segunda-feira, 26 de março de 2018














A SENTENÇA
DA TARDE









Helenice Maria Reis Rocha







AS VARIAÇÕES DO TEMPO



Deslizando entre rios mudos
o ventre do tempo
mostra seu útero quando cala
As trincheiras da palavra dançam
em suas vértebras
e não ferem nada
Pássaro de cristal impávido
frente a temores e falas
caminhando entre veias surdas
A pele do tempo
marcha
desfilando a sua mudez
preclara.











A PALAVRA


Danço em chuvas de alfinetes
quando perfilo a palavra
Meandros de sentidos
definitivos
a dança da fala
fere os meus cernes
Sem bússola entrego-me
às versões do verbo
como os vermes procedem
à devoração
Perco a luta
Floresce a palavra em
verbo refeita
Sou cadáver em
consumação do verbo.









NATAL


Aquele sol baila fibras em
minhas vísceras
entre-luz piscante de claro
e sombra
caminho, nas ruas, tonta
embriagada de tensão e
calma
é natal
avenidas de marzipã povoam meus
sonhos.
Já não sou, não fui, não serei
Estou
Feliz
entre os homens.












O AVISO DO FIM


O último riso da terra
há de ser de criança
antes do apagar das luzes
do cataclisma final.
Assim fabulo o batismo do fim
Eu que atravessei esperas
Sorvi as chuvas
Lambi o vento
O último gemido da noite
há de ser o da infância
assim calculo o fim do dia
embalado por um som
do passado.












A ESCRITA


Escrevo no barro o próprio barro
maculando a nudez comovida do
verbo
Comando a mudez da fala
conspurcando a solidez do verso
Os sentidos do barro me aguçam
maculação de fecunda vida
feita
Busco os charcos, os vãos, as
trincheiras
onde nascem as cicatrizes das
palavras.












O SOL


Esta tarde é como um sol
sem bruma
Os fios das horas invadem
a sala pálida
perdida entre as salas do mundo
O abandono do mundo bate
ritmado no relógio dessa
sala
relíquia de tudo o que
já foi um dia
A sala, o sol, o tarde
prosseguem sendo
presença perdida na
memória.









OS JARDINS


A carne das flores
fecunda os varais do tempo
nos jardins
e essa matéria adormece
os sentidos dos homens
numa epifania de cores e
cheiros
As flores são a ante-espera
das vésperas
nas festas
nos batismos
nas exéquias
A carne das flores adormece
as gotas de sangue
nos jornais.














OS COMEÇOS


Ver as coisas pela primeira vez
é sentir o batismo dos começos
Como um felino salto de
veludo
o olor do tempo
cala a nudez das coisas
As dores se acalmam
As manhãs nascem
sob um sol azul.















OS PÁSSAROS


Os dias contam a litania
dos pássaros
assim como as ruas cantam
o segredo das pedras
cada ladeira tem seu
encanto
cada canto sua fala
em ruas imaginadas me
escondo
como quem guarda tesouros
sonhados
as ruas reais me cansam.












O VENTO


Punhal ferindo o vento
o aço do verbo me faz
presente
como quem pressente
o suor das palavras
escorrendo sobre sentidos
exatos
e nessa peleja me reinvento
escolhendo dedos
seduzindo o tempo.
















SOMBRAS


Felina equação das sombras
a minha voz desarmada
salta sem garras sobre
as ruas do tempo
Antigas vozes fazem presença
A benção do pai
A tosse do avô
A avó materna canta
Foguetes espoucam no ar
Dia de Nossa Senhora da
Conceição
A saudade é uma espera.













A CIDADE


Aquela cidade era como um
rio sem rumo
murmurando águas de não
sei quando
incerta equação de uma
lembrança mansa
Existiu não sei aonde
em que beira de estrada
ou época
Sua memória está na beira
das águas
que vão e vêm
como as histórias.










A VOZ


No dorso da voz
cavalgam memórias
esquecimento e falas
Os segredos das avós
a força da presença materna
o sangue das valas
Coloridas palavras correm as avenidas
do verbo
Antes
só a viagem do silêncio
nos corredores, nas salas.
















