quinta-feira, 21 de março de 2013

A Trama do Verbo

A TRAMA DO VERBO Helenice Maria Reis Rocha O NOME DE DEUS O nome de Deus baila em meus lábios como ladainha em dia de procissão minha menstruação me consome sinal de algum filho temporão quisera Deus um filho purificado nas febres e nas incertezas artista médico ou dentista um filho vadio ou trapezista para desestabilizar as convicções dos sábios. BOA NOITE Boa noite boa meus cuidados que já vou rapidamente p’raquela estrela distante que se vê da janela nos veremos brevemente meus cuidados naquela estrela luzente pouco antes do meu coração pifar quando esperávamos aquela nave, olhando o céu. MINHA MÃE Minha mãe você soa suave em silêncio e sangrando canta a gota de sangue de todo poema. RITUAL Pronuncio sempre a minha origem esquecida entre as vírgulas do percurso Toco nesgas de caminhos turvos esperando o batismo das horas em ondas curtas O tempo cavalga as frestas dos minutos navega a estrada das esperas Enquanto isso tomo a palavra perfilo o verbo entre os descontentes sacerdotes do aço. A VIAGEM DA PALAVRA Risca a página feito bala a palavra Rasga a fala feito faca a palavra No entanto em si não vale nada Nada mais do que risco Tensão entre grito e vala perda e sorte falada Engenharia de silêncio Descuido da voz Quando não cala. ESPERANÇA Clara, clara, clara água, água, água vaza, vaza, vaza mágoa, mágoa, mágoa Belo, belo, belo fero, fero, fero tempo, tempo, tempo vento, vento, vento. TEMPO Escorrendo feito água o tempo aqui veleja entre os dedos como navegante frio acertando quando erra o destino de chegada Mas o tempo não chega nunca E a vida permanece parada suspensa no trapézio de uma idéia que não é nada. VOZ Dedos de voz rasgam o compasso da fala Pára a voragem do som no meio das palavras quando as tiras das palavras defloram sentidos tensos Sentidos lentos escorrem pelos vãos da fala A frugalidade dos favores se faz bala a intensidade dos fragores se faz vala Tudo o mais é risco Todo o verbo é nada. NOITE A Lua, a mãe da noite abre as pernas brancas para o Sol parindo a tarde furando o grito da graúna abrindo o silêncio da sorte Formiguinha grita Quem, quem, quem, quem A rua abre o ventre para o Sol. A FESTA DO SOL O Sol salgou o mar multidão de peixes saudou virou procissão de sal e água Boto gritou: Vem cá, vem cá Tupinambá responde: Não vou, não vou O Sol caiu em pingos sobre o mar. NOITEANDO A luz do céu apagou noiteou Curumã saiu de dentro da escuridão. DANÇA LELÊ Jaboti saiu da toca dança Lelê Não tem água p’rá bebê dança Lelê A onça encantou o rio dança Lelê Quer comer Jaboti dança Lelê. MEU AMADO Com um arco-íris atravessando as palavras balanço os cílios meu amado vem voando entre carmins de lábios sobre o meu corpo vem gemendo entre cetins, entre com passos vem meu amado é manso e calado é Derrida e cerrado poesia e gerais meu amado é professor e menino profanador profissional menino não sabe o que faz. E ESSE AMOR ... Versos de um amor muito bailam soltos no limbo das palavras Versos de um amor limpo chegam mansos sobre o olor das páginas As águas desse amor tão simples invadem retinas e falas As mágoas desse amor singelo embalam o coração das feras. CLÁUDIO TANNUS Areais voam em constelações de grãos chovendo sobre o tempo soterrando o que foi um dia, vida Faço trilhas no lençol e canto reconto pegadas Te encontro no futuro beijando vísceras. ENTÃO ... Solarte Manhã reluzente paz amarelinhando o dia lindo nascente noutro lado da rua eu nua flácida e crua destoando este bom gosto estarte. CIDADE Estrelas nuas chovem febris sobre os passeios rios de risos correm febris nas avenidas antigas baladas se fazem ouvir em bairros distantes a noite, a cidade, os mendigos, o açoite. VENHA Veias de mel soltam sua íris louca Os seus olhos doces me engolindo toda contra isso nada podem os lucros, os grandes negócios os acordos turvos Os seus pelos roçam minha pele fraca minha carne lassa meus sentidos roucos beijo o ar à tua espera Tua vinda é um vôo de avião em dia de sol. CANTIGA DE UM GUERRILHEIRO Amei feliz um dia as estradas dos gozos temporãos As Américas cortaram minha carne espalhando os pedaços por todos os porões. Minhas vísceras gritam fecundando a terra, abundando o campo de flores que virá Amei ao relento, nas trincheiras nuas, escondido dos canhões. Beijo os pássaros que caem e os animais que lambem o túnel aberto em meu coração. AIUOEEÊ Curupira saiu do mato gritou aiuoeeê Roubou comida de onça voltou p’ro mato outra vez. MEU VENTRE Olhos de fogo engolem o sangue de meu ventre aberto banhando as oscilações dos pregões da bolsa entre especulações e gemidos caminho alerta fugindo ao veneno dos negócios certos Mundo-serpentário de homens máquina explícitos vampiros da nudez da humanidade. O OUTRO Através de uma fenda desvendo planetários fabulação de mundos vários recordando um atávico exílio de outros nós Vejo entre frestas ruas e pessoas sorvendo febris carbonos carboidratos entre serpentários de homens-aço Haveremos de dar a mão a algum ser errante vindo de uma outra estrela