domingo, 31 de março de 2013

Milêniun


Milêniun     Tenho tentado entender a psicanálise e o milênio Inicialmente pensava a psicanálise como um deus ex máquina capaz de resolver todos os dramas da existência humana Bem,se pensarmos nos tempos primevos do cristianismo quando sociedades orgiásticas(portanto bem resolvidas sexualmente)jogavam seres humanos aos leões em circos e espetacularizavam a tragédia me pergunto:ser bem resolvido sexualmente garante a este processo civilizatório sobrevivência....este nosso...Digamos que podemos observar uma espécie de coliseu moralO que é ser bem resolvido nos termos do teorema freudiano!      

Segundo Freud o que se compreende como maturidade sexual é a sexualidade genital Toda a sexualidade que não chega a este ponto é vista como fuga ,ou,no caso ,por exemplo,da homosexualidade feminina,cuja forma de prazer genital é diferenciada,pode ser encarada como desvio Então,assistimos a uma espécie de coliseu moral que,em termos de extrema direita massacra física e moralmente as diferenças e,no caso de uma esquerda  dita consciente,fz a mesma coisa de forma veladaAlguns homosexuais sofrem violências acerbas em países socialistasSimplificadamente,o dogma ancestral da virgindade garante a escolha da donzela que vai unir territorialidades e poder econômicoDesde às sociedades tribais com suas lutas por territorialidades e poder material,passando pelas hierarquias estamentais,territoriais e endinheiradas dos nobres até ao contemporâneo mundo capitalista que,pode até abrir mão deste dogma mas não abre mão dos seus acordos de poderEntão,como nas prístinas eras do cristianismo dos primeiros tempos,ser bem resolvido,pode significar ser bem resolvido em termos de prazer,territorialidades e poderio econômicoNeste contexto é provavel que os despossuídos de tais poderes sejam jogados na arena dos mal resolvidos por ignorância...Na arena dos leões estão as formas de sexualidade alternativa,a carícia,na qual serão jogados os ...desviados...os revolucionários....os contrarevolucionários também...enfim,todos os que não forem inscritos nos ditames do poder hegemônicoComo pensar o amor,o prazer em si... Mas o prazer em si não vive descontextualisado As condições reais de existência de um operário tornam a sua relação com o prazer diferente de quem tenha melhores condições de tempo e confortoSe pensarmos como Marcuse que a noção de sublimação postulada por Freud está a serviço da mais valia  é possível compreender esta espécie de coliseu ideológico que exila das possibilidades de prazer e de amor

Os pobres,o...desviados de toda ordem...e...se pensarmos nas nossas juvenis pretensões revolucionárias que o prazer é o justo prêmio dos vencedores por sua sensata compreensão é provável que estejamos reproduzindo um velho teorema...quem domina,quem é dominadoA pergunta que me faço é:qual humanidade advirá disto... Quando me lembro de minha mãe,das nossas longas horas de silêncio,penso nas velhas questões de ordem que associavam o silêncio à censura mas,nestes momentos,fiz a minha melhor poesiaEla me parece até hoje uma eterna adolescente ,belíssima,meio criança  e falou de amor a vida toda Era meio gueixa e tinha a  dor inocente das adolescentes diante da deslealdade masculinaTalvez mais cultural do que real O que me ocorre agora é o texto Aula,de Roland Barthes Segundo Barthes fascismo é obrigar a  falar e não impedir de falarA ilusão de que o ser bem resolvido com a sua libido é não violento pode ser uma ilusão porque talvez possamos registrar sociedades orgiásticas profundamente violentasContemporaneamente,a ingenuidade de acreditar que libido bem resolvida diminui a dimensão perversa da relação com o prazer no mundo contemporâneo não exclui a realidade da convivência do orgiástico com o hediondo

segunda-feira, 25 de março de 2013

A hipótese da Reencarnação ,Poyesis

nas noites silenciosas de minas várias vezes sonhei com meu irmão Claudio assitíamos a terríveis rituais incas como inocentes e indefesas testemunhas da história algumas vezes beijávamos altares cristãos no silêncio da noite em velhas aldeias e pequeninas igreginhas locais sempre como indefesas testemunhas da história assistimos as lutas das hordas germânicas deixamos nossa carne no coliseu e nosso perfume nas encruzilhadas de sangue para consolo de almas aflitas e ofereçemos doçura para o gozo dos amantes não fomos amados como indefesas testemunhas da história que nunca nos foi permitida nos fundimos no único silêncio possível com toda a ternura necessária inventamos amigos,inventamos amantes eternos amigamantes que somos da história e das gentes que passam no silêncio destas minas viajamos juntos para as estrelas anjos denegados singelos pastores de territorialidades trágicas sem nenhum interesse para nós a esse Claudio que me sabe a Luís,Rocha Manoel da Costa Daufen a minha sofrida homenagem eu,também,inocente e indefesa testemunha da história inconfidente,nem tão ingênua da nossa eterna e trágica esperança (Homenagem a Claudio Manoel da Costa reencarnado como Claudio Luís,meu irmão consanguíneo)Helenice Maria Reis Rocha)

A Lírica em Delasnieve Daspet

A Lírica em Delasnieve Daspet Apesar das noções de lírica estarem frequentemente ligadas à musicalidade da poesia,valho-me,neste estudo de algumas características estruturais da lírica,tais como,a noção de Eu Lírico,a dicção ancorada na linguagem popular e,de um poder encantatório muito mais resultante de uma escrita voltada para os problemas vitais da humanidade do que por características formais Retomo aqui Delasnieve Daspet,lider de Poetasdelmundo no texto: Mãos Humanas Uma mão.Uma mão com cinco dedos Foi assim que o Criador fez... Cada dedo independentemente,unidos e separados..... Se juntássemos os dedos-a força aumentaria, Teríamos mais poder,mais união Deixemos que a terra se torne esta mão forte e unida assim venceremos as lutas diárias a miséria de milhões de africanos de esquálida figura e doce olhar! Mortes pelo Oriente Médio.... Chacina...não é preciso ir tão longe Mandamos soldados para o Haiti Mas o Haiti é aqui,como diz a canção Cidadãos de nações diferentes, O mundo nos foi dado de presente... Foi colocada à nossa disposição mares ,oceanos Montanhas,animais,vegetais ,terras Água,que já falta,ainda sangra do Amazonas, Como sangraram as outroras verdes e espessas, hoje semimortas jazem-verde oliva matas.... Matas...Mata...Mata...Matas!! O homem que mata é o homem que faz Criou e exterminou...trouxe dores que passaram Posses que acabam,glórias que desaparecem vencedores e vencidos povos sucumbiram às mãos,situações mudaram E quando já não houver o perfume, As mãos cheias de bálsamo trarão o alívio A esta comunidade terrestre com destino comum! Crianças mortas esparramadas nos vales, Crianças mortas nas cidades,nos morros, o rico e o pobre A guerra urbana não é só no Brasil! Mãos que fazem guerras todos os dias, e que corrompem e são corrompidas Todas as horas....é mão doce,vil e venal! Mas tudo é possível ao se, juntar das mãos Mãos humanas,juntas agradecem, juntas sãos fortes,podem erradicar a guerra Acabar com a fome,fazer a semeadura da Paz! Plantará a Paz entre os homens,mostrar a saída ensinar a Verdade, E acabará o tempo da incerteza... E a Paz florescerá! Espalharce-a pela terra,criará a harmonia... E todos os povos do Mundo se sentarão a mesma mesa Cada dedo um Continente,um Rio,uma Floresta, Cada dedo uma Montanha,um Animal,um Vegetal Cada dedo é o Vento,que sibila na passagem, É um homem,uma mulher,indissolúveis....Uma família humana! E a mão aberta,a mão humana, pelos seus sulcos,sangrará... E construirá,...Mãos humanas,certeza... Reconstruindo a PAZ(Daspet,pág:67,2008) No momento em que o poema evidencia as contradições de política internacional que resultam na fome,na exclusão e na indústria da guerra,remeto-me aqui a Homi K.Bhabha em: Não passará a linguagem da teoria de mais um estratagema da elite ocidental culturalmente privilegiada para produzir um discurso do Outro que reforça sua própria equação de conhecimento-poder!!!(Bhabha,pág:45,1998) Se o discurso hegemônico,produz conhecimento para si,no sentido Gramisciano mesmo de Os Intelectuais e a Organização da Cultura,um poema que evidencia a face visível das políticas econômicas,as relações interculturais e o faz numa linguagem Drumondianamente coloquial,talvez tenha a estrutura de um texto pacifista fundadorDespojado de qualquer artifício,seja dos recursos formais do estruturalismo e do formalismo na construção da linguagem poética,ou dos artifícios do proselitismo político ou religioso,remeto-me também a Benjamim em: Retirar o objeto do seu invólucro,destruir sua aura,é a característica de uma forma de percepção cuja capacidade de captar "o semelhante no mundo" é tão aguda,que graças à reprodução ela consegue captá-lo até no fenômeno único"(Benjamim,pág:171,1996) Se a auratização da linguagem,seja através dos recursos do experimentalismo do século vinte,seja através a pompa e circunstância do discurso oficial,camufla conflitos a depuração,a simplificação consciente pode levar ao oposto,ao máximo da eficiência na comunucaçãoO Eu Lírico aparece no poema reproduzido neste lar que reconduz a poetiza às próprias mãos e a leva a captar "o semelhante no mundo" através da mão como metáfora de solidariedade e de PazCom uma eficiência muito parecida com a do texto jornalístico, da linguagem da propaganda e do texto midiáticoE a complexidade da Lírica como linguagem irreprodutívelUm dedo que é Vento,Continente,Rio,Floresta,subverte os parâmetros da anatomia convencional expandindo metaforicamente sentidos num exercício de linguagem político,estético e ético Se o discurso hegemônico pressupõe a perpetuação de sua própria equação de conhecimento-poder,como pensar uma tradição que não seja esta perpetuação!!!!Se,com uma dicção lírica,alguém,alguém consegue explicitar as trágicas contradições hodiernas,talvez una em uma nova configuração espaço temporal,a tradição em si e a modernidade Segundo PAZ Se a tradição significa continuidade do passado no presente,como se pode falar de uma tradição sem passado e que consiste na exaltação daquilo que o nega:a pura atualdade!!!(PAZ,pág:17,1984) Se a tradição na linguagem pode significar a perpetuação deste discurso hegemônico que legitima seus privilégios,um entre-lugar,que não reproduz o experimentalismo do século vinte,espelha a face da coloquialidade cotidiana de todos os tempos e diz do mundo o que o discurso hegemônico não diz de si,pode sintetisar dialeticamente este conflito que,segundo PAZ,transforma ruptura em tradição e presentificar o que já foi e a contemporaneidadeSe Píndaro foi poeta da amargura,se a dialética do prazer,com a ascenção da psicanálise não dirrimiu conflitos,uma poética que une,consciência de amargura e esperança,pode ser fundadora de uma práxis de palavra erguida e de uma dicção ativa Segundo Mourallis:.......Enquanto signo,a cultura literária permite distinguir aqueles que pertencem às classes dominantes e aqueles que dela são excluidos"(Mourallis,pág:34,1982)Se há um Criador imanente às ações do homem ,há quem leia e interprete estas ações no entre lugar que dá a cada um a condição de sujeito da própria história e intrumento inocente da mesmaSe num modo de produção em que se privilegia custos e preços ,a palavra erguida neste poema pressupõe determinado nível de consciência que se erige apesar desta realidade,a escrita apontaLembrando Lennon..(Imagine all the people,living all today)imaginemos todo o povo ,construindo junto ,todos os dias A metáfora das mãos unindo territorialidades,diferenças culturais,diferenças econômicas ,num sentido global, desconstruindo a noção de que o processo de globalização transformou as comunicações interculturais num balcão de negóciosÉ também uma metáfora plástica que pode muito bem sedimentar o imaginário coletivo

