segunda-feira, 26 de março de 2018
















CANTOS DE
UM AMOR
TANTO ESPERADO













Helenice Maria Reis Rocha




CANTO I

De onde vararam mil facas
brotaram flores
fazendo meu amor fiel
como um quebranto
e desse pranto que ora gemo
descem lágrimas
para adoçar o sal dos meus
carrascos
Maria, mil vezes Maria
fui às ruas, nua
como criança em dia de comunhão
no fervor das lutas
gritei palavras de ordem.
Hoje, do meu coração nascem
cravos.
Sou só
como Antônio Nobre
Queria ser bela
fazer brotar o carmim dos lábios
Mas a vida me quis séria
Vejo o brilho da poeira ao sol
e amo, lancinada
de dor.






CANTO II

Meu corpo floresce do
estrume das horas
e esse amor plantado de
raízes
escorre entre a brutalidade
das mãos duras
do amante grosseiro
triste guerreiro de horas amargas,
Hei de sobreviver atávica,
como sentença
no sentido das minhas
palavras.











CANTO III

Aonde o amor tanto esperado
que me vêm tão áspero
e sem preparo
tão desengano e desarraigado
Entre bestas-feras, me arrasto
Sangraram-me as asas
Negaram-me repasto
Onde o amor tão alvissarado
que leva as minhas carnes nos dentes
e me esmaga.












CANTO IV

Raios de água hão de
florir este sentimento
sem nome, tão doce
sem voz, tão fundo
tão árvore
raios de faca
hão de ferir este alento
tão sério, até manso
como as palavras de Lobo Antunes
como censura de mãe
como maldade de tia.











CANTO V

Queria o bailado do tempo
e recolho a aspereza das vésperas
meu amado não me quer
meu amigo me escuta calado
O vento devassa as entranhas desse
outro lado do mundo
onde o príncipe se bandeou
em carniça.
Esse outro lado tão fundo
que nem a coragem atravessa
por prudência ou por degredo
Lugar tão contrabandeado
que todos os avessos rejeitam.






CANTO VI

As linhas do papel
cruzam rios de um cismar
de todo antigo
que vem vindo um pouco
sem juízo
no dorso de algum corcel louco
É quando se prefere o avesso
ao já sabido
quando a carne pede devoração
e o pensamento perde concerto
Nestas trincheiras os amantes
se perdem
e os proscritos se amam
como antes
ao relento,
ao sol,
nos porões.









CANTO VII

Fabulo os seus dedos mansos
no meu ventre inerme
Calculo os seus flancos leves
sobre a minha pele
Quem é você, rosto no ar
que virá pra desolar
a minha paz tão plácida
atravessar os meus desertos
tantos que nem sei
quem és?







CANTO VIII

Atravesso a paisagem do
teu corpo
como quem vara fios de
cristal
Cada músculo se ergue abstrato
nesse enérgico retezar
de mil arcos.
Quem é você que não te toco
e que me tocas
na solitária oscilação das horas?
A solidão do meu corpo busca
esse outro que de tão outro
se desfaz.
Perfilo as margens do teu dorso
e não me vejo.
Não sou músculos ou se quer
Desejo.
Nem sou bela.







CANTO IX

As vísceras desse amor estão
na avenida
fecundando o asfalto
florindo o cimento cru
De tanto que se deu virou
ferida
Devoração
Sangue jorrando em constelações
de lágrimas
Húmus, terra, adubo
chão.












CANTO X

Os passos do silêncio
tatuam essa paisagem
de afeto mudo
murmuram segredos de antigas
passagens
Vida vivida a sós
enfim divido com minha
irmã minhas miragens
Dia tão sonhado
Chegou
sou feliz.











CANTO XI

A diáspora do desejo se faz
presente
Espero o longe, o que não veio
nem vem
Meu olhar voa sobre a
linha do horizonte
Um poema vale uma vida
muitos, então nem se fala
Sou a cozinheira da palavra.













CANTO XII

Amor regalado de ensejos
esse que anuncia o amante
que virá
A raiz do mar é o desejo
conteúdo e continente
sentinela do prazer
regalado arrebatamento
de espelhos
onde os muito carentes
se miram.