um outro que de tão outro se faça muitos e de tão muitos se faça nós. PROVA DOS NOVE Quero o amigo distante o que não foi e o que não virá Quero o cumprimento do amante o que não tive e o que não terei Quero dançar um instante nos braços de um anjo sedentário Quero o tempo de um viajante como sentinela da alegria que chegará. AS FACES DO VENTO Cães de vento mordem as faces do ar Mãos de sonho fabulam desenhos de giz As faces do ar são gravadas a giz. HOSPITAL Pétalas de pedra choram sobre paredes brancas Lanças de carmim perfuram corpos parados O hospital O quarto A dor floresce meus sentidos Sinto, sem maquinação O Aço do carmim me faz pra sempre P’rá todo sempre Tudo que sente renasce, talvez. ANTROPOFAGIA Eram três caravelazinhas Santa Maria Pinta e Nina E a carne branca de Portugal. OS SINOS A voz dos sinos me constrange não vejo graça nem tino a não ser aqueles que balançam gangorrados por meninos a fala dos sinos me desatina quando eles insistem em anunciar os mortos ou os feriados Santos dias de fornicação. BREVE POEMA Não vou fazer um poema longo que seja breve como as más-respostas e tenso Nem tão pouco quero um poema belo que seja triste como as mulheres pobres e fero mas há de ter a violência de crianças nuas. Há de ter o olor das lágrimas nas ruas. A FESTA anéis de voz viajam o espaço a sala cheia as veias da vida escorrem a janela aberta Um olhar de água batiza minha displicência A mulher do lado Um beijo de aço comprime o meu sorriso escasso Meu namorado. A festa uma seiva de reverências. DEVORAÇÃO Um mar seco percorre o nordeste escorrendo um agrilhão de agruras vastidão de secura parada corroendo os homens nas estradas Um menino seco espeta para o céu num Libelo áspero corroendo ternos e gravatas. LÁGRIMA A equação da lágrima me confunde viajando solitária sobre o meu rosto Ninguém viu, ninguém vê esta trilha em linha reta descendo humilde para a minha boca salgando os meus lábios secos. VOLTA Sorvo a noite como um sonho vivo perpassando meus sentidos penetrando lenta o cárcere do meu corpo Vôo e volto o mesmo ponto antigo as horas bailando os meus passos abraçando os meus risos Hei de ir como quem despede para voltar mais leve sem aviso. OLOR DO TEMPO A cada dia o seu cuidado A cada dia uma palavra em ritmo de sarabanda em ritmo de Tarantela esculpida em renda fina como enxoval de donzela Um dia eu fujo e deixo as palavras p’ra trás Com seus vícios e traições com suas estranhas mazelas. VIDA Terei dias de realeza em tempos de devoração a geografia dos anos ao alcance da minha mão Serei confidente do vento do meu fado, Tecelã Sinto as veias do meu corpo como quem canta um hino Vida, vem, fica comigo Serei cúmplice, serei sizo Serei sua mais fiel equação. ANTÔNIO Quero a coragem do erro A hora incerta que antecede o dia Quero a voragem do cio o esquecimento de todos os avisos do escasso Juízo a medula quero também a profecia sua amigo, amante ou confidente que em uma tarde cristal me sentencia. DANÇA O dançarino das vagas me chama é tarde, não vou Entre espelhos de ondas me perco não sinto os dedos da água me calo O dançarino das vagas proclama é noite, não vou entre nuvens de ondas, me abalo não sei entre corcovos de água, declaro não sou. HOJE Hoje não serei gorda receberei cumprimentos pela minha fidalguia ganharei flores na esquina Terei um amante pontual Hoje não serei antiga Terei passos de gazela e espasmos de perdida Hoje não serei feia compreenderei os mistérios gozosos e os meus deveres de filha Hoje não serei fria Darei o calor do meu corpo Ao vendedor da esquina E como a princesa que baila bailarei altiva e lassa entre olhares espantados e a desaprovação das tias. ANUNCIAÇÃO Será enganosa a exaltação do dia? Que venha a manhã solar com uma euforia vespertina com pássaros varando as esperas e gente riscando avenidas que venha a manhã, exata com todas as anunciações atravessando todas as distâncias que existem entre os corações Que venham todas as manhãs com respingos de sono e risos com pão e café na mesa Apesar de todos os avisos Apesar do meu passo incerto. CHEGANÇA O tempo chega em passos densos como tristeza de filha entrando na pele Mais parece apito de trem ou praga de velha coisas tão comuns e vesperais Chega tão naturalmente que parece alguém da família e nos leva. CHANCE A fina equação do verbo conduz antigas Litanias que o tempo das palavras seduz Diante dos altares me curvo última testemunha de rezares únicos Espero em Deus a chance da Alegria na vez e hora das epifanias. HOLOCAUSTO A prata envelhecida dos castelos sumiu O que resta são as vísceras dos reis Nas margens avulsas os sinos dançam o balé sem imagem de antigos sons A arca das imagens sacras foi violada Abutres andam nos quintais onde as princesinhas cantam dias reais. BRUXEDO Suam pétalas viris nos embornais São as flores que carrego no meu peito murcho desidratadas pelo sangue das virgens em dia de defloração Como as bruxas me vicio em doces aberrações Perdida no cio faço os meus convites, exorto as minhas evocações Da Terra sobe o olor que me dá