segunda-feira, 26 de março de 2018











MATIZ

DA

PALAVRA






Helenice Maria Reis Rocha










CONVICÇÃO


Tenho a convicção da dúvida
diáspora de inocentes certezas
O sentimento do tempo
pássaro mudo frente às exatas
humanas melodias
ergue-se monumental
calando compassos e euforias
Tudo passa,
Veloz ou lentamente
O riso tem a geometria do segundo.






















DESEJO


Garras de seda
deslizam mansas
marcando o ventre
da paixão
são as tenazes do desejo
sem aviso
escorrendo como suor liso
marcando as entranhas
da minha solidão.























CIRANDA


Uma ciranda em dó maior
ceifa o matiz da palavra
na garganta
Ressoa no ar o grito silencioso
de uma voz antiga
rude solidão povoada de fantasias
e esbórnia
Sejamos infames, disse o poeta
Sejamos poetas, dizem os infames
Neste momento,
a gentil humanidade dorme
e a dor da noite me corrompe.


















CACHOEIRA


palavras — cachoeira
caem na minha retina indefesa
Vejo palavras — cristal
na tela de doces memórias
momentos transparentes
de sentidos múltiplos
rebrilhando nas facetas do verbo,
ao sol
palavras metal
cortam minhas frágeis
expectativas
O verbo em mim
Se mobiliza.













SAUDADE


Saudade — Labirinto
por vários caminhos
a recordação se insere
Passeando lenta
ora se afasta, ora se adere
aos porões da saudade
explosão de múltiplas memórias
face de várias estradas
cristal de direção vária.






















O ANJO


O oco da noite
ressombra minha janela
Estrelas piscam entre as frestas
Um anjo ambíguo aparece num portal
Entre rendas e babados espero
a sentença do imortal visitante
Hesitante ouso interpretá-lo
Ele responde:
América do sul
América do sol
América do sal.
























ANUNCIAÇÃO


A anunciação do dia
Senhora nossa nos dai
A manhã esperada
reaparece
nas transversais das ruas
onde crianças seminuas
engolem estranhos metais
A anunciação do dia
Senhora nossa nos dai
E da nossa secreta rima perdida
Tirai valor.






















DIA


Dentes de sol
mordem a pele
de doces devaneios
louca epifania de fantasias vãs
O homem sonhado
me olha de lado e de viés
O homem real desperdiça a minha geografia
Onde, em que via
a humanidade forja o real sonhado?
Pelas frestas do desejo
a minha alma vazada
espia.




















ANUNCIAÇÃO


Varal de risos
espiral de avisos
a vida anunciada passa ao
largo da anunciação
Sombras e gritos
preanunciam a devoração
matéria de vidro, vida, sonho,
corte e sal
Devaneios sangram nas últimas
notícias do jornal.
























TEMPO


Cavalgando o tempo
muita gente pensa
em ganhar a vida
cavalgando o vento
muita gente volta
antes da partida
cavalgando a noite
muita gente grita
antes do açoite
cavalgando o dia
muita gente chora
antes da agonia.




















NOITE


Uma noite lisa
chove calma
em telhados sonolentos,
Sombras e sonhos
avisam
a metálica precisão da
superfície lunar
Joanas e Maria,
guardam nas coxias
surpreendentes precisões
A cidade dorme
sonolenta e fria
sob a noite lisa.


















MÃOS


Mãos de água
fertilizam
um
anônimo desejo de mundo
felicidade de não se ter nada
de se estar só com a multidão
Gozo de quem vem de outro lugar
mas sonha.




























VIDA


A minha vida caminha
como espinhela de peixe jogada ao
Léu
O destino, negociado em suaves
prestações, espeta
Dos infinitos nãos a síntese alerta
Chega a poesia sem pedir licença
declara presença
e se abanca
obstinada aliança entre o
que nega e o que proclama.



















CARROSSEL


Carrossel de sombra
projetando penumbra
passa lentamente
sob um céu letárgico
pássaros mudos riscam o ar
De quanta humanidade
vária se constrói
o arsenal
capaz de se constituir
em carrossel
À sombra de um sonho
cada um caminha
vencendo moinhos
semeando ventos.