sexta-feira, 22 de março de 2013

Cantos de Um Amor Tanto Esperado

CANTOS DE UM AMOR TANTO ESPERADO Helenice Maria Reis Rocha CANTO I De onde vararam mil facas brotaram flores fazendo meu amor fiel como um quebranto e desse pranto que ora gemo descem lágrimas para adoçar o sal dos meus carrascos Maria, mil vezes Maria fui às ruas, nua como criança em dia de comunhão no fervor das lutas gritei palavras de ordem. Hoje, do meu coração nascem cravos. Sou só como Antônio Nobre Queria ser bela fazer brotar o carmim dos lábios Mas a vida me quis séria Vejo o brilho da poeira ao sol e amo, lancinada de dor. CANTO II Meu corpo floresce do estrume das horas e esse amor plantado de raízes escorre entre a brutalidade das mãos duras do amante grosseiro triste guerreiro de horas amargas, Hei de sobreviver atávica, como sentença no sentido das minhas palavras. CANTO III Aonde o amor tanto esperado que me vêm tão áspero e sem preparo tão desengano e desarraigado Entre bestas-feras, me arrasto Sangraram-me as asas Negaram-me repasto Onde o amor tão alvissarado que leva as minhas carnes nos dentes e me esmaga. CANTO IV Raios de água hão de florir este sentimento sem nome, tão doce sem voz, tão fundo tão árvore raios de faca hão de ferir este alento tão sério, até manso como as palavras de Lobo Antunes como censura de mãe como maldade de tia. CANTO V Queria o bailado do tempo e recolho a aspereza das vésperas meu amado não me quer meu amigo me escuta calado O vento devassa as entranhas desse outro lado do mundo onde o príncipe se bandeou em carniça. Esse outro lado tão fundo que nem a coragem atravessa por prudência ou por degredo Lugar tão contrabandeado que todos os avessos rejeitam. CANTO VI As linhas do papel cruzam rios de um cismar de todo antigo que vem vindo um pouco sem juízo no dorso de algum corcel louco É quando se prefere o avesso ao já sabido quando a carne pede devoração e o pensamento perde concerto Nestas trincheiras os amantes se perdem e os proscritos se amam como antes ao relento, ao sol, nos porões. CANTO VII Fabulo os seus dedos mansos no meu ventre inerme Calculo os seus flancos leves sobre a minha pele Quem é você, rosto no ar que virá pra desolar a minha paz tão plácida atravessar os meus desertos tantos que nem sei quem és? CANTO VIII Atravesso a paisagem do teu corpo como quem vara fios de cristal Cada músculo se ergue abstrato nesse enérgico retezar de mil arcos. Quem é você que não te toco e que me tocas na solitária oscilação das horas? A solidão do meu corpo busca esse outro que de tão outro se desfaz. Perfilo as margens do teu dorso e não me vejo. Não sou músculos ou se quer Desejo. Nem sou bela. CANTO IX As vísceras desse amor estão na avenida fecundando o asfalto florindo o cimento cru De tanto que se deu virou ferida Devoração Sangue jorrando em constelações de lágrimas Húmus, terra, adubo chão. CANTO X Os passos do silêncio tatuam essa paisagem de afeto mudo murmuram segredos de antigas passagens Vida vivida a sós enfim divido com minha irmã minhas miragens Dia tão sonhado Chegou sou feliz. CANTO XI A diáspora do desejo se faz presente Espero o longe, o que não veio nem vem Meu olhar voa sobre a linha do horizonte Um poema vale uma vida muitos, então nem se fala Sou a cozinheira da palavra. CANTO XII Amor regalado de ensejos esse que anuncia o amante que virá A raiz do mar é o desejo conteúdo e continente sentinela do prazer regalado arrebatamento de espelhos onde os muito carentes se miram. CANTO XIII Meu amor geme como cadáver insepulto porque foi morto antes da hora por palavras impiedosas por vilipêndio e devoração Meu amor nasce do seio das pedras banhado de estrelas renascido como os cantos que ninguém silenciou E vem intimorato cheio de veias de aparatos mais forte do que mil velas acesas. mais forte do que mil despachos. CANTO XIV Riscos de cetim tatuam meu corpo com requintes de delicadeza A beleza do vestido não esconde a face do tempo as carnes flácidas a flacidez do rosto Ainda sonho um amor acanhado capricho da delicadeza em doses de cassis Assim calada espero esse amor tão adiado. CANTO XV Um rosto mapeado de memórias contempla o olor do mundo barulho sem som no trapézio de um tempo, calado um rosto cheio de rios sorrindo triste para o mofo das horas curvado sobre a cruz dos ombros como quem sorri ou chora, fala, abrindo em túnel o vento de uma boca que desvenda a secreta fabulação dos dias Esse amor tão esperado virá como sentença um dia. CANTO XVI Meu corpo só, como um rochedo aguarda um redemoinho para devastá-lo, e jogá-lo ao chão deixando recôncavos de carícias Ilhas e baías de prazer Quem virá como devastação para explorar o que resta de recato? Bailo as mãos sobre esse corpo, como quem busca surpresas Encontro tão somente a equação solene de uma dimensão selvagem. CANTO XVII Gigante de crepom no coração de um sentimento terno aquele homem de além mar misturou minhas incógnitas alinhavou os fios de uma emoção clandestina e me quis fria, como a tragédia De cavaleiro errante em besta fera magoou toda a minha alegria de mim Quem virá pra me achar bela? Quem me fará continente do amor? Será um trapezista? Um homem sério? Alguém virá, talvez de um outro mar, talvez mais belo num outro tempo menos fero. CANTO XVIII As claves de sol caem sobre minhas esperas Uma ciranda de sons dança chovendo leve sobre matiz de velas Tão difícil esse alento sonhado que vem em forma de palavras. cheias da paciência das feras Essa música que vem de longe na voz do homem de além mar me paralisa como olhar de cobra e me doma Ele fala em clave de sol o sentido da minha sorte como quem seduz as mulheres amantes e as mulheres sábias como quem seduz tudo o que é anima tudo o que fala. CANTO XIX Com a face crestada por desertos caminho entre sentenças e lábios despedaçando meu ofertório num mar de cismas Quero o homem d’além mar ele me assusta Faço florir as feridas desse meu espírito solerte Eu, mulher, transformo ofensas, em pétalas Meu coração, um lençol de acrobacias Meu amor, a sua porta. CANTO XX Uma linha pode ser um rio como um rio é uma rua molhada Uma rua pode ser um fio dependendo de onde se olha A dança dos rios e das ruas batizam o silêncio das cidades Esse amor tanto esperado atravessa anônimo as avenidas sem nome sem nenhum recado alvissarando risos e falas Como um rio atravessa a cidade Como uma rua se faz vala. CANTO XXI Os gritos das crianças respingam nos quintais e um sentido ausente se faz valer Amor de tia também tem preço quando é consumido pelas horas Aonde o convidado tão importante que nem veio à festa? Ou o antigo namorado que não escreveu? Nas curvas da lembrança em algum desvão de estiada esse amor tanto esperado valeu dias de desenredo Hoje se faz presente se faz tia. CANTO XXII Amo você como quem bebe chocolate quente em tarde fria as minhas ânsias vadias todas atualizadas esse amor bailando o rumor das águas no torvelinho das vagas sobrevive, proscrito amo você como quem sevicia um menino cheio de caprichos, cheio de vícios Espero que você acorde um dia em meus braços indefeso, vazio e me olhe assustado e grite comigo. CANTO XXIII Lua clara navegando em mar de céu um amor preclaro anuncia o seu valor assustando a violência das vagas desolando a violência das marés. Esse amor, declaro subiu de abismos absurdos. viajou túneis de solidão. Hoje sobrevive mudo às inclemências dos turbilhões. CANTO XXIV Engendro enigmas como quem tece uma página de arabescos bailando as rendas tecendo os pontos desse amor vadio Onde os passos do amado longe ponte de cruezas e amavios? O sal das cinzas batiza esse amor que no entanto ainda cresce como limbo como erva me enredando em sua teia nua. CANTO XXV Essa ausência no meu corpo esculpe vãos minhas na carne ferindo as trilhas da minha pele só. Filha das esperas fabulo o afago solene do amor que virá Que seja doce ou fero virá devassar os meus degredos e arrasar em dedos a minha geografia Virá como ladrão ou cordeiro para ferir os meus flancos virá me roubar os anos. enganando a minha astúcia a minha lógica vã. CANTO XXVI Como unhas de vinagre um sentido amargo fecunda o coração dos sentidos Alaridos longe atravessam antigos recados Do amor quem sabe a face? É todo mãos ou todo facas? A dor de sentir avassala e às vezes resgata fecundando abismos atualizando falas. CANTO XXVII A carne aberta em flores espero o antes se faz hoje na litania das pedras duras mulheres, nada sabem do amor me torturam nas vozes das santas e das feras Com a carne alerta espero amores que um dia virão meu corpo, um abismo de esperas. CANTO XXVIII Panelas de duendes cozinham sentimentos leves feitiço de virgens suspiros de fadas Passos breves fecundam o forte olor da terra flores de anil abrandando feras. CANTO XXIX Peixes de vidro serpenteando as águas do desejo mostram o engano desse desenredo e se quebram no mar Tão delicado que se quebra o tal amor tão decantado filtrado pela peneira do dia se acaba como peixes que se quebram no mar. CANTO XXX O canto do tempo perpassa rituais retumba e volta indefeso sem garras ao lugar da origem O tempo do amor se faz desenredo retorno de travessias trama de verbo transverso medo Ai! Que saudade desse homem arrevesado que morde pelos contrários anjo entortado no laço por alguém mais forte de que eu selvagem menino cruel e belo. CANTO XXXI Os olhos do fogo devassam minha carne florescendo sentidos Uma litania de gemidos me consome São pedidos, são convites Loba em desvario arranco fagulhas da pele e arremesso tocando a espinha dorsal da medula Toda a ternura se esconde no olhar daquele menino médico o homem do além mar Quer ser duro e é terno Não conhece a minha fúria mas se esconde do meu desejo. CANTO XXXII Como anéis perpassando facas um amor enérgico se atavia atalhando carícias duras retalhando mágoas. Como fiéis lacaios do desejo os homens distribuem seus beijos entre as mulheres da cidade Como feras atravessando valas um amor assético se insinua demonstrando a rapidez da bala denunciando a virgindade crua. CANTO XXXIII O aço das minhas asas se perdeu em um labirinto de amores Tensão de abismos testando o vôo minha carne se dissolveu em seivas parindo enredos nutrindo carícias Minhas veias se tornaram rios ferindo veios salvando pássaros Os meus passos se tornaram lentos mapeando o chão desenhando riscos. Um carnaval de estrelas adoçou meus risos O anjo em mim se desfaz. CANTO XXXIV As flores da minha carne descansam em mim Ninguém me disse do amor ou da carícia Como estátua de textura lassa me ergo Só, como uma taça levanto os braços e faço um brinde Aos muito sós, as palavras. CANTO XXXV Livros são favas que recontam memórias Dos amores, a síntese Dos louvores, a graça O balé das palavras fecunda o olor das páginas deflorando sentidos Devorando tempos e espaços a trama do verso se faz alerta A fabulação dos amores se faz presente Como um rio de carícias lentas. CANTO XXXVI A barca da noite, singra bailando o silêncio A arca da noite, dança batizando o tempo Como nave louca balança em águas de mar liso guardando cataventos de desejos escondendo um carrossel de medos O sorriso da noite se esconde nas dobras da manhã. CANTO XXXVII Como um jarro vazio minha fabulação caminha entrando nos desvãos do verbo assinalando os porões dos sentidos A engenharia da fala a si mesma se proscreve quando não diz ou cala A palavra, cicatriz da página batiza estes senões, estas esperas. CANTO XXXVIII A voz das entranhas canta um chamado antigo de começo longe anunciados Gemidos de filhotes queimam as barbáries dos homens De onde vem esse estranho amor que me consome se ninguém me ama ou me quer? Sentimento sem nome, talvez. Estranha designação dos que não se sabem. Meus ouvidos longe ouvem do mundo os velhos sinais Guerras Fome Um novo holocausto se faz presente E esse amor, crescendo Tão solenemente Como um samurai. CANTO XXXIX Os carneiros do tempo cobrem covas de homens e animais Cobrem as novas notícias e os velhos chamados das devorações soterrando risos, rituais Corcovos de vôos antigos batem nos vidros das janelas. crestando as faces dos homens mapeando velhos mitos amarrotando o real. CANTO XL Raízes de ventania sulcam o útero do tempo plantando as sementes da América Na terra, sangue indígena ecoa Soam longínquos ecos. Rios de gritos fazem coro E esse meu soluço parado na garganta. Tempestades de grito ecoam soterrados por um silêncio estranho Na Tumba-silêncio do século. CANTO XLI As cicatrizes da terra sangram mãos de camponeses que adubam os campos Varizes de poeira defloram o grito dos subterrâneos. onde jazem camponeses aflitos semi-vivos, numa cova-viva deserta de homens. povoada de fantasmas orgânicos se dissolvendo entre sal e chão Massa de carne humana florindo as veias das estradas sulcando caminhos. CANTO XLII Carne de papel rasgada em vento Atravessada por fios de um tempo parado a frágil equação dos sentidos ruiu em mim. perdeu viagem, galopando ausências transformando pedra e barro em geometria do nada corpo e mão em esquecidas esperas. Do armor a sentença ansiada espero lentamente as doses homeopáticas. O que vem de longe me comove O que vem de perto me arrasa. CANTO XLIII As máscaras do tempo crestaram as arestas desse amor antes esperado Hoje de tão longe um leve aceno do que foi antes pura voragem Não quero as mãos duras do Homem pétreo Nem a penetração que é punhalada. Quero, antes, o mel da viragem E da esperança, uma brisa. CANTO XLIV O batismo da terra adormeceu as crianças acordou os Lavradores enterneceu os homens e as mulheres. Os nomes que a cada coisa foram dados engendraram a história iluminaram as falas. O batismo da terra acordou o tempo. CANTO XLV Os dedos longos da saudade invadem meu corpo Fabulo carícias e acordo sozinha enclausurada pela geometria do quarto O homem de além mar nem sabe desta solidão Ouço a sua voz e vôo, para além do Atlântico para um colo imaginário. CANTO XLVI Estou só como uma vela apagada unidade exata da solidão Não escolho as minhas horas nem elejo os meus vícios Sou tão somente o resto da equação do amor o lado escuro da incógnita a pergunta sem resposta um dia sem cor. CANTO XLVII Palavras de metal cortando os cernes do verbo soam brancas e sonâmbulas nas frestas da minha saudade Nem sei se ouvi ou se entendi Mais um não. Para além dos meus sustos a vida, alerta. sentença de barro e pó invade como quem corta vento ou desata nós. Palavras de letal alento para quem sabe os nãos e as asperezas valem menos que metal frio menos que nada. Meu amado não me quer mais Seu frio amor já não me sabe. CANTO XLVIII A fabulação dos dias murmura sobre a mesa posta ciciando o repasto das horas atravessando a massa do pão Dias são dias, nada mais. Ou quem sabe são também o alarido dos pardais a incerteza dos homens um apito de trem ao longe. a espera ... Não sei dos dias ou das horas, mas as horas e os dias me sabem como quem fabula incertezas e deplora. CANTO XLIX Brinco sem ornato a tristeza cavalga arestas e cinzela os vãos do meu pensamento Do amor a esperas levando os retalhos das horas fabulando as frestas do minutos. Sorriso sem som esta