poder. VENTO Feito agulhas varando o ar o vento fere várzeas levando as águas abrindo lamentos sob a tarde clara Feito fúrias levantando o tempo o vento pede, afronta e recua arrastando o medo declarando luta. ECO Sinto o eco do vento dentro, dentro, dentro Sinto o aço do centro lento, lento, lento Solto o ar do lamento penso, penso, penso Bailo o gesto do canto denso, denso, denso. FERNANDA Linha de voz Lâmina ardente em tempo de manhã canta a melodia das esperas Todas as velhas artesanias da fala se reúnem em assembléia Fernanda Montenegro recita Fedra e isto basta. A EXATIDÃO DAS ESPERAS Pão sem bruma sobre a mesa baça no teorema da manhã de ontem Mão sem lume sobre a pele fraca acendendo fontes do amor que ficou Vão sem rumo em nesga de estrada escondendo espasmos inventando falas. FALAS Falas são rios serpenteando estradas como túneis sem fundo rasgando a terra na voz das velhas e das ciganas Em cada esquina uma vela em cada vão de rocha um despacho O riso do pajé, a sentença Um choro de criança uma saudade. SILÊNCIO Um silêncio seco na excelência da noite se desvela como sentença nua ou grito sem voz Algozes mudos se revezam fechando a porta da manhã torturando feras que me habitam o peito aberto Um grito bêbado corta a noite. O ônibus passa habitantes de uma odisséia vencida homens e mulheres riscam avenidas mortas em horas inertes nos desvãos da cidade. AS PALAVRAS Um fio de nada me mobiliza aragem de pássaros no cio Um brilho na vala me seduz a dança dos abismos me arrasa sonho amavios recolho falas estiletes e feridas de percurso na minha bela viagem de alvíssaras na antiga voragem das palavras. MADRUGAGEM Sinto o relume da manhã e me embriago fabulando filetes de sol e ar mas a noite me abraça e absorta me entrego pacto fatal de murmúrio e sombra amanhã será a espera hoje a noite me espreita como um tigre na janela. SAUDADE Tua ausência é um feixe sem lenha filete de um fogo frio que nunca vem Uma distância longa nos percorre escorrendo como seiva em nossos umbrais Sedentos somos de palavras mornas aquecendo lentas os nossos portais esquecidos vamos buscar retalhos de nossos passos em algum fio de vento. TRISTES SEREIAS As dunas ondeiam os caminhos mansos nas praias onde chegam os cansados cantos das sereias mortas das cidades Navegavam lixos e refugos meias de rendas entre a sífilis e a noite. Sexo seguro? Acoite Amor tranqüilo, quimera Grandes negócios, amores turvos no carrossel das águas Carne e risco da AIDS, lembrança e soluço Antes, só a saudade. AS PALAVRAS O mármore das palavras está no silêncio no entre nos caminhos de través quando tudo cala por já ter dito por já ser nada. POYESIS O anel da nossa aliança virou sal sobrevivemos ao olhar da medusa nosso sangue fecundou sentenças O Testemunho da nossa confiança varou ânsias Hoje, somos fraca lembrança Olho p’ra trás e ouço a minha mãe cantando. síntese do nosso gemido sentença de esfinge Seremos muitos, amanhã Nós, poetas Sagração de murmúrios que cantam o solo árido das palavras. TARDE Grãos de silêncio caem sobre o fim da tarde arde um viver difuso sobre os meus olhos cansados vida vazada em prestações de vinagre e mel Filetes de grito cortam o silêncio da tarde ardem ferindo a surdez dos passantes São crianças que brincam na praça sob a ferocidade das massas e as botas dos soldados. POESIA Poesia é um balanço de corpo Um trem riscando o vento peixe-boi que fala riso, lamento poesia é um momento de gozo embarcação em movimento uma gangorra no ar o aconchego de dentro arquejo de mulher amando poesia é comida na mesa povo dividindo o pão coração leve, alento. PAIXÃO INÚTIL Um mendigo desabotoa a minha dor Amo este estrangeiro que pede país selvagem do meu esquecimento de mim andarilho indomável das minhas mais secretas andanças Amo este estranho, ora aqui, ora ali, flaneur sem máscaras das nossas esquinas e não posso nada. AVENIDAS Serpentinas de luz os faróis e os neons riscam as avenidas equação de noite e Lua Velocidade e risco vertigem e chão Tomara o coração das avenidas fosse calma nua sem pressa vã ou carne crua e ignição. MEU PAI Uma saudade do que não virá enche um instante barca de vento navegando as águas da tarde Um cachorro late Todos os meus medos se esvaem Conspirando murmúrios e lamentos uma sentida nota musical pisa os desvão da memória Leve, suavemente meu pai tosse, a garganta de todos os artistas, tuberculose o tempo volta ele toca como os anjos cantam. DESCANÇO grito dentro riso lento cata vento rima tempo. SENTIDOS Sinto o vento e o seu longo lamento vento, vento, vento eco, eco, eco Sua voz antiga soa, soa, soa, soa dentro, dentro, dentro. SAUDADE papai, barroco frágil e terrível Toda a doçura num segundo do seu berro, do seu não eu mamo pátria da música em um sopro Som, sussurro e sangue sopro de vida meu sofrido vislumbre. SEREIA Branca Luna Barca nua navegando o céu em noite escura Mansa bruma onda, espuma dançando leve sobre areia crua Sereia clara cantando, rara sobre o mar Brisa breve bailando célebre sobre o céu. NÓS Uma linha em branco atravessa a