quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

A Lírica Feminina Contemporânea

A Lírica Feminina Contemporânea Helenice Maria Reis Rocha - Mestre em Letras/UFMG Pensando nas manifestações de poesia veiculadas por meios de comunicação de massas, tais como: sites de poesia, movimentos organizados, discussões midiáticas, tenho me proposto a pensar em que sentido a dicção feminina circulando nestes meios se aproxima ou acrescenta novas linguagens e formas de expressão à lírica grega. Se pensarmos nos trabalhos de Benjamin a respeito da lírica simbolista observaremos que esta lírica acrescenta à uma dicção, uma crítica contundente ao mundo capitalista. Tenho pensado, como Salete Almeida Cara, que a lírica feminina contemporânea que circula entre a internet e a mídia impressa tem incorporado às suas formas de expressão vivências que rediscutem o lugar de enunciação do que define o feminino ou o masculino na poesia. Saindo das metáforas da morte de Henriqueta Lisboa, lindas metáforas de mocinha cristã, às jovenzinhas martirizadas do panteon de santinhas de Cecília Meireles, desaguamos numa dicção lírica que nos remete ao prazer,à psicanálise,à luta política,com a mesma delicadeza imagética de uma dicção lírica. Pretendo analisar aqui algumas poetisas do movimento Poetasdelmundo que, com dicção própria, expressam com a maior delicadeza problemas e sensibilidades possivelmente impossíveis para mulheres poetisas à cinquenta anos atrás. Começo pela jovem Isabela que nos diz: “Titia!!! Titia!!! Eu sou a mãe do vento!!! O vento não morre titia!! E ele é feliz!!!...”. Um jovenzinha de, então, três anos que, à uns cinquenta anos atrás estaria cantando canções religiosas em algum colégio de freiras e, aos três aninhos já estava tentando entender a vida, a morte, o tempo, o gozo... Segundo Mouralis: “A literatura é compromisso. Os escritores, como tais, têm uma função social definida, exatamente proporcional à sua competência como escritores. Essa é a sua principal utilidade”... (Mouralis, 1982, pág: 36). Assim, poetisas que com uma dicção lírica, nos traduzem como linguagem, formas de discussão que rediscutem as questões de gênero, tanto no que diz respeito à linguagem quanto no que diz respeito ao seu lugar de enunciação, cumprem a responsabilidade apontada por Mouralis começo por Angélica em: BRAÇOS ABERTOS Olha moço, que bela cidade se descortina à frente de nossos passos Parece menina Depois da chuva livre do pó a cidade remoça Veja as pessoas caminhando tranquilas Não é dia de trabalho Alguns trabalham suas mercadorias próximo à rodoviária Não há pressa o dia é longo quase deserta a cidade recebe o visitante e o habitante que regressa à capital Belo Horizonte Recebe de braços abertos (Bernardes, pág:25, 2012 ) O que se evidencia neste poema é que, imanente à serenidade solene que descreve a cidade e o visitante, existe uma anti elegia ao mundo da produção, tão precioso às lógicas de um discurso hegemônico que inclusive, no Futurismo de Marinetti, procura dar uma face de modernidade ao já bem conhecido projeto de desenvolvimentismo capitalista. Esta evidente recusa a um dia produtivo recusa, mesmo que através da magia da arte, a lógica de um discurso hegemônico e suas hierarquias. A beleza da cidade se torna mais importante do que a lógica da produção e suas hierarquias e seus negócios, o que garante à esta dicção uma doce modernidade uma vez que não reproduz a tirania do discurso oficial: Bandeira Branca Um olho uma gota o suspiro Sorriso lacrimejante Um pedido Um apelo a dúvida Mãos desejam Um ai Um ui a dor Dentes rangem Um alívio Um amor a paz Pés almejam (Marques, pág: 29, 2012) Se a utopia nos coloca na plena realização do desejo e diz: o prazer aos bem resolvidos pela psicanálise, esta dicção instaura a dúvida. Cumpre saber quem são os bem resolvidos nesta correlação de forças