tristeza imensa atravessa os olhos compridos dessas horas paradas Triturando os filtros dessa antiga espera. Ainda sonho o amor não vindo. CANTO L Labirintos de memória assinalam as estradas cruas por onde passei entre sangue e mãos Sou a síntese do barro do pó a quimérica face sei do homem que geme na última hora e amo as mulheres e as crianças. CANTO LI Uma rua de vidro me chama com seus brilhos ao sol Carne transparente em matéria de água e sal essa rua conclama a um tipo de devoção Vida vista através Caminhos de margens Essa rua me encanta Como dias de nuvens ou as palavras e seus sons. Cidades imaginárias perpassam meus sentidos e me levam. CANTO LII Perdida em um mar de verbo navego sem bússola ou embarcação Palavras naufragam solenemente ou afrontam as vagas, sem direção Perdida em um mar de versos divago sem rumo Multidão de peixes sem rede Uma infinidade de sentidos se faz, por si e em si se resolve revolvendo minhas indecisões. CANTO LIII Arcos de espelhos voam sobre as imagens nuas de um amor sempre adiado dobrando sentenças mirando incertezas. Numa imagem multiface de musgos dança esse amor que pega a laço como hera em parede crua Sobre um mar de asperezas caminho Espero um amor que não virá Irei a ele como um passarinho em dia de viragem. CANTO LIV Dizer não canta, soa captura de uma voz sempre adiada Os espinhos da palavra germinam Os fios da fala não se calam A palavra fere ou acaricia Solerte equação do verbo Essa voz viaja um longo vôo pelas esquinas do silêncio e dos discursos. Antiga litania de gritos ou murmúrios a geografia desse verbo fere espaços sangra e escoa. CANTO LV Amar o tempo como quem viola ninhos ferindo suas fibras desfazendo suas tramas Essa a ironia de quem ama esperar o momento, a hora certa da carícia anunciada como quem espera um pedaço de pão. Do Pai, a bofetada Do amado a distância Do espírito, a ausência No corpo, a cicatriz Quem ama, viola ninhos ou tramas Da face avara do amor o abandono. CANTO LVI O estrangeiro que eu tanto amei fez mapas no meu corpo viajou por suas trilhas com pés de barro e mãos duras arrancando seus tesouros e violentandos seus flancos Fez veias no meu tempo devastando os rios da minha pele minhas preguiças. Este estrangeiro me deixou exangue Sem nome Sem lembranças Hoje sou os traços da sua presença me esmagando o ventre. CANTO LVII Um cheiro de café invade a sala resvala e escorrega pelos veios do tempo um tempo de matizes e de crianças, com um sol preclaro batizando a rua nua e invadindo as salas. Quisera a designação do tempo com anúncio de nomes e esperas me declarando apta e bela. CANTO LVIII A espinha dorsal da procela é essa ausência de mar que mata as nossas ânsias secretas as nossas discretas fabulações Aos navegantes a vastidão da espera O tempo das miragens passou Aos náufragos, a saudade A antiga epifania das vontades de um tempo que perpassa atento náufragos e navegantes protagonistas de uma viagem muda que não disse o nome das águas Apenas velejou. CANTO LIX Pingos de fala caem na tarde Aqui e ali um assobio Cães latem sons agônicos Um fim preanunciado se insinua Quem há de correr até o fim da rua p’rá saber de onde veio o tiro incerto? O homem nu, na cidade corre porque não se cala sabendo aos abismos das trincheiras aos veios das valas morre, também quando se cala sabendo de cor os caminhos das palavras. CANTO LX Ancestral como a face da memória o amor erradio perpassa tempos e não toca nada se evadindo dos portos e das paradas invadindo a porta da noite. Como ave de vôo incerto passa por cima das moradas baila entre os homens possuindo a todos sem possuir nada. amor de viragem dança das vagas. CANTO LXI Aliso o verbo e me acalmo Como pedra em descanso debaixo do sol Quem sabe a face dos sentidos se cala acaricia as palavras e canta a plumagem das falas desfilando oceano de verbo em dias de canção. CANTO LXII Vejo através das areias que engendraram os teus escombros a face dos que se perderam no teu verbo o grito dos que se calaram com os teus remédios a apatia dos que sofreram com os teus choques nos corredores dos hospitais Vejo as lâminas das tuas palavras perpassando mulheres cruas fixando o chão em feridas nuas de onde nascerão as flores germinadas pelos humildes da terra. CANTO LXIII O toque da pedra faz aço o poema transmutando palavra em trama tecendo o viço das denominações A relva aponta para o céu assim como o verbo para o nada. Dar sentido é errância vadia vício intriga fatal A cada dia uma direção trazendo um nome novo para os amores A trama do verbo nomeia o tecido da vida desfaz. CANTO LXIV Germinam as linhas da fala em rios de voz O desenho das palavras não sabe a face desses sons escondendo em seu tecido o murmúrio da multidão Ouço o grito do pregão e o gemido do mendigo o choro da criança velhos pedidos perdidos nas veias do verbo nos sulcos do tempo Espero, alerta, a minha hora farei o meu pedido em praça pública em voz aberta. CANTO LXV As fatias desse amor suave me tiram do chão jogam meus brios no caos me fazem presença distante em tempos de voragem A entrada da noite se abre dando passagem aos mesmos personagens. Os mesmos mendigos Os mesmo bêbados As mesmas perdidas A viceralidade dos sentidos está nas fatias desse amor suave que de tão leve se faz pássaro. CANTO LXVI Enfim chega o termo da peleja sentimento velejando entre as palavras como caminhante sem caminhos passagens fechadas. Enfim chego ao topo da hora como alguém que já se foi ou nem chegou ainda Quisera a carícia suave ou a declaração sonhada Antes, tenho a minha vida e a visceralidade dos meus dias. CANTO LXVII Voz em som de dó maior ressoando nas trilhas da sala ricochetea o tom grave da escala como Deus do timbre Os tons maiores são grandiosos como séries de montanhas ou estátuas. São o ouro da fala o tambor das palavras Quem fala grave fala sério mesmo quando ri ou gargalha O som da voz é fornalha onde alguns tímidos se inscrevem. CANTO LXVIII Alguns homens se deixam amar outros nem tanto O outro lado dos sentidos é o avesso das falas o silêncio de quem ama a muda procissão das horas Há certos homens que sabem amar outros, nem tanto perpassando o campo frio das denominações a alguns designo amantes a outros, devoração. CANTO LXIX A outra margem do real é o avesso das entranhas a ausência do endereço a queda livre em espaço incerto o deserto de palavras essa outra margem esconde os teratas o lado triste do circo os lugares que não são lugares Percorro esta paisagem como quem baila a minha loucura inata. CANTO LXX O homem de além mar me acalma como quem doma um rio selvagem esculpindo veios e regatos nas entrelinhas das minhas esperas Como um tigre em pleno vôo me lanço fabulando a pele desse estrangeiro nas minhas garras ele me toma amarrando os meus pulsos na sua fala. CANTO LXXI Um sentimento de vagas me lança ao fundo inexisto como quem pede palavras e recolhe pedras Meu amado balbucia sua inexistência e me comove como um bezerrinho sem leite em dia de viragem Amo este estrangeiro que cala quando deve falar e que fala o que não sabe como um anjo barroco. As vezes parecer ser um menino as vezes um anjo louco. Í N D I C E CANTO I ...................................................................................................... 1 CANTO II .................................................................................................... 2 CANTO III .................................................................................................... 3 CANTO IV .................................................................................................... 4 CANTO V ..................................................................................................... 5 CANTO VI .................................................................................................... 6 CANTO VII ................................................................................................... 7 CANTO VIII ................................................................................................. 8 CANTO IX ................................................................................................... 9 CANTO X .................................................................................................... 10 CANTO XI ................................................................................................... 11 CANTO XII ................................................................................................... 12 CANTO XIII ................................................................................................. 13 CANTO XIV ................................................................................................. 14 CANTO XV .................................................................................................. 15 CANTO XVI ................................................................................................. 16 CANTO XVII ................................................................................................ 17 CANTO XVIII ............................................................................................... 18 CANTO XIX ................................................................................................. 19 CANTO XX .................................................................................................. 20 CANTO XXI ................................................................................................. 21 CANTO XXII ................................................................................................ 22 CANTO XXIII ............................................................................................... 23 CANTO XXIV ............................................................................................... 24 CANTO XXV ................................................................................................ 25 CANTO XXVI ............................................................................................... 26 CANTO XXVII .............................................................................................. 27 CANTO XXVIII ............................................................................................. 28 CANTO XXIX ............................................................................................... 29 CANTO XXX ................................................................................................ 30 CANTO XXXI ............................................................................................... 31 CANTO XXXII .............................................................................................. 32 CANTO XXXIII ............................................................................................. 33 CANTO XXXIV ............................................................................................. 34 CANTO XXXV .............................................................................................. 35 CANTO XXXVI ............................................................................................. 36 CANTO XXXVII ............................................................................................ 37 CANTO XXXVIII ........................................................................................... 38 CANTO XXXIX ............................................................................................. 39 CANTO XL ................................................................................................... 40 CANTO XLI .................................................................................................. 41 CANTO XLII ................................................................................................. 42 CANTO XLIII ................................................................................................. 43 CANTO XLIV ................................................................................................ 44 CANTO XLV ................................................................................................. 45 CANTO XLVI ................................................................................................ 46 CANTO XLVII ............................................................................................... 47 CANTO XLVIII .............................................................................................. 48 CANTO XLIX ................................................................................................ 49 CANTO L ...................................................................................................... 50 CANTO LI ..................................................................................................... 51 CANTO LII .................................................................................................... 52 CANTO LIII ................................................................................................... 53 CANTO LIV ................................................................................................... 54 CANTO LV .................................................................................................... 55 CANTO LVI ................................................................................................... 56 CANTO LVII .................................................................................................. 57 CANTO LVIII ................................................................................................. 58 CANTO LIX ................................................................................................... 59 CANTO LX .................................................................................................... 60 CANTO LXI ................................................................................................... 61 CANTO LXII .................................................................................................. 62 CANTO LXIII ................................................................................................. 63 CANTO LXIV ................................................................................................. 64 CANTO LXV ................................................................................................... 65 CANTO LXVI .................................................................................................. 66 CANTO LXVII ................................................................................................. 67 CANTO LXVIII ................................................................................................ 68 CANTO LXIX .................................................................................................. 69 CANTO LXX ................................................................................................... 70 CANTO LXXI .................................................................................................. 71