garganta do mundo ferindo o fundo de antigas epifanias É a memória muda de incontáveis histórias sangrando lentas sobre uma ausência Somos o resto de uma trama a sobra de um passado, caminhando sobre nostalgias e saudades sem remédio Somos o resto do tempo. VOZ A carne da voz é o outro lado da palavra o avesso da memória a deiscência das coisas nuas objeto da vivência crua que norteia as realidades pagãs A floração da fala fecunda a carne da palavra matiz de sons vários A humana concreção do som a magia do dizível instala. AMANHÃ Anel de aço o barulho do mundo envolve os meus sentidos lassos laço de ferro a me enlouquecer Não sei das guerras das fomes e das falas Sei do meu gesto dúbio de alguma caridade pouca do meu afago da minha ânsia louca de um amor avaro a me atormentar Sonho um mundo outro onde as crianças vivam e os homens bons possam algum sonho raro. ÁRVORES Folhas de anil voam sobre a Terra mansa A paisagem toda na minha retina arde O que era esperável se desfigura Um carnaval de astros dançam nos céus A linha do horizonte se perfilha, dura A agonia das espécies é um vendaval A terra canta um brilho santo de estrelas Mãos duras sangram árvores no final. MINHA MÃE Cavalinho azul do meu sonho de criança Carrega a meiga voz da minha mãe meu consolo de infância Cavalgando o vento me traz aquele alento de canto de sereia de tempo de quebranto. PROGRESSO A árvore respira folículos de serpente gemente estende os galhos áridos aos céus A fábrica solta gases A vida chora implora uma segunda vez As vísceras de um viver de todo antigo se presentificam Os pássaros de antes cantavam Hoje cantam gases, de um tempo de todo assinalado tatuado de progresso. MARIA Sou uma Maria qualquer barro humus pó de terra Danço de chinelinha nos pés Tenho dente de ouro e olhos de vento Sei da curva das estradas da poeira de sol do tempo. ÁFRICA Cavaleiros do mar navegando águas de tempo-noite retirando das águas o lamento do açoite antigos africanos voltam dos porões dos navios Cavaleiros do ar navegando tempos de mar-noite gingando volteios de sangue e soluço antigos africanos choram Cavaleiros do vento correndo, voando, nos matos adentro antigos quilombolas gemem. DESEJO Asas de carmim lambem minha pele rouca varrem minha vida pouca de um amor sempre adiado Boca de alecrim beija a minha pele lassa cicia segredos lascivos e passa O meu desejo, pássaros sem canto sobre os meus pelos dança, avança, recua e se abraça sobre o meu corpo. SOUL Queria ser como Betti Boop Dançar sob um céu de desenho animado Cantar um blue Sorrir de lado numa tarde de Domingo sem sol. TESSITURA O silêncio tece as ânsias desnudas na concha da noite Entre a chuva e o estio o cio e a voragem permanece entre frestas de sol ou frio penetra as janelas das memórias mudas fruta-tear em viração madura. O VERBO O matiz da pedra modela a palavra exata O verbo – Lua O verbo – água O verbo – vento O verbo – mágoa O verbo anímico da palavra – fala. SENTIMENTO DO TEMPO Batom em sorriso murcho o tempo das esperas passou e aquela alegria pagã bate continência em estradas nuas murchas de um carnaval sem fantasia Vou morrer, como vivi, sem nada além dessa crônica louca de amores vadios. SENTIMENTO Como cabelos em um pássaro raro um amor tardio sempre traz amavio Como ritmo em um passo lento um amor temporão sempre traz novidade A idade do sentimento é a face azul da espera que do tão azul se faz quimera como as palavras de um poema sem cor. O TAL Amor de chocolate adoçando donzelas ele passa, cheio de graça pelas telas da tevê. Ele é o tal Cristal filtrando versos e diversos areia fina escorrendo entre as mãos. Ele passa, cheio de graça e não é mais que um tempo. RISCO A civilização balança numa gangorra ora lenta, ora lassa e quase voa pelos ares o tempo todo Antigas vozes ecoam reivindicando presença em janelas baças em murmúrios roucos Antigas ausências ressoam em tempos crassos em compassos loucos. O ÍNDIO Pincel de estrelas colorindo pedras um irmão da terra tinge o pó transverso com tintas de guerra, com tintas de entranhas com tintas de paz e de danças velhas Pincel de estrelas colorindo estradas um índio nu mistérios engendra. O VÔO Um vôo sem asas rasga o ar mudo riscando um sentimento manso de ausência de palavras Sob silêncio me resguardo quando vozes loucas temam em vociferar o banal Vôo sem armas de pássaros sem voz. A SERPENTE Através de um vidro piscante o olhar da serpente encanta a rua paralisando crianças nuas e ninguém vê O olhar da serpente é um anúncio brilhante vendendo homens em papel crepom Serpenteando sobre a cidade arma o bote e a cilada sobre quem passa e não vê Parece um grande negócio vendendo o país inteiro Engole crianças nuas seduz a quem quer que queira. OS SENTIDOS DA ÁGUA Línguas de água molham as bordas do meu verbo manso Nessa liquidez de fala descanso sem mágoas ou remorsos absurdos A vida escorre sem barreira ou filtro escoando esquiva entre armadilhas vis Os meus amigos sabem dessa fala sem esquinas ou paradas entre uma lágrima ou riso. AS RUAS As ruas são rios