flores da minha carne descansam em mim Ninguém me disse do amor ou da carícia Como estátua de textura lassa me ergo Só, como uma taça levanto os braços e faço um brinde Aos muito sós, as palavras. CANTO XXXV Livros são favas que recontam memórias Dos amores, a síntese Dos louvores, a graça O balé das palavras fecunda o olor das páginas deflorando sentidos Devorando tempos e espaços a trama do verso se faz alerta A fabulação dos amores se faz presente Como um rio de carícias lentas. CANTO XXXVI A barca da noite, singra bailando o silêncio A arca da noite, dança batizando o tempo Como nave louca balança em águas de mar liso guardando cataventos de desejos escondendo um carrossel de medos O sorriso da noite se esconde nas dobras da manhã. CANTO XXXVII Como um jarro vazio minha fabulação caminha entrando nos desvãos do verbo assinalando os porões dos sentidos A engenharia da fala a si mesma se proscreve quando não diz ou cala A palavra, cicatriz da página batiza estes senões, estas esperas. CANTO XXXVIII A voz das entranhas canta um chamado antigo de começo longe anunciados Gemidos de filhotes queimam as barbáries dos homens De onde vem esse estranho amor que me consome se ninguém me ama ou me quer? Sentimento sem nome, talvez. Estranha designação dos que não se sabem. Meus ouvidos longe ouvem do mundo os velhos sinais Guerras Fome Um novo holocausto se faz presente E esse amor, crescendo Tão solenemente Como um samurai. CANTO XXXIX Os carneiros do tempo cobrem covas de homens e animais Cobrem as novas notícias e os velhos chamados das devorações soterrando risos, rituais Corcovos de vôos antigos batem nos vidros das janelas. crestando as faces dos homens mapeando velhos mitos amarrotando o real. CANTO XL Raízes de ventania sulcam o útero do tempo plantando as sementes da América Na terra, sangue indígena ecoa Soam longínquos ecos. Rios de gritos fazem coro E esse meu soluço parado na garganta. Tempestades de grito ecoam soterrados por um silêncio estranho Na Tumba-silêncio do século. CANTO XLI As cicatrizes da terra sangram mãos de camponeses que adubam os campos Varizes de poeira defloram o grito dos subterrâneos. onde jazem camponeses aflitos semi-vivos, numa cova-viva deserta de homens. povoada de fantasmas orgânicos se dissolvendo entre sal e chão Massa de carne humana florindo as veias das estradas sulcando caminhos. CANTO XLII Carne de papel rasgada em vento Atravessada por fios de um tempo parado a frágil equação dos sentidos ruiu em mim. perdeu viagem, galopando ausências transformando pedra e barro em geometria do nada corpo e mão em esquecidas esperas. Do armor a sentença ansiada espero lentamente as doses homeopáticas. O que vem de longe me comove O que vem de perto me arrasa. CANTO XLIII As máscaras do tempo crestaram as arestas desse amor antes esperado Hoje de tão longe um leve aceno do que foi antes pura voragem Não quero as mãos duras do Homem pétreo Nem a penetração que é punhalada. Quero, antes, o mel da viragem E da esperança, uma brisa. CANTO XLIV O batismo da terra adormeceu as crianças acordou os Lavradores enterneceu os homens e as mulheres. Os nomes que a cada coisa foram dados engendraram a história iluminaram as falas. O batismo da terra acordou o tempo. CANTO XLV Os dedos longos da saudade invadem meu corpo Fabulo carícias e acordo sozinha enclausurada pela geometria do quarto O homem de além mar nem sabe desta solidão Ouço a sua voz e vôo, para além do Atlântico para um colo imaginário. CANTO XLVI Estou só como uma vela apagada unidade exata da solidão Não escolho as minhas horas nem elejo os meus vícios Sou tão somente o resto da equação do amor o lado escuro da incógnita a pergunta sem resposta um dia sem cor. CANTO XLVII Palavras de metal cortando os cernes do verbo soam brancas e sonâmbulas nas frestas da minha saudade Nem sei se ouvi ou se entendi Mais um não. Para além dos meus sustos a vida, alerta. sentença de barro e pó invade como quem corta vento ou desata nós. Palavras de letal alento para quem sabe os nãos e as asperezas valem menos que metal frio menos que nada. Meu amado não me quer mais Seu frio amor já não me sabe. CANTO XLVIII A fabulação dos dias murmura sobre a mesa posta ciciando o repasto das horas atravessando a massa do pão Dias são dias, nada mais. Ou quem sabe são também o alarido dos pardais a incerteza dos homens um apito de trem ao longe. a espera ... Não sei dos dias ou das horas, mas as horas e os dias me sabem como quem fabula incertezas e deplora. CANTO XLIX Brinco sem ornato a tristeza cavalga arestas e cinzela os vãos do meu pensamento Do amor a esperas levando os retalhos das horas fabulando as frestas do minutos. Sorriso sem som esta tristeza imensa atravessa os olhos compridos dessas horas paradas Triturando os filtros dessa antiga espera. Ainda sonho o amor não vindo. CANTO L Labirintos de memória assinalam as estradas cruas por onde passei entre sangue e mãos Sou a síntese do barro do pó a