A Barca da Noite

A BARCA DA NOITE Helenice Maria Reis Rocha O GRITO DO NADA Sobre o nada regateio os meios dias sapateando nos espinhos das valas Quando calas, me desvaneço Tu, rosto sem face que me espreita Sou esse rosto sem rosto que me observa Indigno ser errante de um erro sem nome Batizo as estradas com meus pé voantes revolvendo terra beijando o pó da minha espera. A RIMA Joana não tem dentes Maria espera um noivo Clarinha está doente Joaquina não tem parentes Julinha baila nas avenidas e João ficou demente Entre tantos desatinos o que mais me assombra também me desafia Entre tantos rumos só um me desatina: como atravessar o trapézio equilibrando a rima? O ÓCIO Despetalar o ócio esse o ofício de quem cria informando o rumo de um trabalho sem preço Desmascarar o ofício esse o rumo de quem oferta sua cria no altar da consumição Desamarrar os rumos esse o gosto de quem sentencia o doce exercício de vaticinar as horas Desarmar a verve esse o dever de quem arruma palavras em verso explicitando a vida. A FUGA De outro tanto a outrossim escapei da lábia de Caim Não caí no poço fundo da amargura Arquitetei bem a fuga No lado obscuro da armadilha finquei minha geração plantei meus dias vazios dormi sem preocupação. Na cova do desenredo enterrei as sementes do medo e gritei por precaução. A PASSAGEM O adro da igreja se desmancha no ar As reuniões de família são trituradas no pó da lembrança Dança minha intacta intuição do fim na garganta A poesia toda me consome Sem nome, perambulo pelas ruelas do tempo. Onde, os talheres do almoço O passo miúdo de Belinha? O canto da mãe? No âmago do esquecimento que tudo passa Até as risadas dos colegiais. TIA EDITH A voz da prima me comove A Maria do Carmo veio visitar Edith Reis e ela morreu A vida vai e vem como as gangorras nos parques Nem o câncer permanece A voz da prima me demove. Não vou mais chorar os meus mortos elas não voltam mas espreitam o meu fim. O ESCARRO Eu queria uma doença venérea não posso, sou moça casta Nem o pó dos espelhos me deseja. Só a tosse me namora Eu queria a vida em tempo record, com toda a sua nudez descarada. Entre a benção e a maldição escolho a longa ausência que me bendiz e o escarro. A GRIPE A gripe, a gripe, a gripe que não é espanhola e vem sem adereço me sucumbe Sou toda abismos e catarro As praças e as ruas me expulsam ao coro da minha tosse Me afundo, me abundo numa cama de colossos esperando passar a gripe Uma ausência de síntese me constrange. O VERSO Cada porção de verso é uma sentença e isso me aborrece Me inunda a falta de juízo correndo solta nas ruas Tenho o vício de contar as pandorgas e de sentar de cócoras Sou uma poeta cerebrina e vejo a cidade com palavras escolhidas mas a cidade não me vê e isso é bom. A CIDADELA No meio de uma praça invisível armei a minha cidadela Nela não entravam os funcionários do rei ou as damas da corte Ninguém via as flores ao redor do muro invisível indizível teorema de paz indecifrado cilada de lobos refúgio de mansos. O VAZIO O vazio que habita em mim é visitado por um passarinho cantante parcela de vida e sol desdenhando meu rumo sem ninho essa falta de jeito esculpindo mazelas em nesgas de nada O vazio que habita em mim é rasgado de valas onde caem os cadáveres dos meus sonhos. O AVISO Vim de algures sem trazer bagagem tateando alhures os portos da viagem. Quem tem sono tem sombra cobrindo a carne adormecendo a medula em colo manso Tenho do meu sonho a memória de um grito e da passagem, um aviso. A FALTA Neguei, neguei a esmola adormeci a memória e mastiguei a carne em dentes mansos Não sou a ferida do mundo espero a muito tempo um beijo e não tenho. Deus sabe a falta que me falta e ainda me lança fardos. Neguei, mas um dia eu dou, com calma e honrarias aquilo que te falta. SENTENÇAS De onde vem o grito que me batiza a pele Quem é o cordeiro que me banha as vísceras O que é o susto que me deixa alerta Espero respostas, encontro sentenças. VIDA NUA Lendo a rua descreio da aventura de viver As pedras escrevem o barulho seco de passos nus assinando os paralelepípedos de rumos. Os bons e os maus humores batizam essas ruas Viver é algo mais que rasgá-las compassos de vida nua. A BOBA Um branco vertical molha o meu verbo Verve! Verve! Para que serves diante da loucura das crianças? Um branco horizontal atravessa o meu verso Verve! Verve! a quem serves senão aos loucos? Sou a horizontal e a vertical dos bobos. O RISO E O GRITO O riso que o meu gesto esconde não anuncia as manhãs riso tímido de quem galga montes a passo miúdo Desconfio do vendaval das espécies A redistribuição de rendas? Duvido Mas amo o latido dos cães e o grito dos meninos. VENERANDA FACE Endereço ao certo e ao já sabido o meu escárnio enquanto as religiões me consomem Sei da dúvida da solidez do verso da fome Comando meu escarro e beijo minhas fontes na face dos que me antecederam. NATAL Meu olhar desata rios nutrindo carícias Desamarro a respiração dos dias amando o tempo lento, voando sobre o carmim das horas Oro, é natal Isabela exulta o natal foi na casa dela o cristal das falas me embala O alecrim do verbo batiza as salas e as crianças nas ruas gemem como Belinha quando está só. CHUVA Enfim a chuva declarando água lavando as pedras Afirmo a minha profissão de fé na chuva abençoando os charcos Batizo os sapatos de pura água e o dia transcorre sem nome A terra lança cheiros de pós abissais por quase nada. LA LUNA A lua engole a noite A noite se deita sobre a rua acariciando a pele dos amantes A língua da noite lambe os passantes e grita o silêncio do açoite murmurando mel nas alcovas Minas conspira. AS ÁGUAS Uma procissão de águas desaba nos desbarrancados soterrando gritos açoitando os negócios imobiliários Água, barro e carne batizam a terra fecundando o fim As pedras gritam especulando o olhar agudo da dor A Litania dos mortos se cala gemendo A cidade acolhe. PALAVRAS De todas as palavras malditas a que mais me acolhe mobiliza o verbo O verso não canta, corta gritando sentidos O verbo não fala, cala amarrando gemidos. AS HORAS Amo a doçura dos loucos a mansidão dos velhos o tecido das falas Amo o lado obscuro das salas os acordos inconfessáveis o absurdo das valas Amo o impossível de amar nas encruzilhadas dos rumos Amo o desvairado rumor das horas. O PÓ Transpirar o pó como quem sabe do barro a face construindo sobre a terra o andar dessa morada de carne que habito Hei de voltar ao pó exalando o tempo mascarando o fim Hoje as ruas me fecundam a pele em ventres novos Com pássaros na garganta grito os começos e sigo. A CENA A sentença que esse verso encena não anuncia o fim Trapézio de silêncios ao rumor das falas olha calada as arestas do verbo Sou um manso teorema de um começo sem nome Batizo os pássaros e tenho fome. A MINHA CARNE A carne que me batiza não desatavia as manhãs Antes anuncia enigmas proferindo alto os nomes das profanações Difamei o sagrado rumo das horas Informei o sacro ofício dos rumos Prossigo, selvagem. LADEIRAS As ladeiras clamam músculos para a alegria das subidas Na descida todo santo ajuda Declino das ruas como quem profere avisos e sigo Quem não tem nada, tem ruas e o mudo olor das tardes. BEM-TE-VI Cansei das vozes e das falas Prefiro o mudo augúrio dos meus cantos e prefiguro a sorte, calada Nada me anuncia alvíssaras além do pio do bem-te-vi no meio do dia. PASSOS Não sei quem me alinha os passos Só ando em caminhos estranhos tirando das vísceras meus dardos lançando ao vento meus gritos Não sei quem me embala os abalos Só sei que clamo. A ORIGEM Na origem o balanço dos começos declara o silêncio Vejo o ondulado das ruas, namoro o desenho das pedras sobre os pés Não tenho nada Só o início e o fim dos meus dias. INTRÓITO Danço com o meu verso triste uma valsa e esse par insólito me consola Sinto através dos dias uma falta e essa ausência me denuncia Os dias seguem esse mudo intróito. O ARSENAL Um arsenal de silêncio invade minhas entranhas A paz vem das vísceras onde o mudo caminho do grito se instala Um desfile de avisos se cala na minha garganta Tenho a palavra e o presságio. O FIM Trafego ruínas como quem dobra sinos O que foi, foi sabendo ao silêncio e ao fim Tão consoladores os fins O que não tem fim não dá descanso. A TRAVESSIA DAS FALAS Fala Aparecida! Amo sua voz e seu gemido Fala Maria! Amo seu riso proscrito Fala Luísa! Amo seu grito Fala Joana! Amo sua gana Fala mulher! Procura quem te quer que a vida urge! O BATISMO DAS FALAS Os rios que correm nas falas não deságuam no mar antes sussurram mansos nos sulcos da palavra ou gritam nos cernes das pedras furando o duro equilíbrio pétreo O batismo das falas não tem nome. FESTA Esqueci as asperezas e proclamei o meu dia de festa Nas janelas, flores nas ruas, amores Não conheço as dores do parto e já abençôo a agonia No dia do juízo estarei alerta. O CONVITE Assombrei o tempo com fantasmas simpáticos Desvelei o outro lado da sombra dançando no umbral dos vivos Os mortos nos sorriem desdenhosos nos cantos esquivos da lembrança Canto o dia fatal que virá como um convite. SACRO OFÍCIO Me escondi no altar das feras em dia de sacro ofício Ninguém me achou, nem parentes nem amigos O dia e a hora da devoração despetalam o futuro proscrevendo ritos A hora do vôo nem sempre desvela o grito. O GRITO DO SILÊNCIO Um cordeiro desesperado urra o sacro ofício dos santos e essa dor calada dos sacrificados ecoa pelos quatro cantos. OFERTÓRIO Construindo a voz dos famintos de toda espécie esculpo parcelas de gritos Nas entrelinhas do meu verso livre gritam os que nunca tiveram amor gritam os que nunca tiveram parentes gritam também os que tiveram e os que têm fome Eis o meu ofertório de gritos. AS CRIANÇAS A aragem do cio frutifica os campos Os quintais cantam nas quimeras imaginadas Hoje, o urro mudo das crianças batiza as ruas O inominado permanece irreconhecível no cimento cru. Não tem certidão de nascimento É natal. O REAL E O NADA O eu lírico é um mentiroso que finge delicadezas Quem é e não é baila em ásperas estradas descaminhando entre o real e o nada. MEU RISO Quero da calma a medula o matiz mesmo do silêncio mas amo o grito das ruas o gemido solitário dos sinos os risos Vejo o dia como quem planta gritos e rio o meu riso sereno de loba. AGORA Tudo está para amadurecer O verde dos tempos planta raízes nas ruas tudo está por acontecer O que não veio, virá nú revivendo as manhãs tudo é agora quando a vida nem batizou as horas e os minutos não têm nome. O SILÊNCIO DO TEMPO Vejo as raízes das horas olho O tempo molha as avenidas mudo sempre mudo porque nós é que falamos O tempo fecunda os destinos e olha, calado. OS DESCAMINHOS DO TEMPO Aquela rua era como um vão sem rumo Os velhos abençoavam mansos suas pedras As crianças acreditavam nela Aquela rua era como uma vala sem bruma As mulheres caminhavam nela Os homens as acompanhavam Aquela rua corre perdida os descaminhos do tempo. UM VERSO MANSO Esculpi um verso manso nas curvas das estradas Nem os fortes derrotam a mansidão de um verso Enganei o perigo e me entreguei inerme ao pacto inocente com as manhãs A calma viração das manhãs abençoa o desfile dos dias. PETRÔNIO E O MAR O mar mora dentro de mim Nas minhas veias navegam peixes e dançam piabas Atravesso as montanhas de Minas cheia de mar como o Petrônio Bax e rezo. O SONO DAS CRIANÇAS O lírico despertar dos meus gritos acorda o sono das crianças Grito como as mães cantam A epiderme desse canto desliza pelos cantos da minha ausência. MARIA ! Maria, porque te fizestes tão mansa dentre as mulheres! Pari com dor, ofendi aos santos, pequei! É tanto o meu amor que a santidade não cabe nele Perdoa Maria. GLÓRIAS PASSADAS Lavei as pedras da rua do meu amado Benzi seus beijos inflamados Bendisse suas mazelas Hoje, calço minhas chinelas e danço na soleira da porta as glórias do amor que vivi em sonho. O GOZO O gozo não tem hora nem pressa Quem tem dos dias a memória do gozo tem também a glória de ser livre Mastigo os minutos como quem bendiz as horas e bendigo também a assinatura dos segundos. MAZELAS Tatuei minhas mazelas de santas aspirações O riso do meu desejo visitou minhas entranhas Minhas vísceras apontam para o nada onde nem o punhal ou a carícia se encontram A vida apunha-la minhas relíquias ferindo fantasmas que encontrei. A TATUAGEM DA ESPERANÇA Insisto inclemente na esperança Entrego ao pó das ruas o gemido dos loucos exijo respostas A gargalhada do destino me espreita e me deita na cama dos desesperados Levanto e rio mais alto. ANCESTRALIDADE Meus ancestrais gozam de boa lembrança só não saem das tumbas porque não têm hábito O balé dos mortos ainda não despedaçou meus ritos Brinco o despetalar dos dias como quem inventa gritos. Meus ancestrais, sólidos na lembrança, riem. A ARQUEOLOGIA DO VERBO A arqueologia de um verbo mutante atravessa meus ossos como um catavento movimenta sentidos Assim perfurada reviro meu siso Vejo clarividente mutação dos começos em chuvas de radicais As palavras e seus fins inventam malícias. MEUS OSSOS Os ossos que a minha carne sustenta balançam os chamados da paz agüentam as provas que essa carne exige engendram passos sobrevivem. A SEIVA DOS DIAS Rabiscando nadas no tempo a poesia finge sentido Eu queria mesmo é ver os primos comer pão recheado enganar o juízo Escrevendo cicatrizes em valas a poesia vive ao abrigo e a vida escorre na seiva dos dias. DEUSES O diabo não me engana porque tenho parentes e amigos que me enganam mais Uns dizem: Tens talento outros; nem tanto mas o meu secreto poder de confundir meus fardos enfurece os deuses que bendigo. O PIVETE Sou poeta, quem há de negar? O lírico rumor das esquinas me chama Vou, sou poeta e o pivete me assalta. AMOR DELIRANTE O suor fino da chuva transborda a secura da tarde Antes só a saudade apunhalava a dor Hoje, deliro as folhas de uma ausência O amor não veio amo, sem resposta. OS PASSOS Os passos do silêncio caminham sobre meu entendimento deixam pegadas limpas, mas cruéis Sou esse longo momento de espera quando alguém diz não e eu ouço, sim. DESAFIO Lanço aos céus um desafio saber o que há de mim em ti e o que há de ti em mim Lanço aos milênios uma provocação saber o que há de amor em nós além do fim anunciado. O SENTIMENTO DAS HORAS Estou livre e não sinto as horas As pandorgas sujam o céu e me consolam Tenho pena de mim, de ti, dessa distância que nos condena ao fim e deploro Nada sei de amor e às vezes, imploro. LINHA DO HORIZONTE Dançando sobre a linha do horizonte vejo os dois lados do mundo Posso cair a qualquer instante num abismo bem fundo Esse, o engenho do artista Se erguer do abismo num trapézio imaginário. O SUL DO CORPO Seivar a urgência de carícias alimentando a paisagem da ternura A usura dos amantes é a economia da ternura A seiva subindo a paisagem do corpo como mãos que beijam O sul do corpo em festa. O ESCONDERIJO DO ANJO Uma esperança suada dança nas avenidas canta no grito dos pregões chove no choro das crianças O ano se esconde no fim ao longe os aviões arranham o céu alvíssaras. A FALA DO SILÊNCIO A paz das ruelas atravessa meus cernes Sou aquela que espera o companheiro na noite espreitando o rumor da madrugada Sou a fala do silêncio beijando o murmúrio das estradas. A CARNE DO GRITO A carne do grito apodrece nas trincheiras Onde descansa a pele da criança nua atravessando meus rins? No olhar das ruas Excruciantes ruas de espasmos cruéis. A PALMA A palma da alma bóia na trilha dos caudais Um caudal de avisos risca a palma Um caudal de risos rabisca a alma. A UTOPIA Desornada face de uma idade sem lugar a utopia sussurra saídas dos túneis da esperança O balanço dos fins não tem preço O sorriso dos pássaros guarda as entradas. GRITOS DE VÉSPERAS Viscerais gritos das vésperas clamando os mansos para o festim das bodas pedindo aos fortes para deporem as armas Vesperais gritos de ontem os que vão nascer vos saúdam. O SALÁRIO O salário dessa parca vida me constrange Vejo no sono dos esquecidos a inocência dos anjos e isso me entorta os juízos que me restam Não sou presença na memória dor ou riso. OS ANOS A realeza dos anos descansa aqui, na minha mão jorrarão pássaros da minha verve Terei descanso porque não dei aos vermes o festim da devoração vim de ontem, atesto hoje meu sinal de presença amanhã, quem sabe, as esquinas batizarão a minha carne a tarde sussurrará a minha ausência a toa. O POEMA A carnação do poema se faz verbo em flor Toda a dor desse entreato se consuma na palavra Falo do amor da sua ausência em mim, em ti no clamor do tempo Canto as ruas, nuas ou bem ou mal canto Canto a palavra em semente e cor Canto o grito em semente e dor. O PÃO O pão que me acolhe não floriu o meu sangue, antes me esvaziou as veias Veio do pedido exangue em dias de horror As portas que me espreitam a face me recusam o abraço antes se calam, inermes Conheci o eito e deito-me ao relento conheço um lençol negro de estrelas me abençoando o peito. PACTO DE SOL Os domingos e as praças comungam a hóstia do silêncio e não precisam do cordeiro O corpo do sacrifício é uma ausência Nada grita além dos chamados dos meninos Os domingos e as praças se abraçam Pacto fatal de sol e tarde. DESPEDIDA Adeus poesia Vou prá bem longe onde os homens não rezam ou recitam só amam. Í N D I C E O GRITO DO NADA ............................................................................ 1 A RIMA ................................................................................................ 2 O ÓCIO ................................................................................................ 3 A FUGA ................................................................................................ 4 A PASSAGEM ...................................................................................... 5 TIA EDITH ............................................................................................ 6 O ESCARRO ........................................................................................ 7 A GRIPE ............................................................................................... 8 O VERSO ............................................................................................. 9 A CIDADELA ........................................................................................ 10 O VAZIO ............................................................................................... 11 O AVISO ............................................................................................... 12 A FALTA ............................................................................................... 13 SENTENÇAS ....................................................................................... 14 VIDA NUA ............................................................................................ 15 A BOBA ................................................................................................ 16 O RISO E O GRITO ............................................................................. 17 VENERANDA FACE ............................................................................ 18 NATAL .................................................................................................. 19 CHUVA ................................................................................................. 20 LALUNA ............................................................................................... 21 AS ÁGUAS ........................................................................................... 22 PALAVRAS .......................................................................................... 23 AS HORAS ........................................................................................... 24 O PÓ ..................................................................................................... 25 A CENA ................................................................................................ 26 A MINHA CARNE ................................................................................. 27 LADEIRAS ............................................................................................ 28 BEM-TE-VI ........................................................................................... 29 PASSOS ............................................................................................... 30 A ORIGEM ........................................................................................... 31 INTRÓITO ............................................................................................ 32 O ARSENAL ......................................................................................... 33 O FIM .................................................................................................... 34 A TRAVESSIA DAS FALAS .................................................................. 35 O BATISMO DAS FALAS ..................................................................... 36 FESTA .................................................................................................. 37 O CONVITE .......................................................................................... 38 SACRO OFÍCIO .................................................................................... 39 O GRITO DO SILÊNCIO ...................................................................... 40 OFERTÓRIO ........................................................................................ 41 AS CRIANÇAS ..................................................................................... 42 O REAL E O NADA .............................................................................. 43 MEU RISO ............................................................................................ 44 AGORA ................................................................................................. 45 O SILÊNCIO DO TEMPO ..................................................................... 46 OS DESCAMINHOS DO TEMPO ......................................................... 47 UM VERSO MANSO ............................................................................. 48 PETRÔNIO E O MAR ........................................................................... 49 O SONO DAS CRIANÇAS .................................................................... 50 MARIA ! ................................................................................................. 51 GLÓRIAS PASSADAS .......................................................................... 52 O GOZO ................................................................................................ 53 MAZELAS ............................................................................................. 54 A TATUAGEM DA ESPERANÇA ......................................................... 55 ANCESTRALIDADE ............................................................................. 56 A ARQUEOLOGIA DO VERBO ........................................................... 57 MEUS OSSOS ..................................................................................... 58 A SEIVA DOS DIAS ............................................................................. 59 DEUSES ............................................................................................... 60 O PIVETE ............................................................................................. 61 AMOR DELIRANTE ............................................................................. 62 OS PASSOS ........................................................................................ 63 DESAFIO .............................................................................................. 64 O SENTIMENTO DAS HORAS ............................................................ 65 LINHA DO HORIZONTE ...................................................................... 66 O SUL DO CORPO .............................................................................. 67 O ESCONDERIJO DO ANJO .............................................................. 68 A FALA DO SILÊNCIO ......................................................................... 69 A CARNE DO GRITO ........................................................................... 70 A PALMA .............................................................................................. 71 A UTOPIA ............................................................................................ 72 GRITOS DE VÉSPERAS ..................................................................... 73 O SALÁRIO .......................................................................................... 74 OS ANOS ............................................................................................. 75 O POEMA ............................................................................................. 76 O PÃO .................................................................................................. 77 PACTO DE SOL ................................................................................... 78 DESPEDIDA ......................................................................................... 79