serpenteando as cidades As ruas são cobras anunciando venenos As ruas são fios interligando sensações as ruas são os cabelos dos mares Quisera um sentimento do mundo fora dele A mundanidade toda no meu quarto Meu coração, o coração do mundo, As ruas, filetes de homens-ebulição. Meu coração, um coração no mundo. BUSCA Em busca de algum encanto peregrino as esquálidas veias do mundo A vida em banho-maria Um corte cirúrgico Trama tecida em sal e fel atualiza um tempo sem nome. OS MENINOS Astronautas do asfalto meninos naufragam entre luzes de neon atravessando mares borrascosos de pernas e braços, bolsos e paletós aterrizando em botinas armadas de homens-marrons. Navegam ares de estrelas de Hélio, zonzos, sob a fabulação das riquezas e dos destinos, astronautas do crack e dos homens de gravata, reféns dos uniformes marrons. ANJO TORTO O rosto de um anjo torto ninguém conserta Nem todos os alertas Nem todos os comandos Nem todos os deuses nus no mesmo pátio O rosto de um anjo torto Só as crianças enxergam. PALMO DE TERRA As cidades do ar sobre pairam as moradias representantes de tudo o que já foi um dia casarões, sobrados casebres, velhas pedras na tumba-concreto de novas liturgias A liturgia dos lucros e das mais-valias Mais valia o quintal barrento de uma velha lavadeira ou o casarão antigo da esquina Tumbas-espigões brotam do asfalto onde jaz o palmo de Terra do nascituro. PORTE DE FÉ Deus meu, me perdoe as taras e a virtude duvidosa a péssima fachada e a cara marcada de barro e corte, já não tenho mais a alma de princesa de outros dias No entanto, amo o pai, o filho e o espírito santo, com a mesma confiança rasgada, com a viceralidade das perdidas e a elegância das loucas. NÃO SEI Morna viração das ruas paz fim de tarde de Domingo meus livros espalhados sobre o chão O momento entre um minuto e um segundo é uma sentença o tempo de um tiro ou de um afago Âmago das raízes e das coisas cálice de aconchegos e incertezas um passado sem rosto se presentifica Que fui eu no teorema do que serei? bela ou fera, amante ou proscrita? já não sou e não sei AMOR Nos dizeres do meu amado as minhas faces transmutam Nem ele me ama tanto assim nem tanto eu camaleoa Fera louca em áspero feroz mundo de tantas faces a que mais me entranha é esse amor nem tanto que tanta falta me faz é esse amor que de um tanto o mundo todo me traz. PONTO DE VISTA Vidas chovem sobre paralelepípedos Paixões desenfreadas dançam bamboleando o asfalto frio das avenidas O arrasador dos corações fuma um Carlton sob a luz dos cristais. Tudo é banal como um sabonete barato. Crianças semi-nuas roubam roupas nos varais morrem varadas por fugazes metais nas marquises, nos parques, na capital, no mar, no ar Tudo o que é sólido se desmancha no ar A fatalidade é vendida em suaves prestações. ESPERA Acossada em uma fenda do desejo arquejo plumas de felina espero a hora o dia, o salto do batom o urro do prazer sonhado ao prazer vivido a dor do gozo pressentido me estraçalha. SALTO NO ESCURO Uma loba no escuro o meu amado assedio com garras de veludo marco seu corpo vadio como fera sangrando caminho pelas transversais do cio varando todas as paralelas rasgando o meu amor arredio. ELE Meu amado é um menino selvagem e dissimulado como os tigres em dia de viragem me assusta me desanima como os pássaros em perda de plumagem. SONS E FALAS A cor da voz voa no matiz oscilante dos espetáculos O político tonitroa O cantor escoa e geme A voz da cor canta no matiz oscilante dos quadros e tão canto e tão timbre se faz que voa nas mão daquele artista pobre O ser de uma penetra o de outra uma vez que a cor é uma voz que cala e a voz é uma cor que soa. O ATOR Gentileza de tigre arranhando as estranhas do tempo ofendendo fibras do espaço. o mago das avenidas passa travestido de palhaço de anjo ou simplesmente de homem O ator este ser p’ra sempre multiface transmuta no asfalto acompanhando a troupe do teatro Teatro das ruas Teatro dos corações. PAPEL Estranho papel resto de tudo e de todos bolsa de objetos vários recados p’ra empregada endereço do bombeiro bricolage de retalhos restos de vida. Cartas anônimas bilhetes rápidos Se eu fosse papel estaria amassada em algum canto. UM OUTRO TEMPO Tatuagem de batom as vezes dói como forte presença em dia distante Antes era a grande ausência antes do verbo, antes da origem Hoje, depois do primeiro pecado a gente vive risos e taças saudades virgens. HORAS A paz de um lençol voando no varal percorre a tarde Arde no ar uma fogueirinha de folhas secas Antigos carrinhos de rolimã riscam o passeio da rua da memória papagaios no ar, cerol, Meu irmão brinca antes era assim O balanço das horas não tinha nem endereço. A TRANSIÇÃO DA VOZ Voz muda retumbando no silêncio Música surda soando no ar Fala cega assombrando tempo de velhas confabulações as asperezas de percursso viajam riscando nossas filosofias feito tesouras dilacerando sedas ou bonecos varados de alfinetes Magia negra de duvidoso resultado balançando o cerne de inúteis inocências. CANSAÇO Estou livre de amores vãos Falsas ternuras