DIA BRANCO


Um dia branco
como as faldas de um desejo dormido
Hoje, como ontem
a patativa canta
em algum lugar em alguma hora
La fora os viventes vivem
gritam
riem
sussurram
Um dia a mais
como qualquer outro
as mesmas manchetes
nos jornais
Aonde a doce visita anunciada
a carícia
os exponsais?
Em algum canto inexplorado
Sonho obstinada
a celebração da vida.












TERRA


Cheiro de terra molhada
Vestida de anseios mornos
O forno do pão relumeia
No quarto dos fundos
verniz asa de barata e
cachaça
sabão em barra
baratas
Lá fora
mãe, clarim de voz
me chama
me ama
com anelos de virgem.












FINGIMENTO


Finjo o olhar percuciente
da dor e sigo
com anseios de vésperas
e certeza de despedidas
medidas no peso e no balanço
de horas
a poesia me fixa ao chão
solo de todas as asperezas
Na ante câmara do tempo
o vento de todas as demoras
devasta a fragilidade da razão
aflito.






















FINGIR


Finjo que não sou poeta e
digo: nunca serei poeta
sou apenas a artesã
de assimétricas teogonias
negando, afirmo
e insisto
no deslocamento
da hierarquia de velhos sentidos.
























BEBELA


Bebela come bala dura
desafiando nossa dúbia suavidade.
Lá longe, no morro próximo
um papagaio perfura o céu
Uma criança descalça
esfalfa
a nossa ambígua civilidade
Bebela é linha dura
faz xixi no asfalto
e nem olha p’ra trás
fez dois anos no mês passado.





















GARGANTA


Uma garganta de musgo
paralisa uma palavra vadia
vazia de significação
aterrorizando a inocência
esculpida em parcelas
de natureza e sol
A natureza mobilizando os sentidos
potencializa gemidos
de cacos de palavras
presas na garganta.





















ISTO


risco
a dor
de não ser
isto
arrisco
o amor
de não ter
dito
sufoco
o meu grito
aflito
grito
a dor
de não ter
visto.
























FERNANDO PESSOA


Fernando Pessoa
afirmando, soa
a dor de não estar ausente
no momento da dor.

























TEORIAS


Da venerável teoria da cloaca
o que sobra é a
malversada infância denegrida
na avenida as buzinas troam atrozes
vozes
passos
alarido
E para esse verso sentido
nem borra de café?
Sobre um pé minha mãe
lava as panelas
e sente dores atrozes na espinha
e sorri
e canta
a absurda indiferença
das horas.







MÃE


Minha mãe
O vício maldito
da dor escondida
O sol aos bem aventurados e
aos vencedores
Hoje quero esquecer a metáfora
Somos o lado carbonário da vida
o que geme e sorri quando chora
o que clama e sempre acaricia
Não quero perder o fio da meada
Somos o tapete mágico
onde a musa canta
sangrando a dor calada
da nossa nostalgia
Somos a face hospitalar
do mundo dourado dos deuses
minha mãe
como eu te amo!
e não posso nada!









SEM NOME


Voar ... Voar ...
Sem nome
Sem família
amigos ou pátria
pura errância de domingos
Sem programa
Aonde o sorvete de fel
falência das mais doces
aspirações?
Numa saudade de querer estar
em outro lugar e estar ali
entre reclamações e gemidos
entre cobranças do que é devido
vontade de andar ... andar ...
para nunca mais.























A HORA H


A hora de cabelos verdes
alcalinos
Terra! mil vezes terra
Chuva, terra molhada
para semear uma sede de nada
e contemplar um céu de estrelas
em pé de igualdade.















VERBO


Linhas crespas
chovem febris
entre a solidão do verbo proclamado
e o silêncio
entre a usura e a proclamação
caminho
a eterna fuga da palavra
finas bestas
usurpam
a rude face eterna
do indizível
com circunlóquios
e ridículas gentilezas
O que vige
está para ser dito
mas o inaudito permanece,
Selvagem.