quimérica face sei do homem que geme na última hora e amo as mulheres e as crianças. CANTO LI Uma rua de vidro me chama com seus brilhos ao sol Carne transparente em matéria de água e sal essa rua conclama a um tipo de devoção Vida vista através Caminhos de margens Essa rua me encanta Como dias de nuvens ou as palavras e seus sons. Cidades imaginárias perpassam meus sentidos e me levam. CANTO LII Perdida em um mar de verbo navego sem bússola ou embarcação Palavras naufragam solenemente ou afrontam as vagas, sem direção Perdida em um mar de versos divago sem rumo Multidão de peixes sem rede Uma infinidade de sentidos se faz, por si e em si se resolve revolvendo minhas indecisões. CANTO LIII Arcos de espelhos voam sobre as imagens nuas de um amor sempre adiado dobrando sentenças mirando incertezas. Numa imagem multiface de musgos dança esse amor que pega a laço como hera em parede crua Sobre um mar de asperezas caminho Espero um amor que não virá Irei a ele como um passarinho em dia de viragem. CANTO LIV Dizer não canta, soa captura de uma voz sempre adiada Os espinhos da palavra germinam Os fios da fala não se calam A palavra fere ou acaricia Solerte equação do verbo Essa voz viaja um longo vôo pelas esquinas do silêncio e dos discursos. Antiga litania de gritos ou murmúrios a geografia desse verbo fere espaços sangra e escoa. CANTO LV Amar o tempo como quem viola ninhos ferindo suas fibras desfazendo suas tramas Essa a ironia de quem ama esperar o momento, a hora certa da carícia anunciada como quem espera um pedaço de pão. Do Pai, a bofetada Do amado a distância Do espírito, a ausência No corpo, a cicatriz Quem ama, viola ninhos ou tramas Da face avara do amor o abandono. CANTO LVI O estrangeiro que eu tanto amei fez mapas no meu corpo viajou por suas trilhas com pés de barro e mãos duras arrancando seus tesouros e violentandos seus flancos Fez veias no meu tempo devastando os rios da minha pele minhas preguiças. Este estrangeiro me deixou exangue Sem nome Sem lembranças Hoje sou os traços da sua presença me esmagando o ventre. CANTO LVII Um cheiro de café invade a sala resvala e escorrega pelos veios do tempo um tempo de matizes e de crianças, com um sol preclaro batizando a rua nua e invadindo as salas. Quisera a designação do tempo com anúncio de nomes e esperas me declarando apta e bela. CANTO LVIII A espinha dorsal da procela é essa ausência de mar que mata as nossas ânsias secretas as nossas discretas fabulações Aos navegantes a vastidão da espera O tempo das miragens passou Aos náufragos, a saudade A antiga epifania das vontades de um tempo que perpassa atento náufragos e navegantes protagonistas de uma viagem muda que não disse o nome das águas Apenas velejou. CANTO LIX Pingos de fala caem na tarde Aqui e ali um assobio Cães latem sons agônicos Um fim preanunciado se insinua Quem há de correr até o fim da rua p’rá saber de onde veio o tiro incerto? O homem nu, na cidade corre porque não se cala sabendo aos abismos das trincheiras aos veios das valas morre, também quando se cala sabendo de cor os caminhos das palavras. CANTO LX Ancestral como a face da memória o amor erradio perpassa tempos e não toca nada se evadindo dos portos e das paradas invadindo a porta da noite. Como ave de vôo incerto passa por cima das moradas baila entre os homens possuindo a todos sem possuir nada. amor de viragem dança das vagas. CANTO LXI Aliso o verbo e me acalmo Como pedra em descanso debaixo do sol Quem sabe a face dos sentidos se cala acaricia as palavras e canta a plumagem das falas desfilando oceano de verbo em dias de canção. CANTO LXII Vejo através das areias que engendraram os teus escombros a face dos que se perderam no teu verbo o grito dos que se calaram com os teus remédios a apatia dos que sofreram com os teus choques nos corredores dos hospitais Vejo as lâminas das tuas palavras perpassando mulheres cruas fixando o chão em feridas nuas de onde nascerão as flores germinadas pelos humildes da terra. CANTO LXIII O toque da pedra faz aço o poema transmutando palavra em trama tecendo o viço das denominações A relva aponta para o céu assim como o verbo para o nada. Dar sentido é errância vadia vício intriga fatal A cada dia uma direção trazendo um nome novo para os amores A trama do verbo nomeia o tecido da vida desfaz. CANTO LXIV Germinam as linhas da fala em rios de voz O desenho das palavras não sabe a face desses sons escondendo em seu tecido o murmúrio da multidão Ouço o grito do pregão e o gemido do mendigo o choro da criança velhos pedidos perdidos nas veias do verbo nos sulcos do tempo Espero, alerta, a minha hora farei o meu pedido em praça pública em voz aberta. CANTO LXV As fatias desse amor suave me tiram do chão jogam meus brios no caos me fazem presença distante em tempos de voragem A entrada da noite se abre dando passagem aos mesmos personagens. Os mesmos mendigos Os mesmo bêbados As mesmas perdidas A viceralidade dos sentidos está nas fatias