quinta-feira, 21 de março de 2013

Limbo das Horas

O LIMBO DAS HORAS Helenice Maria Reis Rocha HISTORINHA Napoleão passou por aqui com seu cavalinho comendo camponeses cuspi três vezes A Inglaterra passou por aqui com suas galeras comendo escravas joguei três pragas A metro Goldwing Mayer passou por aqui com seu leão de ouro comendo o ocidente joguei três dados A história passou por aqui e comeu todo mundo morri de medo ESCOLHA Entre o universal e o particular Entre o absoluto e o relativo Entre o cosmogônico e o escatológico Entre Ahura-Mazda e Arriman Não fique doente Tome urodonal e viva contente TEATRO Cenário de reticências onde a calma vida íntima das coisas se desfaz e adere às aparências de momento no variado teatro dos salões do congresso aos palácios de artes desfilaram os últimos gritos da mídia imperceptível armadilha que mesmo aos muito rudes as vezes apraz negócios do ócio que fazem fortunas e multidões mas não desafiam a solidão do último sonho sonhado e nem a raça dos miseráveis da terra DIAS Tenho dias alegres, outros, nem tanto ouço compungidamente o noticiário cotidiano com um fervor religioso deploro as crianças com fome ouço ao longe um pássaro cantante espetáculos de multidões em guerra o limite tonitroante entre o excesso e o contraste o sol nasce entre as montanhas e entre as trincheiras beleza e horror comungam nesse instantes POYESIS Declaro o fim da poesia quem se interessa por esses escarros a que chamam metáforas? Talvez algum vagabundo ou algum mendigo atrapalhando o trânsito valham mais que isto Talvez algum infame, escrevendo Palavras pornográficas Ou quem sabe alguém usando uma linguagem estranha para enganar algum carrasco? TARDE O pão sobre a mesa, o café os pardais na janela a fé exata a agonia da tarde a loucura inata da velha sozinha na casa Cada minuto uma sentença preanuncia a despedida a exatidão das horas prediz o tempo do que foi no irrecuperável movimento de partida do minuto de antes para o de depois A CHAMA DA VELA Rios de falas mineiras perpassam minha precária memória mas nessa travessia ancoram os silêncios as conspirações as entrelinhas como diria o Celsinho uma sedução respira no ar Sinto o seu ritmo pausado arfante sua presença Em Minas tudo murmura o badalar de um sino é uma sentença tudo agoniza tudo sussurra A dor de Tiradentes ainda soluça nos cantos e Minas, nem tem mar O CIO Submerso sobre a placidez das horas o cio, esse tema menor não tem autor e sobrevive anônimo mas subsiste e estigmatiza a carne imanente nos murmúrios nos escuros do quarto Ante-câmara do desejo preanuncio do ato tão belo tema tão poucas palavras que de terrível introspecção me faço escrava mergulhada nas abissais emoções do prazer esqueço qualquer menção material da fala. ERRÂNCIA Toco o quociente entre a palavra e o sentido faço a operação pertinente e desafino esse desajuste que faz a diferença me faz pessoa sem convicção, sem destino sem endereço certo errância vazio Adejando o ininteligível discurso dos anjos proclamando alto os mais chulos nomes da terra explícito a oscilação pendular de significação que às vezes o exercício da poesia encerra GOZO Este lado subterrâneo do mundo feminino cavalga silêncios navega código misteriosos. porão carbonário de acordos inconfessáveis sussurros e cicios de bruxólicos segredos consolo dos mártires libertação dos encarcerados prisão dos nascituros encantatórias armadilhas encerra. Senhora de gozos abissais ou prisioneira dos mais terríveis medos a fêmea avança, recua permite, nega rainha ou vassala impera dona dos mortais Mas de Eva a Maria Santa ou guerreira inocentemente se entrega NO PRINCÍPIO ERA O VERBO Às vezes me ocorrem barbarismos de poesia a palavra se insurge e me toma concreta sem retoques completa vai ganhando espaço, sem pedir licença e segue, selvagem sem marcar presença CIO DAS HORAS Inusitada figura de trânsfuga simulacro terata com o meu corpo grande e estranho ouço a minha voz interna de mulher dizendo calma, sinto o doce cio das horas o doce chamado das entranhas Quem virá? Não sei Talvez o passageiro do tempo das estações homem grande desarticulado objeto de desejo tão sonhado e distante CARPINTARIA Todo poema tem um instante de hesitação um momento de parada uma dúvida um vislumbre Todo se resume na síntese de um segundo quando as palavras insistem em se ausentar e alguma emoção vagabunda se instala Em Esra Pound a poesia idéia se declara em Jacobson, configura o estatuto da materialidade da linguagem A intuição do verbo me paralisa Poyesis e prazer se confundem A estesia me inaugura num tipo de mistério OS SENTIDOS DA POESIA A vigência da poesia não tem duração de mandato A buzina da polícia ressoa no ar Ouço o grito no escuro o tiro certo pressinto grandes negócios o destino por um fio o limite do renegado testa a medida do mar um corpo cai, de olhos abertos poética do cruel dessangrando em significados a diversa realidade Sublime ou horrenda a poesia me excita mais COTIDIANO O travestimento do banal descansa no extraordinário Um menino jogando bola um papagaio no ar um pequeno cemitério, de preferência indígena Todos os figurantes vestem gala e vão para a festa principal Uma igrejinha na estradas Uma professora e sua aula inaugural Uma singela borboleta que pousa na mesa da sala DIZERES O não-dito permanece ressoando entre as vozes da vida passeia entre as conversas de bar entra nas alcovas baratas Síntese de prístinas eras se afirma negando o banal o cotidiano o real os sonhos as esperanças o necessariamente humano patética dissimulação do que todos sabem e não falam O não-dito desvenda a semântica do fogo prisma visceral por onde o secreto saber escapa súbito espanto dos que não sabendo sabem DECÁLOGO Exilada de mim eu sou quem vai e quem volta Sou a metade que dorme e a outra metade que acorda Sou a legítima e a outra constante movimento de esperas longa paciência que diz não breve sabedoria que diz sim quando as urgências apertam ERRO DE PALAVRA Entrância nada mais me socorre corporeidade que acontece dentro e fora matéria orgânica visceralidade semântica de uma orgástica palavra sem verbete, sem matéria lembrança ancestral de um mundo sem nome cheio de vocábulos estranhos A NEGAÇÃO DO POEMA Nem todo poeta faz poesia Entre a inércia e a ação há um desvelo, um hiato descurando o verbo de sua existência virtual Virtude ou vício a negação do poema as vezes se consuma exumar a palavra se torna um hábito VIAGEM Meu pensamento viaja e as vezes se instala em um não lugar a des-horas aonde não acontece nem nada Espaço não identificado de um mundo nem esquecido Puro idílio dos que não foram nunca sugeridos com tumbas razas sem nome e um velório com um velante Tem prostitutas e senhoras e famílias duvidosas onde há virgens tresloucadas e velhos se masturbando no escuro um lugar perdido num não tempo quimérico, lírico que toda potência adâmica despreza que todo poeta procura ESPELHO Náufraga inocente da dúvida vejo o desfile da vida sem espanto já hesitei entre o pó das ruas e o meu canto vivendo à margem de mim mesma ruminando Eterna diáspora, sentimento do exílio sobrevivi a mim no entanto Ásperas incertezas me atravessam na crua nudez das horas quis ser outra, em outro lugar mas sempre encontro o espantalho de mim mesma em algum canto a face real do avesso o reflexo as entranhas TEATRO A consumação de um entreato me inicia Quando grandiosas cenas de um viver único se confundem Os poderosos donos da terra teatralizam valores de família em representações insólitas A singeleza original de não se ter nada resgata esta consumação mostrando entre um ato e outro outra alternativa MURMÚRIO Outras falas me comovem vindas não sei de onde Sabem a face da exclusão algaravias de lavadeiras em rios gritos de crianças correndo soltas monólogos de velhos solitários o canto monótono dos monges a fala dos loucos sem nome mendigos brigando na rua obstinado sentimento de um mundo que me faz atenta fora dele Falas me adentram fundo me embalam, me seviciam o primeiro choro da criança murmúrio de mãe, êxtase putas gargalhando alguém tocando um solfejo assovio de madrugada tristeza de mulher sem homem FINAS SENSAÇÕES Envolvida em latins e citações de Safo vou saindo, finória última espécie dessa raça insubordinada que carrega o valor preclaro da incurável rebeldia Entre a latrina que fede e a delicada sensação do amor escolho o grito, o palavrão, a obscenidade a explícita honestidade das mulheres que nunca negam VERNIZ DAS COISAS O começo preanuncia o enredo da trama vislumbrada o laço o dia a dia das coisas tem seu preço o bêbado na esquina o padeiro o pedinte o abraço em cada objeto uma história ruídos e vozes reivindicando presença O cotidiano e seu mistério as vezes se esconde num retrato O pecado original nunca cometido teve seu início num dia a todos igual esse roteiro anunciado não tem premeditação doce cela de viventes já cansados TRAPÉZIO O fio que une o ser à paixão se desgasta como filha que bate em mãe dos navios só tenho fotografias mas sinto dos seus apitos a graça A poesia afirma várias coisas sem sublinhar nunca nada os seres e as coisas desfiam nela como folhas ao vento ao sabor do acaso GOZO ANCESTRAL Fino desvelo em poema o desejo se desata puro zelo finge recuo e nos desacata O sino da Igreja bate um estranho gozo me constrange coisas antigas nunca acontecidas fazem memória uma boneca de pano um pedaço de giz um palhaço a agonia de Jesus se faz presente gozo de quem ama e se despedaça Minha mãe canta um tempo antigo se atualiza intacto Fabulo sons nunca ouvidos e gozo o gozo do não-ouvido me surpreende velas passam a procissão segue, funérea triunfo dos que sofrem e amam a saudade do que não tive me conforta DOCE AMÉRICA Eu estou azul de fome eu estou com uma fome azul estou com uma fome negra a fome é negra ou azul? É verde-esperança na América do Sul ENTRE A VIRTUDE DO VÍCIO Há certas coisas que a paixão desaconselha prefiro o essencialmente humano ao bom-gosto sinto dentro de mim as próprias razões da dor as entranhas mesmo desse sentimento as ciladas do desejo a solidão e nesse estranho reflexo de mim mesmo me vejo despojada de inúteis defesas e no comando de tudo, ela a paixão. TEMPO Inexiste a calmaria das horas quando tudo o mais anuncia a passagem do tempo na carne Tudo urge, emergência tardia do que ficou para trás paixão do instante amores juvenis se vão paisagens esquecidas viajam sob a retina inexatas, incertas com a imprecisão de um momento POEMA MINUTO Quando penso desescrevo SENTIMENTO DO MUNDO Toda virtude me assombra tudo que tem nome fenece o não falado o sonho arremeda o extraordinário do nunca em doses lentas acontece Quem sonha pecados arrepanha retalhos do mundo da vida SER TÃO O arrenegado se apresenta nos entrementes da fala melífluo cuidadoso catimbento cavalga os longe lugares do Sertão o Sertão faz parada no invisível dos olhos POEMA Singular simplicidade teorema desafinado raiz signo deslocado desajeitado se configura o poema objeto estranho desajustado inconveniente sensual e orgástico irredutível problema semântica do intraduzível palavra selvagem síntese do essencial poexema ANTIGAS CIDADES Sinto saudade de um mundo que não vi ante memória de um vivido que se perde e num momento antecedente se desfaz E lá existem cidades vazias virgens de tudo que a vida traz Pequenos objetos sinalizam antigas presenças um pássaro na pedra um desenho na rocha e toda uma vida cotidiana se refaz ossos panelas de barro antigas civilizações se entremostram Calaram o grito do Inca, do Maia, do Asteca Mas as cidades ainda estão lá SENTIDOS DA NOITE Vejo a noite e seu expectro impressionante sinto uma solidão obstinada fatalismo dos líricos realidade atávica mansidão cívica Todas as praças me emocionam cobertas pelo véu da noite prefiguro a sua corte de vultos os mendigos que defecam as gargalhadas das putas o choro de alguma criança a luz de algum bar distante Eu queria a visceralidade dos miseráveis a dolorosa humanidade dos perdidos antes disso tenho a noite e a solidão do meu quarto FATHER Ouvi um som muito distante parecia a música de meu pai Bach, Mozart, Vivald, Radamés Gnatalli música clássica e moderna meu pai está em Passárgada lá ele é amigo do Rei aqui viveu, amo, sofreu e foi Rei SOLIDÃO Jesus Cristinho me acena com a mão Vem | Vem | Não vou | prefiro alguma esbórnia mesmo sonhada prefiro A CONSTRUÇÃO DO POETA Um vazio de imagens me imobiliza O império da angústia deve ser assim ausência fuga impossibilidade meu heroísmo consiste em contrariar a natureza desse atavismo e do nada encontrar alguma vida O poeta se faz na adversidade na negação dos sonhos na natureza dividida A ESCOLHA DA PALAVRA Simulo esculhambar com o bom gosto dos bedéis escondendo na algibeira a palavra exata doce cicio de significados diversos marulhando ao ouvido um oceânico sentido Escolho nomes suspeitos desprezo pessoas de bem simulacro de pretensas elegâncias Desavio qualquer nobre condição resguardando no fim uma esperança um presságio ou alguma convicção GAUCHE Se der tudo errado sapateio um flamenco na avenida central da cidade bebo um brinde ao anonimato aos transgressores e a todos os mal amados. porque a glória não me interessa mas rastreio a experiência genuína o matiz da medula tudo que ensina mas desaprender todo dia é meu ofício embarcação de contradições cheia