FIM


Não há nada no final do arco-íris
além de bruma e voragem
pétalas de aço
viajam num tempo esquecido
Lembrando
a insólita dureza das miragens
Nada explica a granítica exatidão
de uma miragem
presença anônima
desejo em estado rarefeito
solidez e ilusão
salvífica impressão
de quantos ainda sonham.






















CASSIZ


Sangue de cassiz
corre nas minhas veias
Ando doce como Licor
o olor de velhas lembranças
chegam às minhas narinas
abertas, como asas
sobre a lenta voragem
dos dias.





























LUA


Vejo a lua
e a sua sombra me assombra
a Lua a Lua a Lua
a rua a rua a rua
assombram o silêncio das coisas.



















SEM NOME

Por onde anda
a incerta oscilação das horas
quando um pensamento vago
circunvaga
as dobras da lancinante
solidão
conheço a dor da carne
aberta a faca
e a náusea
de estranhas secreções
pingando fecundas em
um quarto de hospital
Meu amado é uma montanha
branca
que retém as minhas vísceras
meu sangue ralo
meu sentimento
em suas mãos
Meu amado é uma nave mansa
que me arranca da morte
e tira os meus pés
do chão.









DOR

O teto
O quarto
A dor
Sentimento sem nome
É dor só
Dor varada pela
doçura do doutor Cláudio
Dor não é nome de gente
Não merece nome próprio
E a doçura do doutor Cláudio
Montanha branca
de consolo e paz
Se amor matasse eu já tinha morrido.













TROCA DE PELE

Tudo por um triz
Refaço as contas do meu rosário
Rasgo as minhas vestes
Acaricio as marcas da minha
Pele de fera
Loba no cio
Quero o marido das outras
O homem roubado
Caem-se as máscaras por Terra
Insensata ressaca de maresia
Já não sou anjo nem bela
Mas uma voz secreta se atualiza
na singela sabedoria
de mulheres ancestrais
Um dia, terei o outro
p' rá despir a minha
pele de bela.



















CARNE CRUA

Usando a crua nudez do verbo
essa hérnia me apavora
As vezes esqueço
As vezes enlanguesce uma
absurda fé na vida
Acredito, quero acreditar
Eu também tenho sorte
A operação vai dar certo
Eu mereço.














O POLVO

Um polvo apavora a cidade
com seus tentáculos
tritura os pobres
os loucos
os amantes
as mulheres
as crianças
Todos dão tudo o que têm
as casas
as escolas
o corpo
a vida e a alma
e não pagam o preço do polvo
A polis e o polvo se juntam
numa ciranda louca
e os justos embalam
O sonho de um mundo melhor.













PAIXÃO E FÉ

Uma fé inocente
nos seres e nas coisas
a Terra da esperança deve ser assim
A alquimia da palavra
cria realidades
transporta sonhos
as vezes brutais
as vezes banais
A dura economia do desejo
resposta frugal
mobilizando a armadilha
de todos os abandonos.
Quem sobrevive a isto?
Talvez algum ser primal
anterior a todas as prisões.


















A PROCURA DOS SENTIDOS

O desenho do lápis
baila este estranho desatino
de buscar sentidos
nos labirintos de palavras
escondidas nas dobras de alguma memória
Se eu dissesse castelos teria que dizer quais
Se eu quisesse mistérios — teria que dizer tais
Quero tão somente a mudez das horas
e não encontro.



















FABULAÇÃO

Participo da natureza das pedras
corro com as águas que molham os matinhos
menstruo
caminho o meu olhar com as
correições de formigas
amanheço nua
eu, pobre mulher de tudo esquecida
tectônica rima de tudo o que é vida
desconheço ofícios
delego antigos vícios
a quem quiser e interessar possa.









NUDEZ

Toda nudez me comove
repito um milhão de vezes
espero sempre a sentença dos sentidos
Cada minuto
Cada sono
Cada ausência
A despedida de quem vai
Os exponsais
As exéquias
Nada supera a exatidão da nudez
Seja a das crianças
a do tempo
Os sentidos da nudez
me absolvem.




