desse amor suave que de tão leve se faz pássaro. CANTO LXVI Enfim chega o termo da peleja sentimento velejando entre as palavras como caminhante sem caminhos passagens fechadas. Enfim chego ao topo da hora como alguém que já se foi ou nem chegou ainda Quisera a carícia suave ou a declaração sonhada Antes, tenho a minha vida e a visceralidade dos meus dias. CANTO LXVII Voz em som de dó maior ressoando nas trilhas da sala ricochetea o tom grave da escala como Deus do timbre Os tons maiores são grandiosos como séries de montanhas ou estátuas. São o ouro da fala o tambor das palavras Quem fala grave fala sério mesmo quando ri ou gargalha O som da voz é fornalha onde alguns tímidos se inscrevem. CANTO LXVIII Alguns homens se deixam amar outros nem tanto O outro lado dos sentidos é o avesso das falas o silêncio de quem ama a muda procissão das horas Há certos homens que sabem amar outros, nem tanto perpassando o campo frio das denominações a alguns designo amantes a outros, devoração. CANTO LXIX A outra margem do real é o avesso das entranhas a ausência do endereço a queda livre em espaço incerto o deserto de palavras essa outra margem esconde os teratas o lado triste do circo os lugares que não são lugares Percorro esta paisagem como quem baila a minha loucura inata. CANTO LXX O homem de além mar me acalma como quem doma um rio selvagem esculpindo veios e regatos nas entrelinhas das minhas esperas Como um tigre em pleno vôo me lanço fabulando a pele desse estrangeiro nas minhas garras ele me toma amarrando os meus pulsos na sua fala. CANTO LXXI Um sentimento de vagas me lança ao fundo inexisto como quem pede palavras e recolhe pedras Meu amado balbucia sua inexistência e me comove como um bezerrinho sem leite em dia de viragem Amo este estrangeiro que cala quando deve falar e que fala o que não sabe como um anjo barroco. As vezes parecer ser um menino as vezes um anjo louco. Í N D I C E CANTO I ...................................................................................................... 1 CANTO II .................................................................................................... 2 CANTO III .................................................................................................... 3 CANTO IV .................................................................................................... 4 CANTO V ..................................................................................................... 5 CANTO VI .................................................................................................... 6 CANTO VII ................................................................................................... 7 CANTO VIII ................................................................................................. 8 CANTO IX ................................................................................................... 9 CANTO X .................................................................................................... 10 CANTO XI ................................................................................................... 11 CANTO XII ................................................................................................... 12 CANTO XIII ................................................................................................. 13 CANTO XIV ................................................................................................. 14 CANTO XV .................................................................................................. 15 CANTO XVI ................................................................................................. 16 CANTO XVII ................................................................................................ 17 CANTO XVIII ............................................................................................... 18 CANTO XIX ................................................................................................. 19 CANTO XX .................................................................................................. 20 CANTO XXI ................................................................................................. 21 CANTO XXII ................................................................................................ 22 CANTO XXIII ............................................................................................... 23 CANTO XXIV ............................................................................................... 24 CANTO XXV ................................................................................................ 25 CANTO XXVI ............................................................................................... 26 CANTO XXVII .............................................................................................. 