CANTO XIII

Meu amor geme como cadáver insepulto
porque foi morto antes da hora
por palavras impiedosas
por vilipêndio e devoração
Meu amor nasce do seio das pedras
banhado de estrelas
renascido
como os cantos que ninguém
silenciou
E vem intimorato
cheio de veias
de aparatos
mais forte do que mil velas
acesas.
mais forte do que mil despachos.








CANTO XIV

Riscos de cetim
tatuam meu corpo
com requintes de delicadeza
A beleza do vestido
não esconde a face do tempo
as carnes flácidas
a flacidez do rosto
Ainda sonho um amor acanhado
capricho da delicadeza
em doses de cassis
Assim calada
espero esse amor tão adiado.









CANTO XV

Um rosto mapeado de memórias
contempla o olor do mundo
barulho sem som no trapézio
de um tempo, calado
um rosto cheio de rios
sorrindo triste para o mofo das horas
curvado sobre a cruz dos
ombros como quem sorri
ou chora,
fala,
abrindo em túnel o vento de uma
boca que desvenda a secreta
fabulação dos dias
Esse amor tão esperado virá
como sentença um dia.








CANTO XVI

Meu corpo só, como um rochedo
aguarda um redemoinho para
devastá-lo, e jogá-lo ao chão
deixando recôncavos de carícias
Ilhas e baías de prazer
Quem virá como devastação
para explorar o que resta
de recato?
Bailo as mãos sobre esse
corpo, como quem busca
surpresas
Encontro tão somente a equação
solene de uma dimensão
selvagem.




CANTO XVII

Gigante de crepom no coração
de um sentimento terno
aquele homem de além mar
misturou minhas incógnitas
alinhavou os fios de uma emoção
clandestina
e me quis fria, como a tragédia
De cavaleiro errante em besta
fera
magoou toda a minha alegria
de mim
Quem virá pra me achar bela?
Quem me fará continente do
amor?
Será um trapezista?
Um homem sério?
Alguém virá, talvez
de um outro mar, talvez
mais belo
num outro tempo
menos fero.

CANTO XVIII
As claves de sol caem sobre
minhas esperas
Uma ciranda de sons
dança chovendo leve sobre
matiz de velas
Tão difícil esse alento
sonhado
que vem em forma de palavras.
cheias da paciência das
feras
Essa música que vem de
longe
na voz do homem de além mar
me paralisa como olhar de cobra
e me doma
Ele fala em clave de sol
o sentido da minha sorte
como quem seduz as mulheres
amantes
e as mulheres sábias
como quem seduz
tudo o que é anima
tudo o que fala.




CANTO XIX

Com a face crestada por desertos
caminho entre sentenças e lábios
despedaçando meu ofertório
num mar de cismas
Quero o homem d’além mar
ele me assusta
Faço florir as feridas
desse meu espírito solerte
Eu, mulher, transformo ofensas,
em pétalas
Meu coração, um lençol de
acrobacias
Meu amor, a sua porta.









CANTO XX

Uma linha pode ser um rio
como um rio é uma rua molhada
Uma rua pode ser um fio
dependendo de onde se olha
A dança dos rios e das ruas
batizam o silêncio das cidades
Esse amor tanto esperado
atravessa anônimo as avenidas
sem nome
sem nenhum recado
alvissarando
risos e falas
Como um rio atravessa a cidade
Como uma rua se faz vala.





CANTO XXI

Os gritos das crianças respingam
nos quintais
e um sentido ausente se faz
valer
Amor de tia também tem
preço
quando é consumido pelas
horas
Aonde o convidado tão importante
que nem veio à festa?
Ou o antigo namorado que
não escreveu?
Nas curvas da lembrança
em algum desvão de estiada
esse amor tanto esperado
valeu dias de desenredo
Hoje se faz presente
se faz tia.





CANTO XXII

Amo você como quem
bebe chocolate quente
em tarde fria
as minhas ânsias vadias todas
atualizadas
esse amor bailando o rumor
das águas
no torvelinho das vagas
sobrevive, proscrito
amo você como quem sevicia
um menino
cheio de caprichos, cheio de vícios
Espero que você acorde um
dia em meus braços
indefeso,
vazio
e me olhe assustado
e grite comigo.