sem surpresas ou sustos bailo esse suspeito sizo O LUGAR DA HISTÓRIA Letárgico pressentimento ou antegozo de um futuro desejo emergência de árida memória a concretude da história se faz presente misturando o que passou com o que virá No dramático momento em que o cotidiano se esfacela os seres e as coisas mudam de lugar os sentidos deslocam suas hierarquias esperadas E o que se julgava perdido desaparece para reaparecer nesse outro tempo de novas paixões de palavras vãs DESSACRALIZAÇÃO Dessacralizo mistérios como quem rouba segredos de virgens dispo-me ao pé do altar cantando e dançando as sagradas palavras Em nome do pai, do filho do espírito santo banho seus pés como quem desnuda o coração do amado e viajo em seu corpo como quem faz uma oração Às vezes, tenho pretensões de princesa é quando minha voz interior me cala desafio toda a soberba e vejo o tempo entrar pelo meu corpo absorta, percebo que sou nada qualquer provocação vulgar me embaraça Sou da mesma laia das rendas ordinárias quando alguma pretensão se instala desaprisiono a minha porção marafona Sumária ÍTALO Ítalo Mudado ícone de alto astral semeia ventos quando fala colhe tempestades quando ri meu coração fica aos pinotes e evoca as coisas abstratas o que há além da paixão porquê o amor as vezes arrasa evoca as coisas concretas por exemplo poyeses “ação de fazer algo” tudo o que trabalha CELIBATO Todos vão à missa ou às procissões ou aos carnavais No quintal do meu coração germina um verme esquivo origem de tudo que é estrangeiro de tudo que vem de longe de um outro lugar Sobrevivo sistemática aos grandes acontecimentos acompanho paciente a banalidade dos dias Estrangeira entre familiares diferente entre iguais a conseqüência de tudo desafia a esperança mas às vezes o imprevisto se reapresenta Todos têm filhos todos amam tudo vive e morre filha e amante do tempo erva maldita sobrevivo em qualquer lugar SENSUALIDADE Comovida como a vida Nudez sem os disfarces da beleza ou juventude a sensualidade explicita não escolhe religião ou pátria os muito belos que me perdoem mas calor humano é fundamental Gozo anônimo sem nome ou sobrenome privilégio de rebeldes inocentes como os animais não sabe a inúteis cortesias nem a gentileza de superfície vai direto ao fundo do corpo miséria das palavras glória dos essencialmente imortais A imortalidade jaz num minuto de prazer real CIRANDA Uma ciranda me enternece quem adormece criança merece o prêmio dos céus tão acordada me vejo sem saída sem descanço Desperta vejo o fim de um ano de dois, de três da madrugada sou íntima companheira Insônia Síntese de uma vida inteira ACORDO SECRETO Minha mãe padece de dores atrozes na espinha e canta Eu queria um galinheiro no quintal gatos na cozinha cantar num jogral tenho da vida as vísceras da morte, a lembrança de meu pai bato o pé e requebro regateira enquanto tiro as roupas no varal Tenho do futuro a esperança e do presente alguma saudade A NAVILOUCA Navilouca atravessando o plenilúnio pressaugurando o renascer do dia passariáureas aves da manhã pipirolando o solarlindo céu a navilouca atravessa o dia louca a nave vai através de temporaliza a insólita desconhecida imagem não identificada, irredutível vai DÚVIDA Não tenho o passaporte para a felicidade Nenhum devenir me atribula um saber antigo se insinua as instâncias de um delicado sentimento se configuram Não tenho nada a dizer e estou só Impotentes as velhas palavras povoam o silêncio Não tenho rugas ou marca do tempo além de alguma flacidez e a inevitável cicatriz de algum passado FANTASMA Eu queria conversar com a minha amiga ouvir apito de trem fazer alguma comida Sinto a dor de minha mãe me paralisando as entranhas pairo sempre sobre os abismos namoro os grandes pecado sobrevivo A decadência me transpassa em vôo razante antes de mais nada se impõem vidas POLIS Sobrevoando labirintos de inusitados sentimentos pouso nas esquinas de esquecidas sensações e a concretude das ruas me desperta A emergência do presente apunhá-la minhas pretensões minha distraída intenção de ir adiante Um pássaro de fogo pousa no meu coração e queima minhas carnes flácidas Riscando o ar com suas asas mágicas preanuncia um definitivo augúrio Os homens, as crianças, a cidade tudo o mais anuncia a lembrança do futuro SONHANTE Plurivalente pretensão de uma sonhante bela a noite em clarividez se desfaz e com ela todos os vários desejos todas as ousadas carícias que a sonhante noite traz As feras também amam nos cantos recônditos da aconchegante noite com garras de belas e polivalentes mãos O país do corpo não escolhe, oferece gozos úteis ao espírito são OS SENTIDOS DO AMOR Desmereço qualquer comenda rio-me dos peitos impávidos cheios de medalhas Aos incautos ofereço uma prenda o coração de um potentado em alguma bandeja rica de bem aventurados as vãs glórias cortejam Meus pés sabem aos círculos de poeira ao mendigo que pede ao grito no escuro Meu quintal tem bem-te-vis tenho casa tenho raízes piso a terra com uma heróica certeza permaneci crendo as incertas asperezas amei os amigos como quem carrega uma bandeira TRANSPARÊNCIA Clariluz floriluzente jardim passarinhantes aves trafegam o céu Sol balão crianças passeantes belas atravessam o jardim reluzente de briza o vento brincando faz tremeluzir o orvalho das flores PLENILÚNIO Sonhaz é o poente e a sua fonte é de luz Clarificante dia voantes pássaros cruzam a atmosfera sagaz de sagazes aves céucruzantes Nuances de clarificazes cores anunciam o plenilúnio Lua plena de amor metálico A VIAGEM DO TEMPO Assertiva anunciação do dia o galo canta cavaleiro da manhã Entre os minutos passam estradas de aconchegantes lembranças Minha mãe me chama estou gripada estou em casa Ânsias de mulher madura me sacodem invadem as salas da memória e se instalam A cosmogonia do tempo tem sua hora e lugar certos As humanas atribuições não lhe alteram a face Pelejas de heróicos guerreiros não lhe sulcam o rosto impávido O tempo sempre faz a sua viagem atravessando sutis distâncias implacável O PREÇO O meu segredo companheira eu adquiri a duras penas nos desvãos, nos porões da cidade, nas trincheiras é por isso que quando eu tento transmiti-lo a você, eu fico muda, devagarinho desajeitada feito pássaro sem ninho A MARGEM ESQUERDA Desaviso quem me acredita sou um traçado incerto tropeço no espaço vazio passo falho nenhuma alerta meu gatilho nunca funciona guerrilheira sem armas ferida aberta SÍNTESE Tenho o desassombro dos bobos já fui animal um dia serei estrela no céu Í N D I C E HISTORINHA ..................................................................................................... 1 ESCOLHA .......................................................................................................... 2 TEATRO ............................................................................................................. 3 DIAS .................................................................................................................. 4 POYESIS ............................................................................................................ 5 TARDE ............................................................................................................... 6 A CHAMA DA VELA ........................................................................................... 7 O CIO ................................................................................................................. 8 ERRÂNCIA ......................................................................................................... 9 GOZO ................................................................................................................. 10 NO PRINCÍPIO ERA O VERBO ......................................................................... 11 CIO DAS HORAS ............................................................................................... 12 CARPINTARIA ................................................................................................... 13 OS SENTIDOS DA POESIA .............................................................................. 14 COTIDIANO ....................................................................................................... 15 DIZERES ........................................................................................................... 16 DECÁLOGO ...................................................................................................... 17 ERRO DE PALAVRA ........................................................................................ 18 A NEGAÇÃO DO POEMA ................................................................................. 19 VIAGEM ............................................................................................................. 20 ESPELHO .......................................................................................................... 21 TEATRO ............................................................................................................ 22 MURMÚRIO ....................................................................................................... 23 FINAS SENSAÇÕES ......................................................................................... 24 VERNIZ DAS COISAS ....................................................................................... 25 TRAPÉZIO ......................................................................................................... 26 GOZO ANCESTRAL .......................................................................................... 27 DOCE AMÉRICA ............................................................................................... 28 ENTRE A VIRTUDE DO VÍCIO ......................................................................... 29 TEMPO .............................................................................................................. 30 POEMA MINUTO ............................................................................................... 31 SENTIMENTO DO MUNDO ............................................................................... 32 SER TÃO ............................................................................................................ 33 POEMA ............................................................................................................... 34 ANTIGAS CIDADES ........................................................................................... 35 SENTIDOS DA NOITE ....................................................................................... 36 FATHER ............................................................................................................. 37 SOLIDÃO ........................................................................................................... 38 A CONSTRUÇÃO DO POETA .......................................................................... 39 A ESCOLHA DA PALAVRA .............................................................................. 40 GAUCHE ........................................................................................................... 41 O LUGAR DA HISTÓRIA .................................................................................. 42 DESSACRALIZAÇÃO ....................................................................................... 43 ÍTALO ................................................................................................................ 44 CELIBATO ......................................................................................................... 45 SENSUALIDADE ............................................................................................... 46 CIRANDA .......................................................................................................... 47 ACORDO SECRETO ........................................................................................ 48 A NAVILOUCA ................................................................................................... 49 DÚVIDA ............................................................................................................. 50 FANTASMA ....................................................................................................... 51 POLIS ................................................................................................................ 52 SONHANTE ...................................................................................................... 53 OS SENTIDOS DO AMOR ............................................................................... 54 TRANSPARÊNCIA ........................................................................................... 55 PLENILÚNIO ..................................................................................................... 56 A VIAGEM DO TEMPO .................................................................................... 57 O PREÇO ......................................................................................................... 58 A MARGEM ESQUERDA ................................................................................. 59 SÍNTESE ........................................................................................................... 60

