segunda-feira, 26 de março de 2018



















O LIMBO
DAS HORAS











Helenice Maria Reis Rocha







HISTORINHA



Napoleão passou por aqui
com seu cavalinho
comendo camponeses
cuspi três vezes

A Inglaterra passou por aqui com
suas galeras
comendo escravas
joguei três pragas

A metro Goldwing Mayer passou por aqui
com seu leão de ouro
comendo o ocidente
joguei três dados

A história passou por aqui e
comeu todo mundo
morri de medo











ESCOLHA


Entre o universal e o particular
Entre o absoluto e o relativo
Entre o cosmogônico e o escatológico
Entre Ahura-Mazda e Arriman
Não fique doente
Tome urodonal e viva contente


















TEATRO


Cenário de reticências
onde a calma vida íntima das coisas se desfaz
e adere às aparências de momento
no variado teatro dos salões
do congresso aos palácios de artes
desfilaram os últimos gritos da mídia
imperceptível armadilha
que mesmo aos muito rudes
as vezes apraz
negócios do ócio
que fazem fortunas e multidões
mas não desafiam a solidão
do último sonho sonhado
e nem a raça dos miseráveis da terra












DIAS

Tenho dias alegres, outros, nem tanto
ouço compungidamente
o noticiário cotidiano
com um fervor religioso
deploro as crianças com fome
ouço ao longe um pássaro cantante
espetáculos de multidões em guerra
o limite tonitroante
entre o excesso e o contraste
o sol nasce
entre as montanhas
e entre as trincheiras
beleza e horror
comungam nesse instantes







POYESIS


Declaro o fim da poesia
quem se interessa por esses
escarros a que chamam
metáforas?
Talvez algum vagabundo
ou algum mendigo atrapalhando
o trânsito
valham mais que isto
Talvez algum infame, escrevendo
Palavras pornográficas
Ou quem sabe alguém usando
uma linguagem estranha
para enganar algum carrasco?







TARDE


O pão sobre a mesa, o café
os pardais na janela
a fé exata
a agonia da tarde
a loucura inata
da velha sozinha na casa
Cada minuto uma sentença
preanuncia a despedida
a exatidão das horas
prediz o tempo do que foi
no irrecuperável movimento
de partida
do minuto de antes para o de depois






A CHAMA DA VELA


Rios de falas mineiras
perpassam minha precária memória
mas nessa travessia
ancoram os silêncios
as conspirações
as entrelinhas
como diria o Celsinho
uma sedução respira no ar
Sinto o seu ritmo pausado
arfante
sua presença
Em Minas tudo murmura
o badalar de um sino é uma sentença
tudo agoniza
tudo sussurra
A dor de Tiradentes
ainda soluça nos cantos
e Minas, nem tem mar




O CIO

Submerso sobre a placidez das horas
o cio, esse tema menor
não tem autor e sobrevive anônimo
mas subsiste e estigmatiza a carne
imanente nos murmúrios
nos escuros do quarto
Ante-câmara do desejo
preanuncio do ato
tão belo tema
tão poucas palavras
que de terrível introspecção me faço escrava
mergulhada nas abissais emoções do prazer
esqueço qualquer menção material da fala.











ERRÂNCIA

Toco o quociente entre a palavra
e o sentido
faço a operação pertinente
e desafino
esse desajuste que faz a diferença
me faz pessoa
sem convicção, sem destino
sem endereço certo
errância
vazio
Adejando o ininteligível discurso
dos anjos
proclamando alto os mais chulos nomes da terra
explícito a oscilação pendular de significação
que às vezes o exercício da poesia encerra




GOZO

Este lado subterrâneo do mundo feminino
cavalga silêncios
navega código misteriosos.
porão carbonário de acordos inconfessáveis
sussurros e cicios de bruxólicos segredos
consolo dos mártires
libertação dos encarcerados
prisão dos nascituros
encantatórias armadilhas encerra.
Senhora de gozos abissais
ou prisioneira dos mais terríveis medos
a fêmea avança, recua
permite, nega
rainha ou vassala
impera
dona dos mortais
Mas de Eva a Maria
Santa ou guerreira
inocentemente
se entrega






NO PRINCÍPIO ERA O VERBO


Às vezes me ocorrem
barbarismos de poesia
a palavra se insurge e me toma
concreta
sem retoques
completa
vai ganhando espaço, sem pedir licença
e segue, selvagem
sem marcar presença