PRESSÁGIOS


Tenho fortes presságios às vezes
Nem sempre acerto o caminho
das profecias.
Minha presença é um sussurro
um débil pedido sobre o seu
descanso
Busco a equação da carícia
a gentileza sem nome
balbucio
como um personagem à deriva.














A POESIA


A poesia me achou num
dia estafante
de muitas obrigações e
canseiras
Eu não estava lá
não tinha tempo
Hoje atesto meu sinal de presença
entre xícaras de café
pão e fermento
Na cozinha, no quintal
no coito, no próprio cansaço
como quem pede desculpas
e despede a ausência.












A CARNE


Carne de vidro em lembranças
temporãs
fios de risos atravessam as
ruas
Tão sós, as ruas
São crianças nas praças
pardais implumes nos galhos
carros, fuligem,
Tão sós, as ruas
que se quebram como carne
de vidro na memória.















ABUSOS


Como uma cadeira sem uso
deslizo meus abusos
sobre as horas
Já percorri as cores do
arco-íris entre ares de
geografias distantes
absorta em calcular
minhas geometrias do nada
Hoje percorro os meus urros
como quem proclama sentenças.












PAPEL


Como um papel voando
sem rumo
a voz das coisas
fala devorando as trincheiras
do silêncio
Alguma coisa de acaso perpassa
essa voz
São algaravias de moça
risos de crianças
tosses
o burburinho do mundo
nos jornais
A voz do mundo não cala
A voz das coisas não fala.














O RISO


O riso da tarde não
desfaz as manhãs
Vários risos em várias
tardes não valem uma manhã
Anunciada manhã há de
nascer entre fios de
sol
Engrandecendo os homens.

















O DIA E A NOITE


Aonde o dia tão sonhado
que se faz ausente
quando a noite cai
Os grilos e as cigarras
anunciam o açoite
quando o dia vai
Quem canta ainda esse
dia ausente que a gente
até treme quando a noite
vai.













A TRAMA


O aço de um desenredo
está no desfiar da trama.
Porfio, dos amores, os secretos
Desenrolando o novelo da história
desteço dramas
abastecendo o meu baú de
esforços
A medula dos começos tem
seu preço.
desafiando o tecido das falas
desnudando as fibras de uma
graça
Confio no tempo
Desteço palavras.














MEUS DRAMAS


Desatavio meus dramas
numa tarde limpa de sol
profanando estigmas
carregando traumas
Desaviso a força das esperas
acreditando o devir
Desdigo meus deuses
anunciando o riso
claro da manhã.















BONDINHOS


Saudade dos bondinhos
dos pic-nics, dos troleybus
Ainda vejo as toalhas nas
Janelas em dia de procissão
O antigo e o novo em cumplicidade
Ardem os meus pudores avaros
diante do milênio
Prezo as rezas e os clamores
do povo
Trafego na internet como quem
dança em ovos
e sonho.














BRASIL


O útero da noite me aconchega
Vejo um documentário sobre a Bahia
na televisão
Dos Brasis o que mais me
assombra é o da Bahia
com suas sombras, seus rituais
O ventre do açoite me assusta
como gemidos de escravos
de crianças mortas
No céu a lua clara desatavia
meus mistérios.
















CAMINHOS DA TERRA



Linhas de sol me invadem
ardem
O sabor do verbo me aclara
como linhas de sol
A palavra tem metas
e caminhos
como os rios
como as valas
Os saberes do verbo me declaram
como rios caminhando para
o mar
como valas caminhando para
a Terra.















SAIR


Eu quero sair numa noite
clara de branca lua
e sentir o olor da gente
nos meus pêlos
bailar nas ruas uma
coragem nova
e beijar o vento e
lamber a chuva.


















BEIJINHOS


Soprando beijos de leite
Isabela balbucia
lambendo o ar
sorvendo o vento.
O seio materno sorri
claro alento
Isabela minha bela
Neném de olhos graves
grandes
sonolentos.