ARQUEOLOGIA DO VERBO

Quero a anti-poesia
Chega de palavras belas
“O caso, estrelas, nostalgia...”
Quero o anti-poema
A heróica concretude da pedra
Chega de belezas eternas
Tudo o que é chato pede rima
Quero a palavra que fere
A fúria das meretrizes
Um gole de veneno
num dia de sol.






A DANÇA DA VOZ

Ninho de pérolas
a dança da voz
seduz
como aconchego de
morada de pássaros
nos discursos
nas orações
nos rituais
nas falas ancestrais
a fala mágica
atávica
atada ao vício de dizer
o inaudito
colada ao destino de dizer
o esquecido
a voz
nas esquinas
nas missas
nos cantos
nos jograis
Na poesia
o império da voz
se atualiza.


QUALIDADE SEM NOME

Cicio do ar
Voz do vento
Lamento
a geometria das folhas secas
revoltas
na poeira de velhas estradas
engenharia de um mundo perdido
no tempo de antigas sensações
A dura lição do mundo
atualiza multidões
Luzes
Aglomerações
A poética do metal
se sacraliza
sangrando a pele imberbe
de ruas virgens
que teimam em permanecer vazias
intocadas
Sem mancha dos amontoados
de casas comerciais.














PALAVRAS

Cristal de pedra
dura sensibilidade
forjada no alto forno
de uma álgebra de
exatas palavras
fanal de vésperas
a ante-câmara de todas as esperas
apolínea firmeza das horas certas
Tudo o mais é nada
diante de uma poética da exatidão.

















TEATRO

Uma fala de guizos
alegra as cercanias de cidade
risos
piruetas
evoluções
o Teatro das ruas
das avenidas, dos corações
Um tempo sem pátria
se presentifica
Uma mímica sem brincos
sem ornatos
Me invade a percepção
a velha pergunta
quem alegra os palhaços?
Se faz Teatro
dentro de mim.














ESTRANHA CRIATURA

Gilete nas pontas dos cabelos
Sou esse ser cindido
Metade choro
Metade riso
Metade mel
Metade perigo
Cheiro de rosas nos pelos
Sou criatura barroca
Metade barro
Metade oca
Sempre pronta
p’ ra algum risco.













DA NATUREZA DO POEMA

Quero um poema verde
desfolhando incertas impressões
adolescente e imberbe
como os filhotes em dia de amamentação
Um poema imaturo
Verde, verdinho
como um bezerrinho indefeso
Quero um poema azedo
como frutas campestres
azedo, azedinho
como balas e papel crepom.







METÁFORA

Corcel branco
riscando o céu de um pensamento vadio
a certeza da manhã se faz presente
Entrementes um sentimento
rubro como a tormenta
viola a branquidão da manhã
Quem se faz anunciar tão lentamente
como a voz de um presságio distante?
O Dia vem longe
cavalgando a branquidão violada
de uma manhã distante
Corcel negro
riscando como bala
o véu da noite
a certeza do dia
se faz ausente
Pai nosso que estais no céu
Que será de nós na
imprecisa configuração do dia
quando todas as desculpas
tiverem nos esgotado?
Rubra tormenta
Viola a manhã.











PELE

A pele das coisas
tem a textura de um dia
Frágil
sangra a dor do
nosso suor
sustenta a carnação da vida
A pele das coisas tem
a nervura nervosa dos
dedos dos amantes
A pele da vida
as vezes dói.



















AMIGO

As vezes a dor supera
a poesia
E esse exercício parece banal,
até perverso
Como diminuir a dor do
meu amigo
no hospital?





















SOL

Teia iluminada
uma trama muda invade o
sol do meio dia
As horas param
A urdidura do silêncio da luz
aquieta todos os alaridos
comove todos os sentidos
trama pressentida
da nudez das horas.

















BATISMO

Tigres de vento
rasgam o ar
ferocidade
feracidade
medida na balança
felinidade
Os tigres de vento
arranham o ventre
da cidade
A cidade grávida
de homens – tigre
riscando as ruas
os céus
os mares
homens – fera
batizando o ventre
da cidade.