CIO DAS HORAS


Inusitada figura de trânsfuga
simulacro
terata
com o meu corpo grande e estranho
ouço a minha voz interna de mulher
dizendo
calma, sinto o doce cio das horas
o doce chamado das entranhas
Quem virá?
Não sei
Talvez o passageiro do tempo
das estações
homem grande
desarticulado
objeto de desejo tão sonhado
e distante







CARPINTARIA

Todo poema tem um instante de hesitação
um momento de parada
uma dúvida
um vislumbre
Todo se resume na síntese de um segundo
quando as palavras insistem em se ausentar
e alguma emoção vagabunda se instala
Em Esra Pound a poesia idéia se declara
em Jacobson, configura o estatuto da materialidade da linguagem
A intuição do verbo me paralisa
Poyesis e prazer se confundem
A estesia me inaugura num tipo de mistério











OS SENTIDOS DA POESIA


A vigência da poesia
não tem duração de mandato
A buzina da polícia ressoa no ar
Ouço o grito no escuro
o tiro certo
pressinto grandes negócios
o destino por um fio
o limite do renegado testa a medida do mar
um corpo cai, de olhos abertos
poética do cruel
dessangrando em significados
a diversa realidade
Sublime ou horrenda
a poesia me excita mais







COTIDIANO


O travestimento do banal
descansa no extraordinário
Um menino jogando bola
um papagaio no ar
um pequeno cemitério,
de preferência indígena
Todos os figurantes vestem gala
e vão para a festa principal
Uma igrejinha na estradas
Uma professora e sua aula inaugural
Uma singela borboleta
que pousa na mesa da sala





DIZERES

O não-dito permanece ressoando
entre as vozes da vida
passeia entre as conversas de bar
entra nas alcovas baratas
Síntese de prístinas eras
se afirma negando
o banal
o cotidiano
o real
os sonhos
as esperanças
o necessariamente humano
patética dissimulação
do que todos sabem
e não falam
O não-dito desvenda a semântica do fogo
prisma visceral por onde o secreto saber escapa
súbito espanto
dos que não sabendo
sabem






DECÁLOGO


Exilada de mim
eu sou quem vai
e quem volta
Sou a metade que dorme
e a outra metade que acorda
Sou a legítima e a outra
constante movimento de esperas
longa paciência que diz não
breve sabedoria que diz sim
quando as urgências apertam










ERRO DE PALAVRA


Entrância
nada mais me socorre
corporeidade que acontece dentro e fora
matéria orgânica
visceralidade
semântica de uma orgástica palavra
sem verbete, sem matéria
lembrança ancestral
de um mundo sem nome
cheio de vocábulos estranhos










A NEGAÇÃO DO POEMA


Nem todo poeta faz poesia
Entre a inércia e a ação
há um desvelo, um hiato
descurando o verbo de sua existência virtual
Virtude ou vício
a negação do poema
as vezes se consuma
exumar a palavra
se torna um hábito







VIAGEM

Meu pensamento viaja
e as vezes se instala em um não lugar
a des-horas
aonde não acontece nem nada
Espaço não identificado de um mundo nem esquecido
Puro idílio
dos que não foram nunca sugeridos
com tumbas razas sem nome
e um velório com um velante
Tem prostitutas e senhoras
e famílias duvidosas
onde há virgens tresloucadas
e velhos se masturbando no escuro
um lugar perdido num não tempo
quimérico, lírico
que toda potência adâmica despreza
que todo poeta procura



ESPELHO


Náufraga inocente da dúvida
vejo o desfile da vida
sem espanto
já hesitei entre o pó das ruas
e o meu canto
vivendo à margem de mim mesma
ruminando
Eterna diáspora, sentimento do exílio
sobrevivi a mim
no entanto
Ásperas incertezas me atravessam
na crua nudez das horas
quis ser outra, em outro lugar
mas sempre encontro
o espantalho de mim mesma
em algum canto
a face real do avesso
o reflexo
as entranhas





TEATRO

A consumação de um entreato me inicia
Quando grandiosas cenas de um
viver único se confundem
Os poderosos donos da terra
teatralizam
valores de família em representações insólitas
A singeleza original de não se ter nada
resgata esta consumação
mostrando entre um ato e outro
outra alternativa