hodierna. O amor possível em: “Um ai, Um ui, a dor Dentes rangem, Um alívio, Um amor, a paz...” (Marques, pág: 29, 2012). Um amor possível diz respeito ao momento, à efemeridade, longe dos acordos de conveniência à socialização do amor que a perdas das situações paradigmáticas impõem. Os marcados por doze horas de trabalho talvez, apesar das leis trabalhistas, perdem a definição do desejo segundo Benjamim: “... Os gregos só conheciam dois processos para a reprodução de obras de arte: o molde e a cunhagem. As moedas e terracotas eram as únicas obras de arte por eles fabricadas em massa. Todas as demais eram únicas e tecnicamente irreprodutíveis. Por isto, precisavam ser únicas e construídas para a eternidade. Os gregos foram obrigados, pelo estágio de sua técnica,a produzir valores eternos.” (Benjamim, pág:175, 1996). Se pensarmos que a linguagem poética, em si, representa algumas incompatibilidades com esta reprodutibilidade, podemos associá-la permanentemente à lírica grega e a uma certa intemporal idade. Retomemos Delasnieve Daspet em: Mão Humana Uma mão humana. Uma mão com cinco dedos Foi assim que o Criador fez... Cada dedo independente, unidos e separados... Se juntássemos os dedos-a força aumentaria Teríamos mais poder, mais união. Deixemos que a terra se torne esta mão forte e unida assim venceremos as lutas diárias a miséria de milhões de africanos de esquálida figura e doce olhar! Mortes pelo Oriente Médio... Chacina-não é necessário iir tão longe Mandamos soldados para o Haiti, Mas o Haiti é aqui, como diz a canção... ... (Daspet, pág: 68, 2008) Da simples descrição de uma singela mão e seus dedos à associação com a leitura ética, civilizatória, da realidade do mund: a linguagem, coloquial, de massas, a leitura de mundo, complexa, perpassando a condição humana para além da territorialidade aldeã no seu dilema básico: a vida. A coloquialidade da linguagem tendo como imanência uma leitura civilizatória de grande alcance não reprodutível pelos interesses envolvidos na lógica do discurso oficial, hegemônico. A lírica de Camões, partindo da redondilha, da linguagem reprodutível e de massa, disse da complexidade do amor explicitando, através do paradoxo, quase do absurdo, o lugar de enunciação de onde emerge a sua aparente simplicidade. Segundo Bahbha: “... Não passará a linguagem da teoria de mais um estratagema da elite ocidental culturalmente privilegiada para produzir um discurso do outro que reforça sua própria equação conhecimento-poder!” (Bahbha, pág: 45, 1998). O discurso feminino, marcado pela maternidade, em paramentado para desconstruir relações de poder. Então, em Clevane, temos: A última cavalgada os homens mortos estão: pura nata calda vermelha óleo e sabão, coalhando os campos de batalha... sem preces e sem mortalha nem quem lhes segure a mão ... (Pessoa, pág:35,2005) Enquanto loguz, invenção de homens personificada por Heráclito pressupõe a unidade da confrontação permanente tornando o grotesco tão natural quanto o sublime, a caótica linguagem feminina nos reconduz ao sentido maior de uma singela mão segurando outra mão. Todas estas poetisas, descentradas da máscula linguagem de loguz, da razão iluminadora, de todas as certezas, de todo centro. (Brandão, pág. 34, 1998) trazem a dúvida, a fragmentação que batiza a modernidade com a presença do outro, da alteridade. A lógica da identidade que une através do verbo ser os opostos, o sublime e o grotesco, o perfume e o lodo é perpassada aqui pela dúvida em Brenda Marques, por lindas e insólitas metáforas de homem em Clevane, pela dessacralização das guerras em Delasnieve, pela suave anti elegia do modo de produção capitalista em Angélica. Segundo Heráclito: Se não ouvirem simplesmente a mim mas se tiverem ascultado (obedecendo-lhe,na obediência) o logoz, então é um saber (que consiste em)dizer igual o que diz o