A Trama do Verbo

A TRAMA DO VERBO Helenice Maria Reis Rocha O NOME DE DEUS O nome de Deus baila em meus lábios como ladainha em dia de procissão minha menstruação me consome sinal de algum filho temporão quisera Deus um filho purificado nas febres e nas incertezas artista médico ou dentista um filho vadio ou trapezista para desestabilizar as convicções dos sábios. BOA NOITE Boa noite boa meus cuidados que já vou rapidamente p’raquela estrela distante que se vê da janela nos veremos brevemente meus cuidados naquela estrela luzente pouco antes do meu coração pifar quando esperávamos aquela nave, olhando o céu. MINHA MÃE Minha mãe você soa suave em silêncio e sangrando canta a gota de sangue de todo poema. RITUAL Pronuncio sempre a minha origem esquecida entre as vírgulas do percurso Toco nesgas de caminhos turvos esperando o batismo das horas em ondas curtas O tempo cavalga as frestas dos minutos navega a estrada das esperas Enquanto isso tomo a palavra perfilo o verbo entre os descontentes sacerdotes do aço. A VIAGEM DA PALAVRA Risca a página feito bala a palavra Rasga a fala feito faca a palavra No entanto em si não vale nada Nada mais do que risco Tensão entre grito e vala perda e sorte falada Engenharia de silêncio Descuido da voz Quando não cala. ESPERANÇA Clara, clara, clara água, água, água vaza, vaza, vaza mágoa, mágoa, mágoa Belo, belo, belo fero, fero, fero tempo, tempo, tempo vento, vento, vento. TEMPO Escorrendo feito água o tempo aqui veleja entre os dedos como navegante frio acertando quando erra o destino de chegada Mas o tempo não chega nunca E a vida permanece parada suspensa no trapézio de uma idéia que não é nada. VOZ Dedos de voz rasgam o compasso da fala Pára a voragem do som no meio das palavras quando as tiras das palavras defloram sentidos tensos Sentidos lentos escorrem pelos vãos da fala A frugalidade dos favores se faz bala a intensidade dos fragores se faz vala Tudo o mais é risco Todo o verbo é nada. NOITE A Lua, a mãe da noite abre as pernas brancas para o Sol parindo a tarde furando o grito da graúna abrindo o silêncio da sorte Formiguinha grita Quem, quem, quem, quem A rua abre o ventre para o Sol. A FESTA DO SOL O Sol salgou o mar multidão de peixes saudou virou procissão de sal e água Boto gritou: Vem cá, vem cá Tupinambá responde: Não vou, não vou O Sol caiu em pingos sobre o mar. NOITEANDO A luz do céu apagou noiteou Curumã saiu de dentro da escuridão. DANÇA LELÊ Jaboti saiu da toca dança Lelê Não tem água p’rá bebê dança Lelê A onça encantou o rio dança Lelê Quer comer Jaboti dança Lelê. MEU AMADO Com um arco-íris atravessando as palavras balanço os cílios meu amado vem voando entre carmins de lábios sobre o meu corpo vem gemendo entre cetins, entre com passos vem meu amado é manso e calado é Derrida e cerrado poesia e gerais meu amado é professor e menino profanador profissional menino não sabe o que faz. E ESSE AMOR ... Versos de um amor muito bailam soltos no limbo das palavras Versos de um amor limpo chegam mansos sobre o olor das páginas As águas desse amor tão simples invadem retinas e falas As mágoas desse amor singelo embalam o coração das feras. CLÁUDIO TANNUS Areais voam em constelações de grãos chovendo sobre o tempo soterrando o que foi um dia, vida Faço trilhas no lençol e canto reconto pegadas Te encontro no futuro beijando vísceras. ENTÃO ... Solarte Manhã reluzente paz amarelinhando o dia lindo nascente noutro lado da rua eu nua flácida e crua destoando este bom gosto estarte. CIDADE Estrelas nuas chovem febris sobre os passeios rios de risos correm febris nas avenidas antigas baladas se fazem ouvir em bairros distantes a noite, a cidade, os mendigos, o açoite. VENHA Veias de mel soltam sua íris louca Os seus olhos doces me engolindo toda contra isso nada podem os lucros, os grandes negócios os acordos turvos Os seus pelos roçam minha pele fraca minha carne lassa meus sentidos roucos beijo o ar à tua espera Tua vinda é um vôo de avião em dia de sol. CANTIGA DE UM GUERRILHEIRO Amei feliz um dia as estradas dos gozos temporãos As Américas cortaram minha carne espalhando os pedaços por todos os porões. Minhas vísceras gritam fecundando a terra, abundando o campo de flores que virá Amei ao relento, nas trincheiras nuas, escondido dos canhões. Beijo os pássaros que caem e os animais que lambem o túnel aberto em meu coração. AIUOEEÊ Curupira saiu do mato gritou aiuoeeê Roubou comida de onça voltou p’ro mato outra vez. MEU VENTRE Olhos de fogo engolem o sangue de meu ventre aberto banhando as oscilações dos pregões da bolsa entre especulações e gemidos caminho alerta fugindo ao veneno dos negócios certos Mundo-serpentário de homens máquina explícitos vampiros da nudez da humanidade. O OUTRO Através de uma fenda desvendo planetários fabulação de mundos vários recordando um atávico exílio de outros nós Vejo entre frestas ruas e pessoas sorvendo febris carbonos carboidratos entre serpentários de homens-aço Haveremos de dar a mão a algum ser errante vindo de uma outra estrela um outro que de tão outro se faça muitos e de tão muitos se faça nós. PROVA DOS NOVE Quero o amigo distante o que não foi e o que não virá Quero o cumprimento do amante o que não tive e o que não terei Quero dançar um instante nos braços de um anjo sedentário Quero o tempo de um viajante como sentinela da alegria que chegará. AS FACES DO VENTO Cães de vento mordem as faces do ar Mãos de sonho fabulam desenhos de giz As faces do ar são gravadas a giz. HOSPITAL Pétalas de pedra choram sobre paredes brancas Lanças de carmim perfuram corpos parados O hospital O quarto A dor floresce meus sentidos Sinto, sem maquinação O Aço do carmim me faz pra sempre P’rá todo sempre Tudo que sente renasce, talvez. ANTROPOFAGIA Eram três caravelazinhas Santa Maria Pinta e Nina E a carne branca de Portugal. OS SINOS A voz dos sinos me constrange não vejo graça nem tino a não ser aqueles que balançam gangorrados por meninos a fala dos sinos me desatina quando eles insistem em anunciar os mortos ou os feriados Santos dias de fornicação. BREVE POEMA Não vou fazer um poema longo que seja breve como as más-respostas e tenso Nem tão pouco quero um poema belo que seja triste como as mulheres pobres e fero mas há de ter a violência de crianças nuas. Há de ter o olor das lágrimas nas ruas. A FESTA anéis de voz viajam o espaço a sala cheia as veias da vida escorrem a janela aberta Um olhar de água batiza minha displicência A mulher do lado Um beijo de aço comprime o meu sorriso escasso Meu namorado. A festa uma seiva de reverências. DEVORAÇÃO Um mar seco percorre o nordeste escorrendo um agrilhão de agruras vastidão de secura parada corroendo os homens nas estradas Um menino seco espeta para o céu num Libelo áspero corroendo ternos e gravatas. LÁGRIMA A equação da lágrima me confunde viajando solitária sobre o meu rosto Ninguém viu, ninguém vê esta trilha em linha reta descendo humilde para a minha boca salgando os meus lábios secos. VOLTA Sorvo a noite como um sonho vivo perpassando meus sentidos penetrando lenta o cárcere do meu corpo Vôo e volto o mesmo ponto antigo as horas bailando os meus passos abraçando os meus risos Hei de ir como quem despede para voltar mais leve sem aviso. OLOR DO TEMPO A cada dia o seu cuidado A cada dia uma palavra em ritmo de sarabanda em ritmo de Tarantela esculpida em renda fina como enxoval de donzela Um dia eu fujo e deixo as palavras p’ra trás Com seus vícios e traições com suas estranhas mazelas. VIDA Terei dias de realeza em tempos de devoração a geografia dos anos ao alcance da minha mão Serei confidente do vento do meu fado, Tecelã Sinto as veias do meu corpo como quem canta um hino Vida, vem, fica comigo Serei cúmplice, serei sizo Serei sua mais fiel equação. ANTÔNIO Quero a coragem do erro A hora incerta que antecede o dia Quero a voragem do cio o esquecimento de todos os avisos do escasso Juízo a medula quero também a profecia sua amigo, amante ou confidente que em uma tarde cristal me sentencia. DANÇA O dançarino das vagas me chama é tarde, não vou Entre espelhos de ondas me perco não sinto os dedos da água me calo O dançarino das vagas proclama é noite, não vou entre nuvens de ondas, me abalo não sei entre corcovos de água, declaro não sou. HOJE Hoje não serei gorda receberei cumprimentos pela minha fidalguia ganharei flores na esquina Terei um amante pontual Hoje não serei antiga Terei passos de gazela e espasmos de perdida Hoje não serei feia compreenderei os mistérios gozosos e os meus deveres de filha Hoje não serei fria Darei o calor do meu corpo Ao vendedor da esquina E como a princesa que baila bailarei altiva e lassa entre olhares espantados e a desaprovação das tias. ANUNCIAÇÃO Será enganosa a exaltação do dia? Que venha a manhã solar com uma euforia vespertina com pássaros varando as esperas e gente riscando avenidas que venha a manhã, exata com todas as anunciações atravessando todas as distâncias que existem entre os corações Que venham todas as manhãs com respingos de sono e risos com pão e café na mesa Apesar de todos os avisos Apesar do meu passo incerto. CHEGANÇA O tempo chega em passos densos como tristeza de filha entrando na pele Mais parece apito de trem ou praga de velha coisas tão comuns e vesperais Chega tão naturalmente que parece alguém da família e nos leva. CHANCE A fina equação do verbo conduz antigas Litanias que o tempo das palavras seduz Diante dos altares me curvo última testemunha de rezares únicos Espero em Deus a chance da Alegria na vez e hora das epifanias. HOLOCAUSTO A prata envelhecida dos castelos sumiu O que resta são as vísceras dos reis Nas margens avulsas os sinos dançam o balé sem imagem de antigos sons A arca das imagens sacras foi violada Abutres andam nos quintais onde as princesinhas cantam dias reais. BRUXEDO Suam pétalas viris nos embornais São as flores que carrego no meu peito murcho desidratadas pelo sangue das virgens em dia de defloração Como as bruxas me vicio em doces aberrações Perdida no cio faço os meus convites, exorto as minhas evocações Da Terra sobe o olor que me dá poder. VENTO Feito agulhas varando o ar o vento fere várzeas levando as águas abrindo lamentos sob a tarde clara Feito fúrias levantando o tempo o vento pede, afronta e recua arrastando o medo declarando luta. ECO Sinto o eco do vento dentro, dentro, dentro Sinto o aço do centro lento, lento, lento Solto o ar do lamento penso, penso, penso Bailo o gesto do canto denso, denso, denso. FERNANDA Linha de voz Lâmina ardente em tempo de manhã canta a melodia das esperas Todas as velhas artesanias da fala se reúnem em assembléia Fernanda Montenegro recita Fedra e isto basta. A EXATIDÃO DAS ESPERAS Pão sem bruma sobre a mesa baça no teorema da manhã de ontem Mão sem lume sobre a pele fraca acendendo fontes do amor que ficou Vão sem rumo em nesga de estrada escondendo espasmos inventando falas. FALAS Falas são rios serpenteando estradas como túneis sem fundo rasgando a terra na voz das velhas e das ciganas Em cada esquina uma vela em cada vão de rocha um despacho O riso do pajé, a sentença Um choro de criança uma saudade. SILÊNCIO Um silêncio seco na excelência da noite se desvela como sentença nua ou grito sem voz Algozes mudos se revezam fechando a porta da manhã torturando feras que me habitam o peito aberto Um grito bêbado corta a noite. O ônibus passa habitantes de uma odisséia vencida homens e mulheres riscam avenidas mortas em horas inertes nos desvãos da cidade. AS PALAVRAS Um fio de nada me mobiliza aragem de pássaros no cio Um brilho na vala me seduz a dança dos abismos me arrasa sonho amavios recolho falas estiletes e feridas de percurso na minha bela viagem de alvíssaras na antiga voragem das palavras. MADRUGAGEM Sinto o relume da manhã e me embriago fabulando filetes de sol e ar mas a noite me abraça e absorta me entrego pacto fatal de murmúrio e sombra amanhã será a espera hoje a noite me espreita como um tigre na janela. SAUDADE Tua ausência é um feixe sem lenha filete de um fogo frio que nunca vem Uma distância longa nos percorre escorrendo como seiva em nossos umbrais Sedentos somos de palavras mornas aquecendo lentas os nossos portais esquecidos vamos buscar retalhos de nossos passos em algum fio de vento. TRISTES SEREIAS As dunas ondeiam os caminhos mansos nas praias onde chegam os cansados cantos das sereias mortas das cidades Navegavam lixos e refugos meias de rendas entre a sífilis e a noite. Sexo seguro? Acoite Amor tranqüilo, quimera Grandes negócios, amores turvos no carrossel das águas Carne e risco da AIDS, lembrança e soluço Antes, só a saudade. AS PALAVRAS O mármore das palavras está no silêncio no entre nos caminhos de través quando tudo cala por já ter dito por já ser nada. POYESIS O anel da nossa aliança virou sal sobrevivemos ao olhar da medusa nosso sangue fecundou sentenças O Testemunho da nossa confiança varou ânsias Hoje, somos fraca lembrança Olho p’ra trás e ouço a minha mãe cantando. síntese do nosso gemido sentença de esfinge Seremos muitos, amanhã Nós, poetas Sagração de murmúrios que cantam o solo árido das palavras. TARDE Grãos de silêncio caem sobre o fim da tarde arde um viver difuso sobre os meus olhos cansados vida vazada em prestações de vinagre e mel Filetes de grito cortam o silêncio da tarde ardem ferindo a surdez dos passantes São crianças que brincam na praça sob a ferocidade das massas e as botas dos soldados. POESIA Poesia é um balanço de corpo Um trem riscando o vento peixe-boi que fala riso, lamento poesia é um momento de gozo embarcação em movimento uma gangorra no ar o aconchego de dentro arquejo de mulher amando poesia é comida na mesa povo dividindo o pão coração leve, alento. PAIXÃO INÚTIL Um mendigo desabotoa a minha dor Amo este estrangeiro que pede país selvagem do meu esquecimento de mim andarilho indomável das minhas mais secretas andanças Amo este estranho, ora aqui, ora ali, flaneur sem máscaras das nossas esquinas e não posso nada. AVENIDAS Serpentinas de luz os faróis e os neons riscam as avenidas equação de noite e Lua Velocidade e risco vertigem e chão Tomara o coração das avenidas fosse calma nua sem pressa vã ou carne crua e ignição. MEU PAI Uma saudade do que não virá enche um instante barca de vento navegando as águas da tarde Um cachorro late Todos os meus medos se esvaem Conspirando murmúrios e lamentos uma sentida nota musical pisa os desvão da memória Leve, suavemente meu pai tosse, a garganta de todos os artistas, tuberculose o tempo volta ele toca como os anjos cantam. DESCANÇO grito dentro riso lento cata vento rima tempo. SENTIDOS Sinto o vento e o seu longo lamento vento, vento, vento eco, eco, eco Sua voz antiga soa, soa, soa, soa dentro, dentro, dentro. SAUDADE papai, barroco frágil e terrível Toda a doçura num segundo do seu berro, do seu não eu mamo pátria da música em um sopro Som, sussurro e sangue sopro de vida meu sofrido vislumbre. SEREIA Branca Luna Barca nua navegando o céu em noite escura Mansa bruma onda, espuma dançando leve sobre areia crua Sereia clara cantando, rara sobre o mar Brisa breve bailando célebre sobre o céu. NÓS Uma linha em branco atravessa a garganta do mundo ferindo o fundo de antigas epifanias É a memória muda de incontáveis histórias sangrando lentas sobre uma ausência Somos o resto de uma trama a sobra de um passado, caminhando sobre nostalgias e saudades sem remédio Somos o resto do tempo. VOZ A carne da voz é o outro lado da palavra o avesso da memória a deiscência das coisas nuas objeto da vivência crua que norteia as realidades pagãs A floração da fala fecunda a carne da palavra matiz de sons vários A humana concreção do som a magia do dizível instala. AMANHÃ Anel de aço o barulho do mundo envolve os meus sentidos lassos laço de ferro a me enlouquecer Não sei das guerras das fomes e das falas Sei do meu gesto dúbio de alguma caridade pouca do meu afago da minha ânsia louca de um amor avaro a me atormentar Sonho um mundo outro onde as crianças vivam e os homens bons possam algum sonho raro. ÁRVORES Folhas de anil voam sobre a Terra mansa A paisagem toda na minha retina arde O que era esperável se desfigura Um carnaval de astros dançam nos céus A linha do horizonte se perfilha, dura A agonia das espécies é um vendaval A terra canta um brilho santo de estrelas Mãos duras sangram árvores no final. MINHA MÃE Cavalinho azul do meu sonho de criança Carrega a meiga voz da minha mãe meu consolo de infância Cavalgando o vento me traz aquele alento de canto de sereia de tempo de quebranto. PROGRESSO A árvore respira folículos de serpente gemente estende os galhos áridos aos céus A fábrica solta gases A vida chora implora uma segunda vez As vísceras de um viver de todo antigo se presentificam Os pássaros de antes cantavam Hoje cantam gases, de um tempo de todo assinalado tatuado de progresso. MARIA Sou uma Maria qualquer barro humus pó de terra Danço de chinelinha nos pés Tenho dente de ouro e olhos de vento Sei da curva das estradas da poeira de sol do tempo. ÁFRICA Cavaleiros do mar navegando águas de tempo-noite retirando das águas o lamento do açoite antigos africanos voltam dos porões dos navios Cavaleiros do ar navegando tempos de mar-noite gingando volteios de sangue e soluço antigos africanos choram Cavaleiros do vento correndo, voando, nos matos adentro antigos quilombolas gemem. DESEJO Asas de carmim lambem minha pele rouca varrem minha vida pouca de um amor sempre adiado Boca de alecrim beija a minha pele lassa cicia segredos lascivos e passa O meu desejo, pássaros sem canto sobre os meus pelos dança, avança, recua e se abraça sobre o meu corpo. SOUL Queria ser como Betti Boop Dançar sob um céu de desenho animado Cantar um blue Sorrir de lado numa tarde de Domingo sem sol. TESSITURA O silêncio tece as ânsias desnudas na concha da noite Entre a chuva e o estio o cio e a voragem permanece entre frestas de sol ou frio penetra as janelas das memórias mudas fruta-tear em viração madura. O VERBO O matiz da pedra modela a palavra exata O verbo – Lua O verbo – água O verbo – vento O verbo – mágoa O verbo anímico da palavra – fala. SENTIMENTO DO TEMPO Batom em sorriso murcho o tempo das esperas passou e aquela alegria pagã bate continência em estradas nuas murchas de um carnaval sem fantasia Vou morrer, como vivi, sem nada além dessa crônica louca de amores vadios. SENTIMENTO Como cabelos em um pássaro raro um amor tardio sempre traz amavio Como ritmo em um passo lento um amor temporão sempre traz novidade A idade do sentimento é a face azul da espera que do tão azul se faz quimera como as palavras de um poema sem cor. O TAL Amor de chocolate adoçando donzelas ele passa, cheio de graça pelas telas da tevê. Ele é o tal Cristal filtrando versos e diversos areia fina escorrendo entre as mãos. Ele passa, cheio de graça e não é mais que um tempo. RISCO A civilização balança numa gangorra ora lenta, ora lassa e quase voa pelos ares o tempo todo Antigas vozes ecoam reivindicando presença em janelas baças em murmúrios roucos Antigas ausências ressoam em tempos crassos em compassos loucos. O ÍNDIO Pincel de estrelas colorindo pedras um irmão da terra tinge o pó transverso com tintas de guerra, com tintas de entranhas com tintas de paz e de danças velhas Pincel de estrelas colorindo estradas um índio nu mistérios engendra. O VÔO Um vôo sem asas rasga o ar mudo riscando um sentimento manso de ausência de palavras Sob silêncio me resguardo quando vozes loucas temam em vociferar o banal Vôo sem armas de pássaros sem voz. A SERPENTE Através de um vidro piscante o olhar da serpente encanta a rua paralisando crianças nuas e ninguém vê O olhar da serpente é um anúncio brilhante vendendo homens em papel crepom Serpenteando sobre a cidade arma o bote e a cilada sobre quem passa e não vê Parece um grande negócio vendendo o país inteiro Engole crianças nuas seduz a quem quer que queira. OS SENTIDOS DA ÁGUA Línguas de água molham as bordas do meu verbo manso Nessa liquidez de fala descanso sem mágoas ou remorsos absurdos A vida escorre sem barreira ou filtro escoando esquiva entre armadilhas vis Os meus amigos sabem dessa fala sem esquinas ou paradas entre uma lágrima ou riso. AS RUAS As ruas são