CANTO XXIII


Lua clara navegando em mar
de céu
um amor preclaro anuncia o seu
valor
assustando a violência das
vagas
desolando a violência das
marés.
Esse amor, declaro subiu
de abismos absurdos.
viajou túneis de solidão.
Hoje sobrevive mudo
às inclemências dos turbilhões.








CANTO XXIV

Engendro enigmas como quem tece
uma página de arabescos
bailando as rendas
tecendo os pontos desse
amor vadio
Onde os passos do amado
longe
ponte de cruezas e amavios?
O sal das cinzas batiza
esse amor
que no entanto
ainda cresce
como limbo
como erva
me enredando em sua
teia nua.






CANTO XXV

Essa ausência no meu corpo
esculpe vãos minhas na carne
ferindo as trilhas da
minha pele só.
Filha das esperas fabulo o
afago solene do amor que virá
Que seja doce ou fero
virá devassar os meus degredos
e arrasar em dedos
a minha geografia
Virá como ladrão ou cordeiro
para ferir os meus flancos
virá me roubar os
anos.
enganando a minha astúcia
a minha lógica vã.








CANTO XXVI

Como unhas de vinagre
um sentido amargo
fecunda o coração dos sentidos
Alaridos longe atravessam
antigos recados
Do amor quem sabe a face?
É todo mãos ou todo facas?
A dor de sentir avassala
e às vezes resgata
fecundando abismos
atualizando falas.











CANTO XXVII

A carne aberta em flores
espero
o antes se faz hoje
na litania das pedras
duras mulheres, nada sabem
do amor
me torturam
nas vozes das santas e das feras
Com a carne alerta espero amores
que um dia virão
meu corpo, um abismo de
esperas.










CANTO XXVIII

Panelas de duendes
cozinham sentimentos
leves
feitiço de virgens
suspiros de fadas
Passos breves fecundam
o forte olor da terra
flores de anil
abrandando feras.













CANTO XXIX

Peixes de vidro
serpenteando as águas do desejo
mostram o engano desse desenredo
e se quebram no mar
Tão delicado que se quebra
o tal amor tão decantado
filtrado pela peneira do dia
se acaba
como peixes que se quebram
no mar.









CANTO XXX

O canto do tempo
perpassa rituais
retumba
e volta indefeso
sem garras
ao lugar da origem
O tempo do amor se faz
desenredo
retorno de travessias
trama de verbo transverso
medo
Ai! Que saudade desse homem
arrevesado
que morde pelos contrários
anjo entortado no laço
por alguém mais forte de que eu
selvagem
menino
cruel e belo.


CANTO XXXI

Os olhos do fogo
devassam minha carne
florescendo sentidos
Uma litania de gemidos me
consome
São pedidos, são convites
Loba em desvario
arranco fagulhas da pele e
arremesso
tocando a espinha dorsal da medula
Toda a ternura
se esconde
no olhar daquele menino médico
o homem do além mar
Quer ser duro e é terno
Não conhece a minha fúria
mas se esconde
do meu desejo.





CANTO XXXII

Como anéis perpassando
facas
um amor enérgico se
atavia
atalhando carícias duras
retalhando mágoas.
Como fiéis lacaios do desejo
os homens distribuem
seus beijos
entre as mulheres da cidade
Como feras atravessando valas
um amor assético
se insinua
demonstrando a rapidez da
bala
denunciando a virgindade
crua.




CANTO XXXIII

O aço das minhas asas
se perdeu
em um labirinto de amores
Tensão de abismos testando o vôo
minha carne se dissolveu em
seivas
parindo enredos
nutrindo carícias
Minhas veias se tornaram
rios
ferindo veios
salvando pássaros
Os meus passos se tornaram
lentos
mapeando o chão
desenhando riscos.
Um carnaval de estrelas
adoçou meus risos
O anjo em mim se desfaz.







CANTO XXXIV

As flores da minha carne
descansam em mim
Ninguém me disse do amor
ou da carícia
Como estátua de textura
lassa me ergo
Só, como uma taça
levanto os braços
e faço um brinde
Aos muito sós,
as palavras.