sentimentos inúteis ainda me seduzem aliás como tudo o que não tem direção Vou de déu em déu pelas transversais do destino Tudo o que me acontece é por acaso sentença de uma felicidade sem nome cansaço das denominações. MINHA AMADA O tempo voa como folhas de papel ao vento dentro dos minutos e das horas não tenho pressa nem demora nem a devoração das esperas me paralisa minha mãe ouve minha poesia com a humildade das gueixas sem queixa sofre de dores severas na espinha e canta. TEOREMA O vinho não batiza a noite assim como o nome não mostra a face do dono A voz não anuncia a fonte assim como a fala não detém a bala A espera não escondo a fera assim como a faca não detém o salto A noite, espreita o açoite assim como a manhã anuncia o dia. NO MAIS, PALAVRAS palavras são árvores ricocheteando o papel confete multicolorido chovendo sobre mar de verbo amar as palavras é despi-las dos galhos desfolhando folha a folha os seus desvãos amar as palavras é descolorir confetes buscando passo a passo os sentidos vãos palavras são compassos densos ressoando ambíguas sobre o papel branco. A VELHA ESPERA Doendo como pétala falsa esse amor insistente, inclemente que nem carnegão exposto Eu queria as asperezas da raiz a incerteza da liberdade e amor, p’ra valer Talvez, polindo um pouco as velhas pratas vejamos esse caminho poeirento clarear as matas dos nossos corações cruentos. O AÇOITE A noite o frio a vala o rio o susto o grito a fala o riso a ponte a fonte a morte a Lua. O SERTÃO O sertão é um balanço lento ondulando numa tarde nua crua equação de emergências sentenciando decisões tardias momento de silêncio na noite quando a passarada dorme O sertão é um fogo-fátuo anunciando o gargalhar dos mortos vela acesa na estrada emboscada a vida por um fio. CONHEÇO Mãos de pérolas acaricio meu corpo Loba sem garras jogada na noite sei de todos os nãos de toda ausência de carícias Conheço a rejeição gentil e a grotesca Conheço meu corpo como quem baila em esferas Sou toda mãos Sou toda esperas. PLUMAS As plumas da voz são para as princesas eu, prefiro cristais e pedras modulando o meu berro solerte Na hora da viração desperto, espreito felina, espero o doce desfile dos tigres que lamberão minha ferida aberta. BRILHO Minha mãe, minha poesia minha solidão minha vida vadia valeu bem um porre, ou alguma alegoria ou talvez um êxtase do nada a saudade de alguma ausência venham trazer aquela voz distante Teorema de um antes brilhando num dia de sol. TAMBATAJÁ Violo o papel com letra e tinta carneiros de letras cantam uma voz antiga enfeitando uma palavra ancestral Os índios choram em fileiras nas matas o amor do Tambatajá que fugiu A noite dança na taba o andar da índia ferida na lida, Ondas de voz invadem o bailado da noite cantando o amor do Tambatajá que fugiu Í N D I C E O NOME DE DEUS ..................................................................................... 1 BOA NOITE ................................................................................................. 2 MINHA MÃE ................................................................................................. 3 RITUAL ......................................................................................................... 4 A VIAGEM DA PALAVRA ............................................................................ 5 ESPERANÇA ............................................................................................... 6 TEMPO ........................................................................................................ 7 VOZ ............................................................................................................. 8 NOITE ........................................................................................................ 9 A FESTA DO SOL ..................................................................................... 10 NOITEANDO ............................................................................................. 11 DANÇA LELÊ ............................................................................................. 12 MEU AMADO ............................................................................................. 13 E ESSE AMOR ... ..................................................................................... 14 CLÁUDIO TANNUS ................................................................................... 15 ENTÃO ... .................................................................................................. 16 CIDADE ...................................................................................................... 17 VENHA ....................................................................................................... 18 CANTIGA DE UM GUERRILHEIRO .......................................................... 19 AIUOEEÊ ................................................................................................... 20 MEU VENTRE ........................................................................................... 