O NADA


Brincando de vento
penetrei as trincheiras
das horas
Bailei o tempo
Atravessei espinhais
Como um desenho no
ar permaneci invisível
no altar das feras
Bela sem adereços
sou o beijo do silêncio
a geometria do nada.













AS BOLHAS DO SOL


O sol se desfaz em bolhas
na virada calma
das travessias
Vejo o sol
e sua luz me assombra
em equação de sol e sombra
Me refaço
traço meus dias
virando travessias
em mansa barca de calma.













A PAZ

Espero a paz na varanda
Ela vem adornada
de guirlandas
como em dia de festa
Vejo o sol da janela
e a paz encostada nela
como em dias de sonho
Vejo o dia dormir
e a noite adormecer
as belas
e a paz adormecer com elas.












FIBRAS

As fibras do verbo falam
nos desvãos da palavra
desfiando porfias
Tão clara a equação de
um verso
mar de falas aclarando
as frestas da voz
declarando guerra
pedindo paz
enfibrando falas o verbo
se faz palavra.















A NOITE


A noite me aclara os sentidos
Meus fantasmas me saúdam
cordiais
me falam aos ouvidos.
Branca Lua de céu liso!
Inaugura os sonhos dos
malditos!
Abençoa o sono dos mendigos!














OS NÃOS

Bendigo os nãos e as esperas
como quem sabe a hora
da partida
e o destino da chegada
Desteço intrigas
Engendro falas
no doce murmúrio das horas
Peregrina do tempo
tecelã de palavra
professo o destemor do riso
e o grito que não cala.













BELINHA

Isabela me disse que é mãe do
vento
Vejo paisagens no castanho dos
seus olhos
Sua vozinha me chamando, por dentro
titia! titia!
Isabela me disse que o
vento não morre
e que é feliz.













A LUZ


A conspiração das sombras é
o reflexo da luz
lado obscuro dos sentidos
nublado de gemidos
e de nudez
O sol engendra linhas de
luz porfiando o secreto
caminho das fabulações
Espero o dia como quem bebe
sol e engole sombra
caminhando entre verbo e falas.













OS AZUIS


Tão simples a tarde
navegando calma em
mar de vento
Tão clara a tarde
balbuciando azuis em
céu de alento
Tão bela a tarde
desfiando o sol
parando o tempo.















A SERRA DA PIEDADE


Antes eu via os morretes da
Serra da Piedade
Hoje, só a saudade
Desbastaram a sua sinfonia
de minério e céu
Antes o sol chovia as tardes
e ardia em pingos de
luz nas janelas
Hoje a fuligem recobre mar
de céu em cinza chumbo
de homens chumbo
No centro da cidade.












O ANÚNCIO DA MANHÃ


Clariluzente manhã
anunciada
declarando presença
Lembrança do que será um dia
atravessando retinas
retalhando falas
Há de ser numa manhã
o dia de todas as chegadas
a pátria de todas as
crianças,
o país da manhã anunciada.














O AZUL


Entre o azul e a noite
faço o meu balanço
como quem clama uma ausência
Onde o então sonhado mundo
justo
que de tão desajustado se
faz torto como as velas
empenadas dos barcos à deriva?
Entre o azul e o açoite
clamo a demanda de paz.













ISABELA


Isabela, minha bela
seus olhos graves me
sentenciam
Sou o produto do
seu comando
Minha criança séria e
adulta
Quero te ver entre guirlandas,
sendo criança
e feliz.














O VERDE


Como um verde pontiagudo
e a nudez das facas
as árvores da cidade
espetam o céu
Os gritos das estrelas respingam
sobre a noite
São crianças nas ruas
mulheres nas alcovas
velhos nos hospitais.
Os carros nas ruas
e o rumor imenso de uma saudade.














O ARDOR DA TARDE


A tarde arde no olor difuso
das ruas
Os ratos da cidade riscam a
noite nos paralelepípedos
Crianças engolem vômito
e esgoto
É natal nas vitrines
A tarde e a noite
conspiram
As luzes brilham nos cristais.