CANTO XXXV

Livros são favas que
recontam memórias
Dos amores, a síntese
Dos louvores, a graça
O balé das palavras
fecunda o olor das páginas
deflorando sentidos
Devorando tempos e
espaços
a trama do verso se faz
alerta
A fabulação dos amores
se faz presente
Como um rio de carícias
lentas.








CANTO XXXVI

A barca da noite, singra
bailando o silêncio
A arca da noite, dança
batizando o tempo
Como nave louca balança
em águas de mar liso
guardando cataventos de
desejos
escondendo um carrossel
de medos
O sorriso da noite se
esconde
nas dobras da manhã.









CANTO XXXVII

Como um jarro vazio minha fabulação
caminha
entrando nos desvãos do verbo
assinalando os porões dos
sentidos
A engenharia da fala
a si mesma se proscreve
quando não diz ou cala
A palavra, cicatriz da página
batiza estes senões,
estas esperas.







CANTO XXXVIII

A voz das entranhas
canta um chamado antigo
de começo longe anunciados
Gemidos de filhotes queimam
as barbáries dos homens
De onde vem esse estranho
amor que me consome se
ninguém me ama ou me quer?
Sentimento sem nome, talvez.
Estranha designação dos que
não se sabem.
Meus ouvidos longe ouvem
do mundo os velhos sinais
Guerras
Fome
Um novo holocausto se faz presente
E esse amor, crescendo
Tão solenemente
Como um samurai.







CANTO XXXIX

Os carneiros do tempo
cobrem covas de homens
e animais
Cobrem as novas notícias
e os velhos
chamados das devorações
soterrando risos, rituais
Corcovos de vôos antigos
batem nos vidros das janelas.
crestando as faces dos homens
mapeando velhos mitos
amarrotando o real.










CANTO XL

Raízes de ventania
sulcam o útero do tempo
plantando as sementes da América
Na terra, sangue indígena ecoa
Soam longínquos ecos.
Rios de gritos fazem coro
E esse meu soluço parado na
garganta.
Tempestades de grito ecoam
soterrados por um silêncio estranho
Na Tumba-silêncio do século.











CANTO XLI

As cicatrizes da terra
sangram mãos de camponeses
que adubam os campos
Varizes de poeira defloram
o grito dos subterrâneos.
onde jazem camponeses aflitos
semi-vivos, numa cova-viva deserta
de homens.
povoada de fantasmas orgânicos
se dissolvendo entre sal e chão
Massa de carne humana
florindo as veias das estradas
sulcando caminhos.






CANTO XLII

Carne de papel rasgada em vento
Atravessada por fios de
um tempo parado
a frágil equação dos sentidos
ruiu em mim.
perdeu viagem,
galopando ausências
transformando pedra e barro
em geometria do nada
corpo e mão em esquecidas
esperas.
Do armor a sentença ansiada
espero lentamente
as doses homeopáticas.
O que vem de longe me comove
O que vem de perto me arrasa.









CANTO XLIII

As máscaras do tempo crestaram
as arestas desse amor antes
esperado
Hoje de tão longe um leve
aceno
do que foi antes pura voragem
Não quero as mãos duras do
Homem pétreo
Nem a penetração que é punhalada.
Quero, antes, o mel da viragem
E da esperança, uma brisa.











CANTO XLIV

O batismo da terra
adormeceu as crianças
acordou os Lavradores
enterneceu os homens e
as mulheres.
Os nomes que a cada
coisa foram dados
engendraram a história
iluminaram as falas.
O batismo da terra
acordou o tempo.











CANTO XLV

Os dedos longos da saudade
invadem meu corpo
Fabulo carícias e acordo sozinha
enclausurada pela geometria
do quarto
O homem de além mar nem sabe
desta solidão
Ouço a sua voz e vôo, para
além do Atlântico
para um colo imaginário.












CANTO XLVI

Estou só como uma vela
apagada
unidade exata da solidão
Não escolho as minhas horas
nem elejo os meus vícios
Sou tão somente o resto
da equação do amor
o lado escuro da incógnita
a pergunta sem resposta
um dia sem cor.