21 O OUTRO .................................................................................................. 22 PROVA DOS NOVE .................................................................................. 23 AS FACES DO VENTO ............................................................................. 24 HOSPITAL ................................................................................................. 25 ANTROPOFAGIA ..................................................................................... 26 OS SINOS ................................................................................................. 27 BREVE POEMA ....................................................................................... 28 A FESTA .................................................................................................... 29 DEVORAÇÃO ............................................................................................ 30 LÁGRIMA ................................................................................................... 31 VOLTA ........................................................................................................ 32 OLOR DO TEMPO .................................................................................. 33 VIDA ........................................................................................................... 34 ANTÔNIO .................................................................................................. 35 DANÇA ...................................................................................................... 36 HOJE .......................................................................................................... 37 ANUNCIAÇÃO ............................................................................................ 38 CHEGANÇA ................................................................................................ 39 CHANCE ..................................................................................................... 40 HOLOCAUSTO ........................................................................................... 41 BRUXEDO .................................................................................................. 42 VENTO ....................................................................................................... 43 ECO ............................................................................................................ 44 FERNANDA ................................................................................................ 45 A EXATIDÃO DAS ESPERAS ................................................................... 46 FALAS ........................................................................................................ 47 SILÊNCIO ................................................................................................... 48 AS PALAVRAS ........................................................................................... 49 MADRUGAGEM ......................................................................................... 50 SAUDADE .................................................................................................. 51 TRISTES SEREIAS .................................................................................... 52 AS PALAVRAS ........................................................................................... 53 POYESIS .................................................................................................... 54 TARDE ....................................................................................................... 55 POESIA ....................................................................................................... 56 PAIXÃO INÚTIL ........................................................................................... 57 AVENIDAS .................................................................................................. 58 MEU PAI ...................................................................................................... 59 DESCANÇO ................................................................................................ 60 SENTIDOS .................................................................................................. 61 SAUDADE ................................................................................................... 62 SEREIA ....................................................................................................... 63 NÓS ............................................................................................................. 64 VOZ ............................................................................................................. 65 AMANHÃ ..................................................................................................... 66 ÁRVORES ................................................................................................... 