O ABRAÇO

Onde o abraço antigo
dançando manso na memória?
Onde o aceno triste
anunciando o suspiro de
quem vai embora?
Onde anda aquela fala
mansa do amigo distante
que eu ouvi agora?
Nas esquinas do tempo
No olor das horas.













RIOS DE MINAS

Rios doces
Rios ásperos
Rios lâmina
Rios faca
Uma conspiração de rios
atravessando Minas
Rio adentro rio afora
como cobras atravessando
o espaço
a conspiração das águas
me comove.















O AMOR DAS HORAS


Amar o tempo
é desfazer o novelo das horas
sem perder o fio
Um assobio na esquina
uma rouquidão de tosse na noite
a mudez das ruas
tudo sentencia o tecido
do tempo
Amar o tempo é se
perder nas horas.












AS CRIANÇAS NUAS


Dentes de ar mordem
a pele das flores
A fuligem dança nos ventos
da cidade
Dentes de cinza mordem a
pele das ruas
Adormecendo as crianças
nuas que passam pelas
avenidas
O sol está quase morto
contemplando absorto a
névoa fria.














AS CRIANÇAS CRUAS


Paredes cruas fecham círculos
de fogo
Os saberes não atravessam
essas barreiras
Só as crianças passam entre
as frestas dessas luas.




















OS TEMPOS


As unhas do meu amado
penetram meus flancos
como montanhas de aço
a me domar
Me arrasto feroz e mansa
rendida, vencida por
um mar de arrancos
Estou colhendo furacões
e parindo ventos
tempo de amar.















O AMADO


Prefiguro a volta antes da partida
Antes que alguém diga: não vou
Imagino o começo antes da
despedida
Depois das cortesias
Entre as saudações.
Antes que alguém diga: não sei
Espero o amado antes
da partida
Antes que ele diga: não sou eu.

















MEUS ERROS

Balanço meus erros
refaço contas
engolindo pedras
Danço sobre seus beijos
faço contigo um trato
enganando as feras.
















O ESCONDERIJO


A noite se esconde no oco
da escuridão
Os passos do vento contam
falas passadas
Vejo o que não via desde
então
quando toda a clareza de tudo
se escondia
e tudo se resumia num
grito no escuro
Os homens permanecem crendo
o que não se crê
numa noite sem Lua.












ECLESIASTES


Fatias de sol ataviam
minhas falas
apesar das guerras, das fomes,
da anunciada presença do fim
Fatias de vento varrem as
valas anunciando o fim
da devoração
movimentando sementes, fecundando
o chão
Vou da noite ao dia sereno
atravessando o tempo como quem
vive o eclesiastes.












AS LUAS


Criança nua nas valas
devoro luas todas as noites
em que vejo o céu
mastigando pedaços de
prata, engolindo fatias
lunares
E penso
Com quantas luas se fazem
canoas?
















O SALTO


Atravessei anéis e não
alcancei o dedo
Ri de mim no espelho
e não perdi o medo
sorri nas calçadas e
ganhei o jogo
Alcancei a lua e virei joio.

















A VIRAGEM


Passarinho bicando o telhado
me faz estremecer
Bolo no forno me adormece
De todas as manhãs anunciadas
a que mais me enternece
é a que ainda vem
Sou monstro de esperança
em dia de viragem.















OS SONS E OS SENTIDOS


Esqueço o verbo e me
afundo no oceano das
palavras
Combino sons e sentidos
emergindo muda
E nesse esquecimento surdo
inauguro a errância
o desencontro, o vazio
palavra é falta e desejo
é desatino
Os sentidos exatos são artifício
sem nome.













SEM DESTINO

Busco a ordem na imprecisão
do caos
Encontro finas equações
de sentido
Encontro o equilíbrio do
caos na imprecisão
de ordem
e sigo
sem destino.












ANARQUIA


Desloco os sentidos das
suas hierarquias
Babelizo o verbo como
quem destece rendas
e sigo
feliz
como quem cumpre o sagrado
dever da profanação
Desrealizo os substantivos
desadjetivo os belos
maculando certezas
reinventando palavras.