O GRITO

O desenho do grito
tem a urgência da dor
A emergência do grito
lateja nos porões da cidade
mendigos
putas
crianças
desfilam mapeando
maltrapilhagem
nas avenidas principais
O desenho da dor tem urgência
do grito
emudecido pelas luzes de neon,
pelos cristais.








X

A incógnita da voz
O silêncio da palavra
tatuam a superfície
das coisas mudas
O sentido cala
O que ressoa é a dúvida
Quem sabe mesmo a face
real das denominações?
Como cabra-cega caminho
pelos labirintos da linguagem
o secreto destino dos que não a sabem
mas desconfiam
fiando secretas fabulações
no estilete do que não se diz
assim como o escultor
constrói nos vão da pedra.












NOITE

Como um solo de violoncelo
minha solidão invade
a singularidade da noite
antigos cicios e sussurros
bailam o solo da memória
Nem sei mesmo se era de violoncelo ou de sax
Um músico na madrugada
meu pai
tocava gaita,
e chorava
eu, poeta
meu pai, poesia.



















DOR DO MUNDO

Mói
Dói
A engrenagem do mundo
Me cabe um papel menor
o de juntar meus cacos
numa esquina
ou de jantar sozinha
em um restaurante imaginário
nenhum negócio da china me consola
não sou grande, nem poeta,
Tenho apenas um
pobre coração vagabundo.
















A PROCURA DAS MATEMÁTICAS

A solidão é uma álgebra
tem sua matemática
A nostalgia de um apito de trem
comove
move a parafernália de antigas nostalgias
O só, ouve o ruído do silêncio,
percebe estranhos personagens,
rostos misteriosos talhados
na madeira de alguma móvel
o rachadinho de uma xícara
em um cristaleira
Uma estrela nova no céu
O só, ouve o riso do vento,
e continua só, como um teorema.















VITRAL

Cacos de um vitral
filtram
uma distraída viagem da luz
pelos desvãos do ar
desenhando as sombras e as cores
no chão
Vida estilhaçada em matéria de corte e sol
Vida – Vidro, pelas mãos do
artesão do sagrado
tremeluzindo dentro da catedral.
















MINAS

Suave linha do horizonte encontro
de céu e Terra num momento só
Tão só momento vastidão dos montes
destas minas gerais, encanto do ar
Espero em Deus, poder todos os dias
saldar os montes deste mundo mar
mar que se esconde
nas montanhas quietas
esperando calmo
quem nunca vai lá
mar de montanhas
como só minas sabe
mar de montes verdes
que eu sempre hei de amar.

















VIDA

A urdidura do grito
ressoa sangrando
a aridez das coisas
Tecido que ressalva
a vida
Salva reurdindo
novas teias
novos dramas
Salva ressurgindo
novas urgências
novas penas
A urgência do grito se
faz presente.

















EU, MULHER

Eu, mulher, grito
a dor de todas as vezes que
bailei entre abismos
sangrando os pés na linha
fina do trapézio — vida
Punhal na barriga
sempre à flor dos lábios
Eu, mulher, grito
a vida solapada pelo pai,
pelo filho e pelo espírito santo
no momento da bofetada insana
Deus nosso pai se faça presente
e venha resgatar-me a vida
Tramada em risco.














PEQUENO APOCALIPSE

A viragem acontece em linha reta
flores chovem febris sobre o urro
pressentido
ferinas falas ferem a epiderme
das palavras
As pedras gritam
Uvas sangram nos quintais
Toda a cosmogonia se retorce aflita
O sacrifício dos justos a aranha
da morte tece
Da trama pressentida uma fenda
em algum desejo vão apodrece
A ternura dos amantes ainda
caminha muda sobre a Terra
Barrando a potência do punhal
na natureza.














CONSPIRAÇÃO

Singela conspiração de
murmúrios
Doces e tépidas carícias
a doçura dos amantes se
atualiza
sobre a exata fabulação dos dias
Quem dera fosse na veia das
paixões
a passagem para o país de
todas as ternuras.