CANTO XLVII

Palavras de metal
cortando os cernes do verbo
soam brancas e sonâmbulas
nas frestas da minha saudade
Nem sei se ouvi ou se entendi
Mais um não.
Para além dos meus sustos
a vida, alerta.
sentença de barro e pó
invade como quem corta vento
ou desata nós.
Palavras de letal alento
para quem sabe os nãos e as
asperezas
valem menos que metal frio
menos que nada.
Meu amado não me quer mais
Seu frio amor já não me sabe.






CANTO XLVIII

A fabulação dos dias
murmura sobre a mesa posta
ciciando o repasto das horas
atravessando a massa do pão
Dias são dias, nada mais.
Ou quem sabe são também
o alarido dos pardais
a incerteza dos homens
um apito de trem ao longe.
a espera ...
Não sei dos dias ou das horas,
mas as horas e os dias
me sabem
como quem fabula incertezas
e deplora.







CANTO XLIX

Brinco sem ornato
a tristeza cavalga arestas
e cinzela os vãos do meu
pensamento
Do amor a esperas levando os
retalhos das horas
fabulando as frestas do minutos.
Sorriso sem som
esta tristeza imensa
atravessa os olhos compridos
dessas horas paradas
Triturando os filtros dessa
antiga espera.
Ainda sonho o amor não vindo.










CANTO L

Labirintos de memória
assinalam as estradas cruas
por onde passei
entre sangue e mãos
Sou a síntese do barro
do pó a quimérica face
sei do homem que geme
na última hora
e amo
as mulheres e as crianças.










CANTO LI

Uma rua de vidro
me chama
com seus brilhos ao sol
Carne transparente em matéria
de água e sal
essa rua conclama a um
tipo de devoção
Vida vista através
Caminhos de margens
Essa rua me encanta
Como dias de nuvens
ou as palavras e seus sons.
Cidades imaginárias perpassam
meus sentidos
e me levam.







CANTO LII


Perdida em um mar de verbo
navego sem bússola ou
embarcação
Palavras naufragam solenemente
ou afrontam as vagas, sem direção
Perdida em um mar de versos
divago
sem rumo
Multidão de peixes sem rede
Uma infinidade de sentidos
se faz, por si
e em si se resolve
revolvendo minhas indecisões.








CANTO LIII

Arcos de espelhos
voam sobre as imagens nuas
de um amor sempre adiado
dobrando sentenças
mirando incertezas.
Numa imagem multiface
de musgos dança esse
amor que pega a laço
como hera em parede crua
Sobre um mar de asperezas
caminho
Espero um amor que não
virá
Irei a ele como um passarinho
em dia de viragem.






CANTO LIV

Dizer não canta, soa
captura de uma voz sempre
adiada
Os espinhos da palavra
germinam
Os fios da fala não se calam
A palavra fere ou acaricia
Solerte equação do verbo
Essa voz viaja um longo
vôo
pelas esquinas do silêncio
e dos discursos.
Antiga litania de gritos
ou murmúrios
a geografia desse verbo
fere espaços
sangra e escoa.





CANTO LV

Amar o tempo
como quem viola ninhos
ferindo suas fibras
desfazendo suas tramas
Essa a ironia de quem ama
esperar o momento, a hora certa
da carícia anunciada
como quem espera um pedaço de
pão.
Do Pai, a bofetada
Do amado a distância
Do espírito, a ausência
No corpo, a cicatriz
Quem ama, viola
ninhos ou tramas
Da face avara do amor
o abandono.






CANTO LVI

O estrangeiro que eu tanto amei
fez mapas no meu corpo
viajou por suas trilhas
com pés de barro e mãos duras
arrancando seus tesouros
e violentandos seus flancos
Fez veias no meu tempo
devastando os rios da minha pele
minhas preguiças.
Este estrangeiro me deixou exangue
Sem nome
Sem lembranças
Hoje sou os traços da
sua presença
me esmagando o ventre.









CANTO LVII

Um cheiro de café invade a sala
resvala
e escorrega pelos veios do tempo
um tempo de matizes e de crianças,
com um sol preclaro batizando
a rua nua
e invadindo as salas.
Quisera a designação do tempo
com anúncio de nomes e esperas
me declarando apta e bela.