BUSCANDO


Não busques sentido
na poesia
Encontrarás sempre a
declaração dos direitos
da palavra profanada
maculada em seu lugar oficial
violentada em seu sentido
exato
se projetando como sombra
sobre as articulações do
verbo
Mas não acharás nesta
afirmação do certo
forma alguma de estesia.











SENTIDOS

Espadas de sentidos me
ferem os cernes
deflorando os sortilégios
do verbo
A palavra me vem assim
bruta
sem nenhum bordado
desornada
Rasgando rendas e amavios
enxuga o verbo
e prossegue
muda.













AINDA AS RUAS


Dentes de vento faíscam
do meu olhar incerto
mordendo a solidez das
ruas, nuas
As avenidas viajam cruéis
com sua floresta de homens
debaixo do sol
Tão nuas as ruas, cobertas
pelo meu olhar de tigre
Tão nuas as ruas com sua
multidão de homens.












FRUTA


Mordo fatias de sol no
meu quarto, engolindo vento
Visto meu vestido
amarelinho, e saio
buliçosa
última equação dos
recomeços
síntese declarada dos
avessos.
Sou fruta chupada
nos desvãos do mundo.












A ÁRVORE

Pobre árvore das suas raízes
decepadas
Sua seiva me alimentava
as veias
imaginando a sua cabeleira
tão copada espetando
o céu
Sereia de madeira bailando
braços verdes para o céu
Quisera um dia ter a sua
realeza
toda para mim.












VIRAÇÃO


Tarde clara em dia
manso
navegando teias em meus
braços lassos
Noite branca em meus
dias claros
escurecendo as veias do
meu sangue ralo
Bruma verde em meus dias
ledos
amansando as feras
dos meus dias avaros.













OS GATOS


As palavras são furtivas como
os gatos da noite
Se esquivam nos beirais dos
sentidos
felinas, escondendo medos
declarando surdina
Bailam mansas nos porões do
entendimento
Dançam mudas
nos desvãos do esquecimento.













O VERBO


A chuva cai batizando de
mansinho os telhados
Escrevo agora a tensão
desse verbo que proclama
a paz dessa tarde
O batismo das águas promove
essa escrita de tensão e paz
feita
Verbo palavra e chuva são
unos nessa equação de
tensão e calma.














O CÁLICE


Perdi o rumo da poesia
Não se quê escreva
Se a fala das ruas
ou alguma algaravia
O planeta das palavras está
deserto em minha mente
Sou um cálice vazio
à espera de verbo.














IDA

Bato o pé na soleira
da porta e declaro a minha
alforria
Já não sou anjo nem tia
Perdi a vez e o assento
Estou livre
Informo o rumo da poeira
e vou com ela pelas ruas
com a alma desvairada
e nua
para nunca mais.












VIA LÁCTEA


Como pulseira enfeitando a
noite a via láctea
bóia no céu
Declaro a minha esperança
nessa profissão de fé na
vida e na noite.
Já não sou antes ou depois
sou agora
quando os anjos dizem amém
e abrem a porta.















2001


Finda o ano
Fim de engano
começo da enunciação
crianças dançando ao léu
Fim do ano
Começo de um outro ano
roupas novas
palavras novas
outra devoração.















O ENGENHEIRO DAS ESTAÇÕES


Os galhos do frio atravessam
a minha íris desenhando
paisagens nos meus olhos
Passo por essas miragens
e bailo entre sentença
de sono
O frio engendra sonhos
costurando uma álgebra
de imagens
É o engenheiro das estações.













AS ARMADILHAS

A tarde me autoriza
o silêncio
Essa mudez que vem das
montanhas me entranha
Declaro alertas recolho
avisos e ouço tão somente
o eco de uma espera
A tarde me autoriza também
o grito solene daqueles
que vieram das armadilhas
do nada.














O DESFILE DAS HORAS


A carnação do verbo floresce
sentidos tensos entre as
proclamações das praças e
os sussurros nas alcovas
Tudo é palavra voando
por sobre o rumor das
falas
burburinhos de voz
anunciando o lento desfile
das horas.