MURMÚRIO

Outras falas me comovem
vindas não sei de onde
Sabem a face da exclusão
algaravias de lavadeiras em rios
gritos de crianças correndo soltas
monólogos de velhos solitários
o canto monótono dos monges
a fala dos loucos sem nome
mendigos brigando na rua
obstinado sentimento de um mundo
que me faz atenta fora dele
Falas me adentram fundo
me embalam, me seviciam
o primeiro choro da criança
murmúrio de mãe, êxtase
putas gargalhando
alguém tocando um solfejo
assovio de madrugada
tristeza de mulher sem homem







FINAS SENSAÇÕES


Envolvida em latins e citações de Safo
vou saindo, finória
última espécie dessa raça insubordinada
que carrega o valor preclaro
da incurável rebeldia
Entre a latrina que fede e a delicada
sensação do amor
escolho o grito, o palavrão, a obscenidade
a explícita honestidade
das mulheres que nunca negam






VERNIZ DAS COISAS

O começo preanuncia o enredo
da trama vislumbrada
o laço
o dia a dia das coisas tem seu preço
o bêbado na esquina
o padeiro
o pedinte
o abraço
em cada objeto uma história
ruídos e vozes reivindicando presença
O cotidiano e seu mistério
as vezes se esconde
num retrato
O pecado original nunca cometido
teve seu início
num dia a todos igual
esse roteiro anunciado
não tem premeditação
doce cela
de viventes já cansados






TRAPÉZIO


O fio que une o ser à paixão
se desgasta
como filha que bate em mãe
dos navios só tenho fotografias
mas sinto dos seus apitos
a graça
A poesia afirma várias coisas
sem sublinhar nunca nada
os seres e as coisas desfiam nela
como folhas ao vento
ao sabor do acaso





GOZO ANCESTRAL

Fino desvelo
em poema o desejo se desata
puro zelo
finge recuo e nos desacata
O sino da Igreja bate
um estranho gozo me constrange
coisas antigas nunca acontecidas fazem memória
uma boneca de pano
um pedaço de giz
um palhaço
a agonia de Jesus se faz presente
gozo de quem ama e se despedaça
Minha mãe canta
um tempo antigo se atualiza intacto
Fabulo sons nunca ouvidos e gozo
o gozo do não-ouvido me surpreende
velas passam
a procissão segue, funérea
triunfo dos que sofrem e amam
a saudade do que não tive me conforta







DOCE AMÉRICA


Eu estou azul de fome
eu estou com uma fome azul
estou com uma fome negra
a fome é negra ou azul?
É verde-esperança na América do Sul












ENTRE A VIRTUDE DO VÍCIO


Há certas coisas que a paixão desaconselha
prefiro o essencialmente humano ao bom-gosto
sinto dentro de mim as próprias razões da dor
as entranhas mesmo desse sentimento
as ciladas do desejo
a solidão
e nesse estranho reflexo de mim mesmo
me vejo
despojada de inúteis defesas
e no comando de tudo, ela
a paixão.










TEMPO

Inexiste a calmaria das horas
quando tudo o mais anuncia
a passagem do tempo na carne
Tudo urge, emergência tardia
do que ficou para trás
paixão do instante
amores juvenis se vão
paisagens esquecidas
viajam sob a retina
inexatas, incertas
com a imprecisão de um momento












POEMA MINUTO


Quando penso
desescrevo














SENTIMENTO DO MUNDO


Toda virtude me assombra
tudo que tem nome fenece
o não falado o sonho arremeda
o extraordinário do nunca
em doses lentas acontece
Quem sonha pecados
arrepanha retalhos
do mundo da vida











SER TÃO


O arrenegado se apresenta
nos entrementes da fala
melífluo
cuidadoso
catimbento
cavalga os longe lugares do Sertão
o Sertão faz parada no invisível dos olhos










POEMA

Singular simplicidade
teorema desafinado
raiz
signo deslocado
desajeitado
se configura o poema
objeto estranho
desajustado
inconveniente
sensual e orgástico
irredutível problema
semântica do intraduzível
palavra selvagem
síntese do essencial
poexema






ANTIGAS CIDADES


Sinto saudade de um mundo que não vi
ante memória de um vivido que se perde
e num momento antecedente se desfaz
E lá existem cidades vazias
virgens de tudo que a vida traz
Pequenos objetos sinalizam antigas presenças
um pássaro na pedra
um desenho na rocha
e toda uma vida cotidiana se refaz
ossos
panelas de barro
antigas civilizações se entremostram
Calaram o grito do Inca, do Maia, do Asteca
Mas as cidades ainda estão lá