27 CANTO XXVIII ............................................................................................. 28 CANTO XXIX ............................................................................................... 29 CANTO XXX ................................................................................................ 30 CANTO XXXI ............................................................................................... 31 CANTO XXXII .............................................................................................. 32 CANTO XXXIII ............................................................................................. 33 CANTO XXXIV ............................................................................................. 34 CANTO XXXV .............................................................................................. 35 CANTO XXXVI ............................................................................................. 36 CANTO XXXVII ............................................................................................ 37 CANTO XXXVIII ........................................................................................... 38 CANTO XXXIX ............................................................................................. 39 CANTO XL ................................................................................................... 40 CANTO XLI .................................................................................................. 41 CANTO XLII ................................................................................................. 42 CANTO XLIII ................................................................................................. 43 CANTO XLIV ................................................................................................ 44 CANTO XLV ................................................................................................. 45 CANTO XLVI ................................................................................................ 46 CANTO XLVII ............................................................................................... 47 CANTO XLVIII .............................................................................................. 48 CANTO XLIX ................................................................................................ 49 CANTO L ...................................................................................................... 50 CANTO LI ..................................................................................................... 51 CANTO LII .................................................................................................... 52 CANTO LIII ................................................................................................... 53 CANTO LIV ................................................................................................... 54 CANTO LV .................................................................................................... 55 CANTO LVI ................................................................................................... 56 CANTO LVII .................................................................................................. 57 CANTO LVIII ................................................................................................. 58 CANTO LIX ................................................................................................... 59 CANTO LX .................................................................................................... 60 CANTO LXI ................................................................................................... 61 CANTO LXII .................................................................................................. 62 CANTO LXIII ................................................................................................. 63 CANTO LXIV ................................................................................................. 64 CANTO LXV ................................................................................................... 65 CANTO LXVI .................................................................................................. 66 CANTO LXVII ................................................................................................. 67 CANTO LXVIII ................................................................................................ 68 CANTO LXIX .................................................................................................. 69 CANTO LXX ................................................................................................... 70 CANTO LXXI .................................................................................................. 71

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