O ESPAÇO


Serpenteando o espaço
ou riscando a vastidão
em linha reta, as
ruas falam
contam velhas histórias da
gente
gemem ruídos de moradas
exalam cheiros dão risadas
Ruas têm alma que nem a
alma da gente
só não sabem.















RAÍZES


Raízes fecundam o meu ventre
frutos transbordam
dos meus flancos
Inventei o grito e o silêncio
em subterrâneos de palavras
mornas
Sou América e Sul
Sal
Sol
e tempo.














LIMPEZA


Limpar a roupa
expurgá-la de multidões
de grãos de poeira
esse o destino das pessoas
de bem
Extrair do sol o suco lavando
a roupa nas tardes brancas
minha chinelinha batiza a poeira
minha voz canta o rumo das
horas.














O FRIO

Na engrenagem do frio
balanço meus ossos
Os olhos das palavras anunciam
os começos
Quem tem frio e palavras recolhe
do destino os avessos

Entre rios de ventos caminho
riscando avenidas
mordendo o tempo.















GEMIDOS

A trilha do vento canta nas
fendas das horas
misturando risos batizando
falas
O murmúrio das valas atualiza
velhos gemidos
São meus amigos que cantam
sangue fecundando a memória
Porões de antigas salas reverberam
gritos
que serão ouvidos nas trilhas
da história.











MEDUSA


Olhos de pedra fazem
meu ventre inerme parir
cobras
As dobras das palavras ferem
suas línguas gerando fábulas
É da matéria das fábulas
que nasce o batismo dos
nãos, a generosidade dos fins.
É do olhar da medusa que
nascem as esculturas da
memória.
















A NUDEZ DAS FLORES


Lâminas de frio sulcam os
paralelepípedos batizando
as ruas
Todas as flores estão nuas
de uma nudez muda
É que o tempo molhou
as cidades com as águas da sua
face crua
Agora tudo é frio e mudez
nas avenidas das horas.















O MATIZ DO TEMPO

Duro é o matiz do verbo
perfilando as palavras
forfiando falas
A raiz das proclamações
é um tempo velho pisado
de esperas.
Hoje, os velhos sorriem
chorando e as crianças são
sérias
Duro é o matiz do tempo
porfiando valas.













SAMBA


Meu verso sem vírgulas dança
anônimo na multidão
Meu verbo manco samba
sinônimos sobre o olor
das páginas
Quisera fosse desse verso
a vida ou desse verbo o
batismo da esperança
antes, tenho a desconfiança
que jamais será ouvido.















A CIDADE


As apolíneas pernas da
musa bailam e a cidade
rosna os rumores da noite
como cadela no cio
Entre amores perdidos
entrego os meus vícios
Os edifícios parecem tumbas
ao léu
Ferozmente a cidade branca
abraça os amores vadios
e a nervura das praças
geme.













SAUDADE


Meu pai morto
minha mãe doente
são como um corte
na carnação do tempo
palavras ditas
olhares absortos
e a terra devorando a
carne inerme das famílias,
dos pais e das filhas
E eu, só
na solidão das ruas.














OS TÚMULOS


As flores se liqüefazem
nos túmulos
De que me adiantam as
palavras se o rei está
morto e a rainha dorme.
As flores estão grávidas
do segundo
O que podem as flores contra
a morte e o mundo?














A COPA


Lâminas de luz batizam os
cristais na copa
Fios de frio cortam as
paredes cruas
Palavras mudas dançam no ar
onde o riso das crianças?
a voz grave do irmão?
Paredes nuas testemunham
o silêncio da tarde















DESPEDIDA


Vou me embora para Amaralina
me embalar numa praia
pequenina
dormir o sono dos justos
Sonhar o sonho das crianças
Vou fazer serenata na esquina
tomar café de botequim
viver o destino das meninas
Vou cantar um hino qualquer
comer numa porcelana fina
viver o destino das mulheres.