logoz.Tudo é um (Heráclito In: HEIDEGGER, pág:256) A metáfora conceitual, como por exemplo: “... aquele rio era como um cão sem plumas...” (João Cabral de Melo Neto) une verbo ser a um predicativo exatamente como na proposta pré socrática de Heráclito, que, sintagmática, une os opostos pelo verbo ser o que é bem confortável para a lógica dos discursos hegemônicos que sobrevivem da boa convivência dos contrários. Une as aporias garantindo a perpetuação de determinado tipo de poder. Em Angélica Bernardes, tanto quanto em Clevane e mesmo em Brenda e Delasnieve observamos uma recorrência permanente a verbos de ação em lugar do verbo ser Neste sentido é recorrente uma gradação de ruptura com a estrutura de linguagem ocidental, aristotélica. A linguagem poética sai do campo conceitual para o campo descritivo da ação, Poetisas saindo da contemplação da realidade, própria daqueles a quem foi negada a práxis e deságuam na junção práxis, ativismo e linguagem, uma vez que são ativistas de Poetasdelmundo. Saem, também através de uma nova estrutura de linguagem, do confortável voyerismo de observar e conceituar o caldo de cultura em que estamos imersos e descrevem ou se expressam através da linguagem da práxis, representada mais por verbos de movimento do que pelo verbo de identidade, conceituador. Partindo deste escopo de reflexões venho desaguar em Neusa Ladeira. Vejamos: Poética das Horas Trinando acordo Tico-tico rei Suave complementa Abrindo surdos As araras do vizinho Estridentes nos golpeiam Sonho breve em fuga luz Como não ver se olhos choram Coração aperta ruge emoção Ansiosa vai à busca No início resoluta no traçado cambiante Em final hilariante Mesmo dito ainda pergunta Dos lençóis amarfanhados Onde está o estonteante Aquele sonho recorrente Ora chega na lembrança Nada mesmo de saudade só terror asfixiante... (Ladeira, 2009) Assim como nos poemas anteriores, toda a estrutura de linguagem é alinhavada por verbos de ação. A lírica contemplativa de uma Cecília Meireles em: “... leve é o pássaro e a sua sombra voante...”, cede lugar à um trinante acordo de pássaros, com direito à criação do verbo trinar usado aqui como verbo e,ao mesmo tempo, adjetivo. Este movimento de uma linguagem contemplativa, conceitual, à uma linguagem que nos aproxima da ação, práxis, nos remete à diferença de possibilidades circunscritas à condição feminina do começo do século vinte,onde só era possível observar a práxis feminina como tabu migrando para a práxis mesma, refletida esta transformação em mudança na estrutura da linguagem sem , contudo, perder o sentido suspenso de toda a linguagem poética, que no mais das vezes nos tira das noções de tempo e espaço. Os gregos não consideravam poesia, literatura rasura esta que nos autoriza ao devaneio. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: - Brasil, Joaquim Fontes. Variações sobre a lírica de Safo. São Paulo:Ed.Estação da Liberdade,1992. - Brandão, Junito de Sousa. Dicionário mítico-etimológico da mitologia grega. Petrópolis: Vozes, 1993. - Branco, Lucia Castello, Brandão, Ruth Silviano. A mulher escrita. Rio de Janeiro: Milman, 1989. - Derrida, Jaques. Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 1973. - Heidegger, Martim. Heráclito. Rio de Janeiro: Dumará, 1998. - Braga, Anderson. Sonata Poética. Belo Horizonte, Anome Livros, 2005. - Bhabha, Homi K. O Local da Cultura. Editora UFMG, 1998. - Benjamin, Walter. Magia e Técnica Arte e Política. Editora brasiliense, 1985. - Poetasdelmundo em Poesias, Volume I, I Congresso Mundial de Poetasdelmundo, Natal, Um Mar de Poesia e Paz. - Salgado, Rogério, Araújo, Virgilene. Poetas Em Cena. Belô Poético Produções Artísticas e Literárias. Belo Horizonte, 2012. - Pena, Brenda Marques. Instituto da Imersão Latina. Nós da Poesia. All Print Editora, 2009.

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