SENTIDOS DA NOITE


Vejo a noite
e seu expectro impressionante
sinto uma solidão obstinada
fatalismo dos líricos
realidade atávica
mansidão cívica
Todas as praças me emocionam
cobertas pelo véu da noite
prefiguro a sua corte de vultos
os mendigos que defecam
as gargalhadas das putas
o choro de alguma criança
a luz de algum bar distante
Eu queria a visceralidade dos miseráveis
a dolorosa humanidade dos perdidos
antes disso tenho a noite
e a solidão do meu quarto








FATHER



Ouvi um som muito distante
parecia a música de meu pai
Bach, Mozart, Vivald, Radamés Gnatalli
música clássica e moderna
meu pai está em Passárgada
lá ele é amigo do Rei
aqui viveu, amo, sofreu
e foi Rei


























SOLIDÃO


Jesus Cristinho me acena com a mão
Vem | Vem | Não vou |
prefiro alguma esbórnia
mesmo sonhada
prefiro














A CONSTRUÇÃO DO POETA


Um vazio de imagens me imobiliza
O império da angústia deve ser assim
ausência
fuga
impossibilidade
meu heroísmo consiste
em contrariar a natureza desse atavismo
e do nada encontrar alguma vida
O poeta se faz na adversidade
na negação dos sonhos
na natureza dividida









A ESCOLHA DA PALAVRA


Simulo esculhambar com o bom gosto dos bedéis
escondendo na algibeira a palavra exata
doce cicio de significados diversos
marulhando ao ouvido um oceânico sentido
Escolho nomes suspeitos
desprezo pessoas de bem
simulacro de pretensas elegâncias
Desavio qualquer nobre condição
resguardando no fim uma esperança
um presságio
ou alguma convicção










GAUCHE


Se der tudo errado
sapateio um flamenco
na avenida central da cidade
bebo um brinde ao anonimato
aos transgressores
e a todos os mal amados.
porque a glória não me interessa
mas rastreio a experiência genuína
o matiz da medula
tudo que ensina
mas desaprender todo dia é meu ofício
embarcação de contradições cheia
sem surpresas ou sustos
bailo esse suspeito sizo







O LUGAR DA HISTÓRIA


Letárgico pressentimento
ou antegozo de um futuro desejo
emergência de árida memória
a concretude da história se faz presente
misturando o que passou com o que virá
No dramático momento em que o cotidiano se esfacela
os seres e as coisas mudam de lugar
os sentidos deslocam suas hierarquias esperadas
E o que se julgava perdido desaparece
para reaparecer nesse outro tempo
de novas paixões
de palavras vãs




DESSACRALIZAÇÃO

Dessacralizo mistérios
como quem rouba segredos de virgens
dispo-me ao pé do altar
cantando e dançando as sagradas palavras
Em nome do pai,
do filho
do espírito santo
banho seus pés
como quem desnuda
o coração do amado
e viajo em seu corpo
como quem faz uma oração
Às vezes, tenho pretensões de princesa
é quando minha voz interior me cala
desafio toda a soberba
e vejo o tempo entrar pelo meu corpo
absorta, percebo que sou nada
qualquer provocação vulgar me embaraça
Sou da mesma laia das rendas ordinárias
quando alguma pretensão se instala
desaprisiono a minha porção marafona
Sumária




ÍTALO


Ítalo Mudado
ícone de alto astral
semeia ventos quando fala
colhe tempestades quando ri
meu coração fica aos pinotes
e evoca as coisas abstratas
o que há além da paixão
porquê o amor as vezes arrasa
evoca as coisas concretas
por exemplo poyeses
“ação de fazer algo”
tudo o que trabalha






CELIBATO

Todos vão à missa
ou às procissões
ou aos carnavais
No quintal do meu coração
germina um verme esquivo
origem de tudo que é estrangeiro
de tudo que vem de longe
de um outro lugar
Sobrevivo sistemática
aos grandes acontecimentos
acompanho paciente a banalidade dos dias
Estrangeira entre familiares
diferente entre iguais
a conseqüência de tudo desafia a esperança
mas às vezes o imprevisto se reapresenta
Todos têm filhos
todos amam
tudo vive e morre
filha e amante do tempo
erva maldita
sobrevivo em qualquer lugar