Í N D I C E


AS VARIAÇÕES DO TEMPO ......................................................................... 1
A PALAVRA .................................................................................................... 2
NATAL ............................................................................................................. 3
O AVISO DO FIM ............................................................................................ 4
A ESCRITA ...................................................................................................... 5
O SOL ............................................................................................................... 6
OS JARDINS .................................................................................................... 7
OS COMEÇOS ................................................................................................. 8
OS PÁSSAROS ................................................................................................ 9
O VENTO ......................................................................................................... 10
SOMBRAS ....................................................................................................... 11
A CIDADE ....................................................................................................... 12
A VOZ .............................................................................................................. 13
PRESSÁGIOS .................................................................................................. 14
A POESIA ........................................................................................................ 15
A CARNE ........................................................................................................ 16
ABUSOS .......................................................................................................... 17
PAPEL .............................................................................................................. 18
O RISO ............................................................................................................. 19
O DIA E A NOITE ........................................................................................... 20
A TRAMA ........................................................................................................ 21
MEUS DRAMAS ............................................................................................. 22
BONDINHOS ................................................................................................... 23
BRASIL ............................................................................................................ 24
CAMINHOS DA TERRA ................................................................................ 25
SAIR ................................................................................................................. 26
BEIJINHOS ...................................................................................................... 27
O NADA ........................................................................................................... 28
AS BOLHAS DO SOL ..................................................................................... 29
A PAZ ............................................................................................................... 30
FIBRAS ............................................................................................................ 31


A NOITE .......................................................................................................... 32
OS NÃOS ......................................................................................................... 33
BELINHA ......................................................................................................... 34
A LUZ ............................................................................................................... 35
OS AZUIS ......................................................................................................... 36
A SERRA DA PIEDADE ................................................................................. 37
O ANÚNCIO DA MANHÃ ............................................................................. 38
O AZUL ............................................................................................................ 39
ISABELA ....................................................................................................... 40
O VERDE ......................................................................................................... 41
O ARDOR DA TARDE ................................................................................... 42
O ABRAÇO ..................................................................................................... 43
RIOS DE MINAS ............................................................................................. 44
O AMOR DAS HORAS .................................................................................. 45
AS CRIANÇAS NUAS ................................................................................... 46
AS CRIANÇAS CRUAS ................................................................................. 47
OS TEMPOS .................................................................................................... 48
O AMADO ....................................................................................................... 49
MEUS ERROS ................................................................................................. 50
O ESCONDERIJO ........................................................................................... 51
ECLESIASTES ................................................................................................ 52
AS LUAS ......................................................................................................... 53
O SALTO ......................................................................................................... 54
A VIRAGEM .................................................................................................... 55
OS SONS E OS SENTIDOS ............................................................................ 56
SEM DESTINO ................................................................................................ 57
ANARQUIA ..................................................................................................... 58
BUSCANDO .................................................................................................... 59
SENTIDOS ....................................................................................................... 60
AINDA AS RUAS ............................................................................................ 61
FRUTA ............................................................................................................. 62
A ÁRVORE ...................................................................................................... 63
VIRAÇÃO ........................................................................................................ 64
OS GATOS ....................................................................................................... 65


O VERBO ......................................................................................................... 66
O CÁLICE ........................................................................................................ 67
IDA ................................................................................................................... 68
VIA LÁCTEA .................................................................................................. 69
2001 ................................................................................................................. 70
O ENGENHEIRO DAS ESTAÇÕES .............................................................. 71
AS ARMADILHAS ......................................................................................... 72
O DESFILE DAS HORAS .............................................................................. 73
O ESPAÇO ...................................................................................................... 74
RAÍZES ............................................................................................................ 75
LIMPEZA ........... ............................................................................................. 76
O FRIO ............................................................................................................. 77
GEMIDOS ........................................................................................................ 78
MEDUSA ......................................................................................................... 79
A NUDEZ DAS FLORES ................................................................................ 80
O MATIZ DO TEMPO .................................................................................... 81
SAMBA ............................................................................................................ 82
A CIDADE ....................................................................................................... 83
SAUDADE ....................................................................................................... 84
OS TÚMULOS ................................................................................................. 85
A COPA ............................................................................................................ 86
DESPEDIDA .................................................................................................... 87

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