67 MINHA MÃE ................................................................................................ 68 PROGRESSO ............................................................................................. 69 MARIA ......................................................................................................... 70 ÁFRICA ....................................................................................................... 71 DESEJO ...................................................................................................... 72 SOUL ........................................................................................................... 73 TESSITURA ................................................................................................ 74 O VERBO .................................................................................................... 75 SENTIMENTO DO TEMPO ......................................................................... 76 SENTIMENTO ............................................................................................. 77 O TAL .......................................................................................................... 78 RISCO .......................................................................................................... 79 O ÍNDIO ....................................................................................................... 80 O VÔO ......................................................................................................... 81 A SERPENTE .............................................................................................. 82 OS SENTIDOS DA ÁGUA ........................................................................... 83 AS RUAS ..................................................................................................... 84 BUSCA ......................................................................................................... 85 OS MENINOS .............................................................................................. 86 ANJO TORTO .............................................................................................. 87 PALMO DE TERRA ..................................................................................... 88 PORTE DE FÉ ............................................................................................. 89 NÃO SEI ....................................................................................................... 90 AMOR ........................................................................................................... 91 PONTO DE VISTA ........................................................................................ 92 ESPERA ....................................................................................................... 93 SALTO NO ESCURO ................................................................................... 94 ELE ............................................................................................................... 95 SONS E FALAS ............................................................................................ 96 O ATOR ........................................................................................................ 97 PAPEL .......................................................................................................... 98 UM OUTRO TEMPO .................................................................................... 99 HORAS ........................................................................................................ 100 A TRANSIÇÃO DA VOZ .............................................................................. 101 CANSAÇO ................................................................................................... 102 MINHA AMADA ........................................................................................... 103 TEOREMA ................................................................................................... 104 NO MAIS, PALAVRAS ................................................................................ 105 A VELHA ESPERA ..................................................................................... 106 O AÇOITE .................................................................................................. 107 O SERTÃO ................................................................................................. 108 CONHEÇO ................................................................................................. 109 PLUMAS ..................................................................................................... 110 BRILHO ...................................................................................................... 111 TAMBATAJÁ .............................................................................................. 112

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