SENSUALIDADE

Comovida
como a vida
Nudez sem os disfarces
da beleza ou juventude
a sensualidade explicita
não escolhe religião ou pátria
os muito belos que me perdoem
mas calor humano é fundamental
Gozo anônimo
sem nome ou sobrenome
privilégio de rebeldes
inocentes como os animais
não sabe a inúteis cortesias
nem a gentileza de superfície
vai direto ao fundo do corpo
miséria das palavras
glória dos essencialmente imortais
A imortalidade jaz
num minuto de prazer real






CIRANDA


Uma ciranda me enternece
quem adormece criança
merece o prêmio dos céus
tão acordada me vejo
sem saída
sem descanço
Desperta vejo o fim de um ano
de dois, de três
da madrugada sou íntima companheira
Insônia
Síntese de uma vida inteira









ACORDO SECRETO


Minha mãe padece de dores atrozes na espinha
e canta
Eu queria um galinheiro no quintal
gatos na cozinha
cantar num jogral
tenho da vida as vísceras
da morte, a lembrança de meu pai
bato o pé e requebro regateira
enquanto tiro as roupas no varal
Tenho do futuro
a esperança
e do presente
alguma saudade








A NAVILOUCA

Navilouca atravessando o plenilúnio
pressaugurando o renascer do dia
passariáureas aves da manhã
pipirolando o solarlindo céu
a navilouca atravessa o dia
louca a nave vai através de
temporaliza a insólita
desconhecida imagem
não identificada, irredutível
vai

















DÚVIDA


Não tenho o passaporte para a felicidade
Nenhum devenir me atribula
um saber antigo se insinua
as instâncias de um delicado sentimento
se configuram
Não tenho nada a dizer
e estou só
Impotentes as velhas palavras
povoam o silêncio
Não tenho rugas
ou marca do tempo
além de alguma flacidez
e a inevitável
cicatriz de algum passado







FANTASMA


Eu queria conversar com a minha amiga
ouvir apito de trem
fazer alguma comida
Sinto a dor de minha mãe
me paralisando as entranhas
pairo sempre sobre os abismos
namoro os grandes pecado
sobrevivo
A decadência me transpassa em vôo razante
antes de mais nada
se impõem
vidas







POLIS


Sobrevoando labirintos de inusitados sentimentos
pouso nas esquinas de esquecidas sensações
e a concretude das ruas me desperta
A emergência do presente apunhá-la minhas pretensões
minha distraída intenção de ir adiante
Um pássaro de fogo pousa no meu coração
e queima minhas carnes flácidas
Riscando o ar com suas asas mágicas
preanuncia um definitivo augúrio
Os homens, as crianças, a cidade
tudo o mais anuncia
a lembrança do futuro










SONHANTE


Plurivalente pretensão de uma sonhante bela
a noite em clarividez se desfaz
e com ela todos os vários desejos
todas as ousadas carícias que a sonhante noite traz
As feras também amam
nos cantos recônditos da aconchegante noite
com garras de belas e polivalentes mãos
O país do corpo não escolhe, oferece
gozos úteis ao espírito são








OS SENTIDOS DO AMOR


Desmereço qualquer comenda
rio-me dos peitos impávidos
cheios de medalhas
Aos incautos ofereço uma prenda
o coração de um potentado em alguma bandeja
rica de bem aventurados
as vãs glórias cortejam
Meus pés sabem aos círculos de poeira
ao mendigo que pede
ao grito no escuro
Meu quintal tem bem-te-vis
tenho casa
tenho raízes
piso a terra com uma heróica certeza
permaneci crendo as incertas asperezas
amei os amigos
como quem carrega uma bandeira








TRANSPARÊNCIA

Clariluz
floriluzente jardim
passarinhantes aves trafegam o céu
Sol balão
crianças passeantes belas
atravessam o jardim
reluzente de briza
o vento brincando faz
tremeluzir o orvalho das flores











PLENILÚNIO

Sonhaz é o poente
e a sua fonte é de luz
Clarificante dia
voantes pássaros cruzam a atmosfera sagaz de sagazes
aves céucruzantes
Nuances de clarificazes cores
anunciam o plenilúnio
Lua plena de amor metálico