CANTO LVIII

A espinha dorsal da procela
é essa ausência de mar
que mata as nossas ânsias secretas
as nossas discretas fabulações
Aos navegantes a vastidão da espera
O tempo das miragens passou
Aos náufragos, a saudade
A antiga epifania das vontades
de um tempo que perpassa
atento
náufragos e navegantes
protagonistas de uma viagem muda
que não disse o nome das águas
Apenas velejou.








CANTO LIX

Pingos de fala caem na tarde
Aqui e ali um assobio
Cães latem sons agônicos
Um fim preanunciado se
insinua
Quem há de correr até o fim
da rua p’rá saber de onde
veio o tiro incerto?
O homem nu, na cidade
corre porque não se cala
sabendo aos abismos das trincheiras
aos veios das valas
morre, também quando se cala
sabendo de cor os caminhos
das palavras.









CANTO LX

Ancestral como a face da memória
o amor erradio perpassa tempos
e não toca nada
se evadindo dos portos e das paradas
invadindo a porta da noite.
Como ave de vôo incerto
passa por cima das moradas
baila entre os homens
possuindo a todos sem possuir nada.
amor de viragem
dança das vagas.











CANTO LXI

Aliso o verbo
e me acalmo
Como pedra em descanso
debaixo do sol
Quem sabe a face dos sentidos
se cala
acaricia as palavras
e canta a plumagem das
falas
desfilando oceano de verbo
em dias de canção.









CANTO LXII

Vejo através das areias que
engendraram os teus escombros
a face dos que se perderam no teu
verbo
o grito dos que se calaram com
os teus remédios
a apatia dos que sofreram com
os teus choques
nos corredores dos hospitais
Vejo as lâminas das tuas palavras perpassando mulheres cruas
fixando o chão em feridas nuas
de onde nascerão as flores
germinadas pelos humildes
da terra.








CANTO LXIII

O toque da pedra faz aço o
poema
transmutando palavra em
trama
tecendo o viço das denominações
A relva aponta para o céu
assim como o verbo para o nada.
Dar sentido é errância vadia
vício
intriga fatal
A cada dia uma direção
trazendo um nome novo para os
amores
A trama do verbo nomeia
o tecido da vida desfaz.






CANTO LXIV

Germinam as linhas da fala
em rios de voz
O desenho das palavras não sabe
a face desses sons
escondendo em seu tecido
o murmúrio da multidão
Ouço o grito do pregão e
o gemido do mendigo
o choro da criança
velhos pedidos
perdidos
nas veias do verbo
nos sulcos do tempo
Espero, alerta, a minha hora
farei o meu pedido em
praça pública
em voz aberta.






CANTO LXV

As fatias desse amor suave
me tiram do chão
jogam meus brios no caos
me fazem presença distante
em tempos de voragem
A entrada da noite se abre
dando passagem aos mesmos
personagens.
Os mesmos mendigos
Os mesmo bêbados
As mesmas perdidas
A viceralidade dos sentidos
está nas fatias desse amor suave
que de tão leve se faz
pássaro.








CANTO LXVI

Enfim chega o termo da
peleja
sentimento velejando entre
as palavras
como caminhante sem caminhos
passagens fechadas.
Enfim chego ao topo da hora
como alguém que já se foi
ou nem chegou ainda
Quisera a carícia suave
ou a declaração sonhada
Antes, tenho a minha vida
e a visceralidade dos
meus dias.








CANTO LXVII

Voz em som de dó maior
ressoando nas trilhas da sala
ricochetea o tom grave da escala
como Deus do timbre
Os tons maiores são grandiosos
como séries de montanhas
ou estátuas.
São o ouro da fala
o tambor das palavras
Quem fala grave fala sério mesmo quando ri ou gargalha
O som da voz é fornalha
onde alguns tímidos se inscrevem.










CANTO LXVIII

Alguns homens se deixam amar
outros nem tanto
O outro lado dos sentidos é o
avesso das falas
o silêncio de quem ama
a muda procissão das horas
Há certos homens que sabem amar
outros, nem tanto
perpassando o campo frio das
denominações
a alguns designo amantes
a outros, devoração.