rios serpenteando as cidades As ruas são cobras anunciando venenos As ruas são fios interligando sensações as ruas são os cabelos dos mares Quisera um sentimento do mundo fora dele A mundanidade toda no meu quarto Meu coração, o coração do mundo, As ruas, filetes de homens-ebulição. Meu coração, um coração no mundo. BUSCA Em busca de algum encanto peregrino as esquálidas veias do mundo A vida em banho-maria Um corte cirúrgico Trama tecida em sal e fel atualiza um tempo sem nome. OS MENINOS Astronautas do asfalto meninos naufragam entre luzes de neon atravessando mares borrascosos de pernas e braços, bolsos e paletós aterrizando em botinas armadas de homens-marrons. Navegam ares de estrelas de Hélio, zonzos, sob a fabulação das riquezas e dos destinos, astronautas do crack e dos homens de gravata, reféns dos uniformes marrons. ANJO TORTO O rosto de um anjo torto ninguém conserta Nem todos os alertas Nem todos os comandos Nem todos os deuses nus no mesmo pátio O rosto de um anjo torto Só as crianças enxergam. PALMO DE TERRA As cidades do ar sobre pairam as moradias representantes de tudo o que já foi um dia casarões, sobrados casebres, velhas pedras na tumba-concreto de novas liturgias A liturgia dos lucros e das mais-valias Mais valia o quintal barrento de uma velha lavadeira ou o casarão antigo da esquina Tumbas-espigões brotam do asfalto onde jaz o palmo de Terra do nascituro. PORTE DE FÉ Deus meu, me perdoe as taras e a virtude duvidosa a péssima fachada e a cara marcada de barro e corte, já não tenho mais a alma de princesa de outros dias No entanto, amo o pai, o filho e o espírito santo, com a mesma confiança rasgada, com a viceralidade das perdidas e a elegância das loucas. NÃO SEI Morna viração das ruas paz fim de tarde de Domingo meus livros espalhados sobre o chão O momento entre um minuto e um segundo é uma sentença o tempo de um tiro ou de um afago Âmago das raízes e das coisas cálice de aconchegos e incertezas um passado sem rosto se presentifica Que fui eu no teorema do que serei? bela ou fera, amante ou proscrita? já não sou e não sei AMOR Nos dizeres do meu amado as minhas faces transmutam Nem ele me ama tanto assim nem tanto eu camaleoa Fera louca em áspero feroz mundo de tantas faces a que mais me entranha é esse amor nem tanto que tanta falta me faz é esse amor que de um tanto o mundo todo me traz. PONTO DE VISTA Vidas chovem sobre paralelepípedos Paixões desenfreadas dançam bamboleando o asfalto frio das avenidas O arrasador dos corações fuma um Carlton sob a luz dos cristais. Tudo é banal como um sabonete barato. Crianças semi-nuas roubam roupas nos varais morrem varadas por fugazes metais nas marquises, nos parques, na capital, no mar, no ar Tudo o que é sólido se desmancha no ar A fatalidade é vendida em suaves prestações. ESPERA Acossada em uma fenda do desejo arquejo plumas de felina espero a hora o dia, o salto do batom o urro do prazer sonhado ao prazer vivido a dor do gozo pressentido me estraçalha. SALTO NO ESCURO Uma loba no escuro o meu amado assedio com garras de veludo marco seu corpo vadio como fera sangrando caminho pelas transversais do cio varando todas as paralelas rasgando o meu amor arredio. ELE Meu amado é um menino selvagem e dissimulado como os tigres em dia de viragem me assusta me desanima como os pássaros em perda de plumagem. SONS E FALAS A cor da voz voa no matiz oscilante dos espetáculos O político tonitroa O cantor escoa e geme A voz da cor canta no matiz oscilante dos quadros e tão canto e tão timbre se faz que voa nas mão daquele artista pobre O ser de uma penetra o de outra uma vez que a cor é uma voz que cala e a voz é uma cor que soa. O ATOR Gentileza de tigre arranhando as estranhas do tempo ofendendo fibras do espaço. o mago das avenidas passa travestido de palhaço de anjo ou simplesmente de homem O ator este ser p’ra sempre multiface transmuta no asfalto acompanhando a troupe do teatro Teatro das ruas Teatro dos corações. PAPEL Estranho papel resto de tudo e de todos bolsa de objetos vários recados p’ra empregada endereço do bombeiro bricolage de retalhos restos de vida. Cartas anônimas bilhetes rápidos Se eu fosse papel estaria amassada em algum canto. UM OUTRO TEMPO Tatuagem de batom as vezes dói como forte presença em dia distante Antes era a grande ausência antes do verbo, antes da origem Hoje, depois do primeiro pecado a gente vive risos e taças saudades virgens. HORAS A paz de um lençol voando no varal percorre a tarde Arde no ar uma fogueirinha de folhas secas Antigos carrinhos de rolimã riscam o passeio da rua da memória papagaios no ar, cerol, Meu irmão brinca antes era assim O balanço das horas não tinha nem endereço. A TRANSIÇÃO DA VOZ Voz muda retumbando no silêncio Música surda soando no ar Fala cega assombrando tempo de velhas confabulações as asperezas de percursso viajam riscando nossas filosofias feito tesouras dilacerando sedas ou bonecos varados de alfinetes Magia negra de duvidoso resultado balançando o cerne de inúteis inocências. CANSAÇO Estou livre de amores vãos Falsas ternuras sentimentos inúteis ainda me seduzem aliás como tudo o que não tem direção Vou de déu em déu pelas transversais do destino Tudo o que me acontece é por acaso sentença de uma felicidade sem nome cansaço das denominações. MINHA AMADA O tempo voa como folhas de papel ao vento dentro dos minutos e das horas não tenho pressa nem demora nem a devoração das esperas me paralisa minha mãe ouve minha poesia com a humildade das gueixas sem queixa sofre de dores severas na espinha e canta. TEOREMA O vinho não batiza a noite assim como o nome não mostra a face do dono A voz não anuncia a fonte assim como a fala não detém a bala A espera não escondo a fera assim como a faca não detém o salto A noite, espreita o açoite assim como a manhã anuncia o dia. NO MAIS, PALAVRAS palavras são árvores ricocheteando o papel confete multicolorido chovendo sobre mar de verbo amar as palavras é despi-las dos galhos desfolhando folha a folha os seus desvãos amar as palavras é descolorir confetes buscando passo a passo os sentidos vãos palavras são compassos densos ressoando ambíguas sobre o papel branco. A VELHA ESPERA Doendo como pétala falsa esse amor insistente, inclemente que nem carnegão exposto Eu queria as asperezas da raiz a incerteza da liberdade e amor, p’ra valer Talvez, polindo um pouco as velhas pratas vejamos esse caminho poeirento clarear as matas dos nossos corações cruentos. O AÇOITE A noite o frio a vala o rio o susto o grito a fala o riso a ponte a fonte a morte a Lua. O SERTÃO O sertão é um balanço lento ondulando numa tarde nua crua equação de emergências sentenciando decisões tardias momento de silêncio na noite quando a passarada dorme O sertão é um fogo-fátuo anunciando o gargalhar dos mortos vela acesa na estrada emboscada a vida por um fio. CONHEÇO Mãos de pérolas acaricio meu corpo Loba sem garras jogada na noite sei de todos os nãos de toda ausência de carícias Conheço a rejeição gentil e a grotesca Conheço meu corpo como quem baila em esferas Sou toda mãos Sou toda esperas. PLUMAS As plumas da voz são para as princesas eu, prefiro cristais e pedras modulando o meu berro solerte Na hora da viração desperto, espreito felina, espero o doce desfile dos tigres que lamberão minha ferida aberta. BRILHO Minha mãe, minha poesia minha solidão minha vida vadia valeu bem um porre, ou alguma alegoria ou talvez um êxtase do nada a saudade de alguma ausência venham trazer aquela voz distante Teorema de um antes brilhando num dia de sol. TAMBATAJÁ Violo o papel com letra e tinta carneiros de letras cantam uma voz antiga enfeitando uma palavra ancestral Os índios choram em fileiras nas matas o amor do Tambatajá que fugiu A noite dança na taba o andar da índia ferida na lida, Ondas de voz invadem o bailado da noite cantando o amor do Tambatajá que fugiu Í N D I C E O NOME DE DEUS ..................................................................................... 1 BOA NOITE ................................................................................................. 2 MINHA MÃE ................................................................................................. 3 RITUAL ......................................................................................................... 4 A VIAGEM DA PALAVRA ............................................................................ 5 ESPERANÇA ............................................................................................... 6 TEMPO ........................................................................................................ 7 VOZ ............................................................................................................. 8 NOITE ........................................................................................................ 9 A FESTA DO SOL ..................................................................................... 10 NOITEANDO ............................................................................................. 11 DANÇA LELÊ ............................................................................................. 12 MEU AMADO ............................................................................................. 13 E ESSE AMOR ... ..................................................................................... 14 CLÁUDIO TANNUS ................................................................................... 15 ENTÃO ... .................................................................................................. 16 CIDADE ...................................................................................................... 17 VENHA ....................................................................................................... 18 CANTIGA DE UM GUERRILHEIRO .......................................................... 19 AIUOEEÊ ................................................................................................... 20 MEU VENTRE ........................................................................................... 21 O OUTRO .................................................................................................. 22 PROVA DOS NOVE .................................................................................. 23 AS FACES DO VENTO ............................................................................. 24 HOSPITAL ................................................................................................. 25 ANTROPOFAGIA ..................................................................................... 26 OS SINOS ................................................................................................. 27 BREVE POEMA ....................................................................................... 28 A FESTA .................................................................................................... 29 DEVORAÇÃO ............................................................................................ 30 LÁGRIMA ................................................................................................... 31 VOLTA ........................................................................................................ 32 OLOR DO TEMPO .................................................................................. 33 VIDA ........................................................................................................... 34 ANTÔNIO .................................................................................................. 35 DANÇA ...................................................................................................... 36 HOJE .......................................................................................................... 37 ANUNCIAÇÃO ............................................................................................ 38 CHEGANÇA ................................................................................................ 39 CHANCE ..................................................................................................... 40 HOLOCAUSTO ........................................................................................... 41 BRUXEDO .................................................................................................. 42 VENTO ....................................................................................................... 43 ECO ............................................................................................................ 44 FERNANDA ................................................................................................ 45 A EXATIDÃO DAS ESPERAS ................................................................... 46 FALAS ........................................................................................................ 47 SILÊNCIO ................................................................................................... 48 AS PALAVRAS ........................................................................................... 49 MADRUGAGEM ......................................................................................... 50 SAUDADE .................................................................................................. 51 TRISTES SEREIAS .................................................................................... 52 AS PALAVRAS ........................................................................................... 53 POYESIS .................................................................................................... 54 TARDE ....................................................................................................... 55 POESIA ....................................................................................................... 56 PAIXÃO INÚTIL ........................................................................................... 57 AVENIDAS .................................................................................................. 58 MEU PAI ...................................................................................................... 59 DESCANÇO ................................................................................................ 60 SENTIDOS .................................................................................................. 61 SAUDADE ................................................................................................... 62 SEREIA ....................................................................................................... 63 NÓS ............................................................................................................. 64 VOZ ............................................................................................................. 65 AMANHÃ ..................................................................................................... 66 ÁRVORES ................................................................................................... 67 MINHA MÃE ................................................................................................ 68 PROGRESSO ............................................................................................. 69 MARIA ......................................................................................................... 70 ÁFRICA ....................................................................................................... 71 DESEJO ...................................................................................................... 72 SOUL ........................................................................................................... 73 TESSITURA ................................................................................................ 74 O VERBO .................................................................................................... 75 SENTIMENTO DO TEMPO ......................................................................... 76 SENTIMENTO ............................................................................................. 77 O TAL .......................................................................................................... 78 RISCO .......................................................................................................... 79 O ÍNDIO ....................................................................................................... 80 O VÔO ......................................................................................................... 81 A SERPENTE .............................................................................................. 82 OS SENTIDOS DA ÁGUA ........................................................................... 83 AS RUAS ..................................................................................................... 84 BUSCA ......................................................................................................... 85 OS MENINOS .............................................................................................. 86 ANJO TORTO .............................................................................................. 87 PALMO DE TERRA ..................................................................................... 88 PORTE DE FÉ ............................................................................................. 89 NÃO SEI ....................................................................................................... 90 AMOR ........................................................................................................... 91 PONTO DE VISTA ........................................................................................ 92 ESPERA ....................................................................................................... 93 SALTO NO ESCURO ................................................................................... 94 ELE ............................................................................................................... 95 SONS E FALAS ............................................................................................ 96 O ATOR ........................................................................................................ 97 PAPEL .......................................................................................................... 98 UM OUTRO TEMPO .................................................................................... 99 HORAS ........................................................................................................ 100 A TRANSIÇÃO DA VOZ .............................................................................. 101 CANSAÇO ................................................................................................... 102 MINHA AMADA ........................................................................................... 103 TEOREMA ................................................................................................... 104 NO MAIS, PALAVRAS ................................................................................ 105 A VELHA ESPERA ..................................................................................... 106 O AÇOITE .................................................................................................. 107 O SERTÃO ................................................................................................. 108 CONHEÇO ................................................................................................. 109 PLUMAS ..................................................................................................... 110 BRILHO ...................................................................................................... 111 TAMBATAJÁ .............................................................................................. 112