A VIAGEM DO TEMPO
Assertiva anunciação do dia
o galo canta
cavaleiro da manhã
Entre os minutos passam estradas
de aconchegantes lembranças
Minha mãe me chama
estou gripada
estou em casa
Ânsias de mulher madura
me sacodem
invadem as salas da memória
e se instalam
A cosmogonia do tempo
tem sua hora
e lugar certos
As humanas atribuições
não lhe alteram a face
Pelejas de heróicos guerreiros
não lhe sulcam o rosto
impávido
O tempo sempre faz a sua viagem
atravessando sutis distâncias
implacável






O PREÇO


O meu segredo companheira
eu adquiri a duras penas
nos desvãos, nos porões da cidade, nas trincheiras
é por isso que quando eu tento transmiti-lo a você,
eu fico muda, devagarinho
desajeitada feito pássaro sem ninho













A MARGEM ESQUERDA


Desaviso quem me acredita
sou um traçado incerto
tropeço no espaço vazio
passo falho
nenhuma alerta
meu gatilho nunca funciona
guerrilheira sem armas
ferida aberta


















SÍNTESE


Tenho o desassombro dos bobos
já fui animal um dia
serei estrela no céu









Í N D I C E


HISTORINHA ..................................................................................................... 1
ESCOLHA .......................................................................................................... 2
TEATRO ............................................................................................................. 3
DIAS .................................................................................................................. 4
POYESIS ............................................................................................................ 5
TARDE ............................................................................................................... 6
A CHAMA DA VELA ........................................................................................... 7
O CIO ................................................................................................................. 8
ERRÂNCIA ......................................................................................................... 9
GOZO ................................................................................................................. 10
NO PRINCÍPIO ERA O VERBO ......................................................................... 11
CIO DAS HORAS ............................................................................................... 12
CARPINTARIA ................................................................................................... 13
OS SENTIDOS DA POESIA .............................................................................. 14
COTIDIANO ....................................................................................................... 15
DIZERES ........................................................................................................... 16
DECÁLOGO ...................................................................................................... 17
ERRO DE PALAVRA ........................................................................................ 18
A NEGAÇÃO DO POEMA ................................................................................. 19
VIAGEM ............................................................................................................. 20
ESPELHO .......................................................................................................... 21
TEATRO ............................................................................................................ 22
MURMÚRIO ....................................................................................................... 23
FINAS SENSAÇÕES ......................................................................................... 24
VERNIZ DAS COISAS ....................................................................................... 25
TRAPÉZIO ......................................................................................................... 26
GOZO ANCESTRAL .......................................................................................... 27
DOCE AMÉRICA ............................................................................................... 28
ENTRE A VIRTUDE DO VÍCIO ......................................................................... 29
TEMPO .............................................................................................................. 30
POEMA MINUTO ............................................................................................... 31



SENTIMENTO DO MUNDO ............................................................................... 32
SER TÃO ............................................................................................................ 33
POEMA ............................................................................................................... 34
ANTIGAS CIDADES ........................................................................................... 35
SENTIDOS DA NOITE ....................................................................................... 36
FATHER ............................................................................................................. 37
SOLIDÃO ........................................................................................................... 38
A CONSTRUÇÃO DO POETA .......................................................................... 39
A ESCOLHA DA PALAVRA .............................................................................. 40
GAUCHE ........................................................................................................... 41
O LUGAR DA HISTÓRIA .................................................................................. 42
DESSACRALIZAÇÃO ....................................................................................... 43
ÍTALO ................................................................................................................ 44
CELIBATO ......................................................................................................... 45
SENSUALIDADE ............................................................................................... 46
CIRANDA .......................................................................................................... 47
ACORDO SECRETO ........................................................................................ 48
A NAVILOUCA ................................................................................................... 49
DÚVIDA ............................................................................................................. 50
FANTASMA ....................................................................................................... 51
POLIS ................................................................................................................ 52
SONHANTE ...................................................................................................... 53
OS SENTIDOS DO AMOR ............................................................................... 54
TRANSPARÊNCIA ........................................................................................... 55
PLENILÚNIO ..................................................................................................... 56
A VIAGEM DO TEMPO .................................................................................... 57
O PREÇO ......................................................................................................... 58
A MARGEM ESQUERDA ................................................................................. 59
SÍNTESE ........................................................................................................... 60

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