CANTO LXIX

A outra margem do real
é o avesso das entranhas
a ausência do endereço
a queda livre em espaço incerto
o deserto de palavras
essa outra margem esconde os
teratas
o lado triste do circo
os lugares que não são lugares
Percorro esta paisagem como
quem baila
a minha loucura inata.











CANTO LXX

O homem de além mar me acalma
como quem doma um rio selvagem
esculpindo veios e regatos
nas entrelinhas das minhas esperas
Como um tigre em pleno vôo
me lanço
fabulando a pele desse estrangeiro
nas minhas garras
ele me toma
amarrando os meus pulsos
na sua fala.








CANTO LXXI

Um sentimento de vagas
me lança ao fundo
inexisto como quem pede
palavras
e recolhe pedras
Meu amado balbucia sua
inexistência e me comove
como um bezerrinho sem leite
em dia de viragem
Amo este estrangeiro que
cala
quando deve falar
e que fala o que não sabe
como um anjo barroco.
As vezes parecer ser um menino
as vezes um anjo louco.




Í N D I C E

CANTO I ...................................................................................................... 1
CANTO II .................................................................................................... 2
CANTO III .................................................................................................... 3
CANTO IV .................................................................................................... 4
CANTO V ..................................................................................................... 5
CANTO VI .................................................................................................... 6
CANTO VII ................................................................................................... 7
CANTO VIII ................................................................................................. 8
CANTO IX ................................................................................................... 9
CANTO X .................................................................................................... 10
CANTO XI ................................................................................................... 11
CANTO XII ................................................................................................... 12
CANTO XIII ................................................................................................. 13
CANTO XIV ................................................................................................. 14
CANTO XV .................................................................................................. 15
CANTO XVI ................................................................................................. 16
CANTO XVII ................................................................................................ 17
CANTO XVIII ............................................................................................... 18
CANTO XIX ................................................................................................. 19
CANTO XX .................................................................................................. 20
CANTO XXI ................................................................................................. 21
CANTO XXII ................................................................................................ 22
CANTO XXIII ............................................................................................... 23
CANTO XXIV ............................................................................................... 24
CANTO XXV ................................................................................................ 25
CANTO XXVI ............................................................................................... 26
CANTO XXVII .............................................................................................. 27
CANTO XXVIII ............................................................................................. 28
CANTO XXIX ............................................................................................... 29
CANTO XXX ................................................................................................ 30
CANTO XXXI ............................................................................................... 31
CANTO XXXII .............................................................................................. 32

CANTO XXXIII ............................................................................................. 33
CANTO XXXIV ............................................................................................. 34
CANTO XXXV .............................................................................................. 35
CANTO XXXVI ............................................................................................. 36
CANTO XXXVII ............................................................................................ 37
CANTO XXXVIII ........................................................................................... 38
CANTO XXXIX ............................................................................................. 39
CANTO XL ................................................................................................... 40
CANTO XLI .................................................................................................. 41
CANTO XLII ................................................................................................. 42
CANTO XLIII ................................................................................................. 43
CANTO XLIV ................................................................................................ 44
CANTO XLV ................................................................................................. 45
CANTO XLVI ................................................................................................ 46
CANTO XLVII ............................................................................................... 47
CANTO XLVIII .............................................................................................. 48
CANTO XLIX ................................................................................................ 49
CANTO L ...................................................................................................... 50
CANTO LI ..................................................................................................... 51
CANTO LII .................................................................................................... 52
CANTO LIII ................................................................................................... 53
CANTO LIV ................................................................................................... 54
CANTO LV .................................................................................................... 55
CANTO LVI ................................................................................................... 56
CANTO LVII .................................................................................................. 57
CANTO LVIII ................................................................................................. 58
CANTO LIX ................................................................................................... 59
CANTO LX .................................................................................................... 60
CANTO LXI ................................................................................................... 61
CANTO LXII .................................................................................................. 62
CANTO LXIII ................................................................................................. 63
CANTO LXIV ................................................................................................. 64
CANTO LXV ................................................................................................... 65
CANTO LXVI .................................................................................................. 66

CANTO LXVII ................................................................................................. 67
CANTO LXVIII ................................................................................................ 68
CANTO LXIX .................................................................................................. 69
CANTO LXX ................................................................................................... 70
CANTO LXXI .................................................................................................. 71

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