HOMENAGEM À GARDENAL

Ernesto Gardenal
Poesia que tem mãos
e que resgata as vísceras
de todo sentimento do humano
rasgar de carnes na devoração
de eternos sacrifícios
Centelha de um coração
em chamas
nas portas das prisões
dos prostíbulos
dos hospitais
Ernesto Gardenal
recolhe a dor dilacerados
na ponta da palavra.















O PALHAÇO

A dança dos sentidos
embriaga o bordador do tempo
artesão de antigas cronologias
fabula orgias
Juiz de um espetáculo
findo
no começo de velhas artesanias
astuto artesão de
belas cosmogonias.




















TEMPO

Quem virá para cancelar
minha poesia?
O que dá vida, o que ceifa
Quem pode, no final, saber a
colheita?
Ele decide, ele aceita
Ele nega, Ele afirma
o secreto caminho das horas.



















ARQUEOLOGIA DO GRITO

Tigres de fogo
incendeiam os véus da noite
rasgando as virginais
vestes
das noivas
equação de feroz simetria
equilibrando o sonho nos porões
poesia solta na cidade
Tigres de fogo desnudam
a pureza sentida
de um gemido na noite.





Í N D I C E


CONVICÇÃO ............................................................................................... 1
DESEJO ..................................................................................................... 2
CIRANDA .................................................................................................... 3
CACHOEIRA ............................................................................................... 4
SAUDADE ................................................................................................... 5
O ANJO ....................................................................................................... 6
ANUNCIAÇÃO ............................................................................................. 7
DIA ............................................................................................................... 8
ANUNCIAÇÃO ............................................................................................. 9
TEMPO ...................................................................................................... 10
NOITE ....................................................................................................... 11
MÃOS ........................................................................................................ 12
VIDA .......................................................................................................... 13
CARROSSEL ............................................................................................ 14
DIA BRANCO ........................................................................................... 15
TERRA ...................................................................................................... 16
FINGIMENTO ........................................................................................... 17
FINGIR ...................................................................................................... 18
BEBELA .................................................................................................... 19
GARGANTA ............................................................................................. 20
ISTO .......................................................................................................... 21
FERNANDO PESSOA .............................................................................. 22
TEORIAS .................................................................................................. 23
MÃE ........................................................................................................... 24
SEM NOME ............................................................................................... 25
A HORA H ................................................................................................. 26
VERBO ...................................................................................................... 27
FIM ............................................................................................................ 28
CASSIZ ..................................................................................................... 29
LUA ........................................................................................................... 30
SEM NOME ............................................................................................... 31
DOR .......................................................................................................... 32


TROCA DE PELE ..................................................................................... 33
CARNE CRUA ........................................................................................... 34
O POLVO .................................................................................................. 35
PAIXÃO E FÉ ............................................................................................ 36
A PROCURA DOS SENTIDOS ................................................................. 37
FABULAÇÃO ............................................................................................ 38
NUDEZ ...................................................................................................... 39
ARQUEOLOGIA DO VERBO ................................................................... 40
A DANÇA DA VOZ ................................................................................... 41
QUALIDADE SEM NOME ........................................................................ 42
PALAVRAS ............................................................................................... 43
TEATRO .................................................................................................... 44
ESTRANHA CRIATURA .......................................................................... 45
DA NATUREZA DO POEMA ................................................................... 46
METÁFORA .............................................................................................. 47
PELE ......................................................................................................... 48
AMIGO ..................................................................................................... 49
SOL ........................................................................................................... 50
BATISMO ................................................................................................. 51
O GRITO ................................................................................................... 52
X ................................................................................................................ 53
NOITE ....................................................................................................... 54
DOR DO MUNDO ..................................................................................... 55
A PROCURA DAS MATEMÁTICAS ........................................................ 56
VITRAL ..................................................................................................... 57
MINAS ...................................................................................................... 58
VIDA .......................................................................................................... 59
EU, MULHER ............................................................................................ 60
PEQUENO APOCALIPSE ......................................................................... 61
CONSPIRAÇÃO ........................................................................................ 62
HOMENAGEM À GARDENAL ................................................................. 63
O PALHAÇO ............................................................................................. 64
TEMPO ...................................................................................................... 65
ARQUEOLOGIA DO GRITO .................................................................... 66

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